As cooperativas de crédito desembolsaram R$ 15,5 bilhões em financiamentos rurais nas linhas do Plano Safra 2022/23 nos dois primeiros meses da temporada, um aumento de 11% em relação ao bimestre inicial do ciclo passado, e superaram o desempenho dos bancos privados em volume de recursos emprestados aos agricultores via sistema financeiro – sem contabilizar as emissões de títulos do agronegócio. Assim, ficaram atrás apenas das instituições públicas, lideradas, ainda com folga, pelo Banco do Brasil.
Thiago Borga, coordenador do ramo crédito do sistema Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), disse que as cooperativas de crédito já vinham se destacando pelo volume de operações realizadas, especialmente de custeio, com papel importante na pulverização do crédito rural no país, e que o aumento dos limites equalizáveis destinados a essas instituições é um dos motivos que explicam o crescimento do montante liberado aos produtores rurais em julho e agosto.
“A meta do segmento é sempre atender de modo mais eficiente o produtor rural – na velocidade que a atividade agrícola demanda para a chegada do crédito e com o custo mais adequado. A consolidação no segundo lugar desse ranking será consequência da eficiência do setor cooperativista de crédito”, disse Borga ao Valor.
Atualmente, 519 cooperativas singulares operam crédito rural no país, muitas delas filiadas em sistemas como Sicoob, Sicredi e Cresol. Outras atuam de maneira independente, como a Credicoamo e a Credialiança. Essas cinco instituições receberam mais de R$ 40 bilhões de limites equalizáveis do Tesouro Nacional para linhas de custeio e investimento do Plano Safra 2022/23, um diferencial no cenário de juros altos na economia. Em 2021/22, quando a Credialiança ainda não fazia parte do grupo, foram R$ 19,3 bilhões.
No caso dos bancos privados, a dotação dos limites equalizáveis dos bancos privado foi de R$ 1,7 bilhão em 2021/22, distribuído entre cinco instituições – Bradesco, BDMG, Banrisul, BRDE, CNH Industrial. Ela subiu para R$ 2,5 bilhões em 2022/23, em que apenas Banrisul, BDMG e BRDE atuam.
O Sicredi é uma das principais instituições do segmento. A expectativa para esta safra é desembolsar R$ 50,6 bilhões aos produtores. No primeiro bimestre do ciclo foram R$ 11,6 bilhões em 93 mil operações, considerando também os financiamentos por Cédula de Produto Rural (CPR), que já superaram R$ 2 bilhões.
O superintendente de Agronegócios do Sicredi, Luis Henrique Veit, atribui o bom desempenho das cooperativas à capilaridade e ao relacionamento próximo aos cooperados. “Temos expertise e atendimento customizado”. A entidade atende 650 mil produtores em todo o país. Em cerca de 200 municípios, é a única instituição financeira presente.
Com demanda crescente no setor, a cooperativa tem feito esforços para aumentar a captação de recursos para oferecer na ponta. O limite equalizável de R$ 15 bilhões tem espaço para crescer até 40%, diz Veit. O Sicredi também tem emitido mais Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs) e é o principal agente repassador de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Até terça-feira, o Sicredi já havia buscado mais de R$ 3 bilhões no banco de fomento estatal. Várias cooperativas também são credenciadas no BNDES, buscam recursos nessa fonte e operacionalizam programas de fomento na ponta com produtores cooperados. Além do Sicredi, Cresol, Bancoob e Credicoamo repassaram volumes do banco entre julho e setembro. Parte da estratégia das cooperativas é aumentar a presença física. Nos últimos dois anos, mais de 1,1 mil unidades de atendimentos foram abertas no país. Em março, já eram 8.153.
Nos últimos anos, as cooperativas de crédito já vinham reduzindo a distância para os bancos privados em termos de desembolsos no encerramento das safras pelas linhas oficiais do Plano Safra, mas ainda não haviam ultrapassado o desempenho dessas instituições, puxado por Bradesco, Santander e Itaú. Na safra 2020/21, quando foram desembolsados R$ 246,1 bilhões por todos os players, a diferença foi de R$ 8,6 bilhões, a menor até hoje. Em 2021/22, subiu para R$ 9,4 bilhões.
As cooperativas também ficaram atrás dos bancos privados quando comparados os dois primeiros meses das últimas cinco safras. Em 2021, os privados emprestaram R$ 14,4 bilhões em crédito rural via sistema financeiro. Em 2022, foram R$ 11,5 bilhões no período, queda de 20%. O maior recuo foi o do Itaú, de R$ 2,4 bilhões para R$ 1,5 bilhão. Mas Bradesco e Santander mantiveram o ritmo, com R$ 4,2 bilhões e R$ 2,3 bilhões, respectivamente.
Como os bancos privados direcionam os recursos da poupança para aplicações no crédito imobiliário, bancos públicos e cooperativas receberam maiores saldos de limites equalizáveis para os financiamentos rurais da safra, o que se tornou um diferencial enorme com os juros da economia em 13,75%. As instituições privadas também adotam diferentes estratégias de velocidade de alocação, para não errar o ritmo e ser obrigada a “fechar a carteira” precocemente. “O cenário geral é de escassez de crédito rural, no qual os bancos têm se colocado como ‘tomadores de recursos’ um dos outros a taxas próximas a taxa teto em todas as exigibilidades”, disse o Itaú BBA.
As instituições privadas, porém, têm portas abertas para financiar Cédulas de Produto Rural (CPRs), emitir títulos e fazer operações estruturadas, que não estão contabilizadas nesses cálculos. Com a insuficiência de dinheiro subsidiado para fomentar a safra, os bancos privados podem recuperar o terreno perdido impulsionados pelos recursos livres.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) disse que o primeiro mês do ano safra foi impactado pelo remanejamento das linhas equalizáveis pelo Ministério da Agricultura, mas que as instituições vão retomar o ritmo de contratações. “Além do aumento de 30,83% na dotação desses recursos, houve remanejamento dos valores internos, direcionados em quase sua totalidade para as cooperativas de crédito. Além disso, julho é o mês no qual os bancos efetuam ajustes em sistemas e processos, para implementar a política agrícola estabelecida pelo Ministério da Agricultura e pelo Banco Central”, disse a entidade ao Valor.