Com Paulo Guedes, Tereza Cristina e um diplomata experiente do Itamaraty, o governo Bolsonaro tem todas as condições para construir uma política comercial consistente e ambiciosa para o Brasil.
Nas duas últimas décadas, os resultados da política comercial brasileira foram sofríveis: acordos irrelevantes, imobilismo ou regressão no Mercosul, resultados parcos da prioridade Sul-Sul e deterioração das condições de acesso a mercados afetando principalmente as exportações agropecuárias. Até mesmo o acordo UE-Mercosul, há duas décadas em negociação, corre o risco de não ver a luz do dia.
No momento, o mais importante é priorizar temas relevantes em países estratégicos (eu diria no máximo 15) com base em metas factíveis de aumento de comércio e investimentos. Resultados palpáveis poderiam ser obtidos no cotidiano das relações bilaterais com acordos específicos —por exemplo, nas áreas de sanidade, investimentos e tecnologia—, protocolos para abertura de determinados segmentos de mercado (caso dos miúdos de carnes) e trade-offs que levem à abertura recíproca de setores protegidos.
O que falta é uma melhor coordenação intragoverno e com o setor privado, que leve a uma presença internacional semelhante à de nossos concorrentes.
Na área de negociações comerciais mais amplas, creio que o foco deveria estar na Ásia – Japão, Coreia, ASEAN (nações do Sudeste Asiático) e na Parceria Transpacífico -, se possível com o Mercosul, se não, sozinhos.
Valeria também dar um ultimato à União Europeia, abrindo ao mesmo tempo conversas sérias para um acordo bilateral com os EUA. Apesar de o mundo caminhar hoje via acordos bilaterais, em tempos de guerras comerciais é do nosso interesse preservar a OMC e o seu mecanismo de solução de controvérsias, de modo a impedir que as relações de poder interfiram no comércio.
É preciso atentar para que a política externa não prejudique a política comercial. A transferência da Embaixada do Brasil de Tel Aviv para Jerusalém pode efetivamente prejudicar os crescentes volumes de exportações para o mundo islâmico. Nossa venda de carnes para esses países atingiu US$ 4,25 bilhões em 2017, com incrível crescimento de 16% ao ano desde 2000.
Na guerra comercial EUA-China, que já está se transformando em uma segunda Guerra Fria, parece-me que ganharemos mais ficando equidistantes e oscilando de forma pragmática entre os dois rivais, que aliás, são os países mais importantes para solidificarmos parcerias estratégicas globais.
Os EUA são a maior economia de mercado do mundo, um país com imensa capacidade de se reinventar graças à concorrência e à inovação. Mas por razões ideológicas foi deixado de lado na área comercial a partir de 2003, quando o PT enterrou a Alca e apostou nos países bolivarianos. É hora de reverter o jogo e construir uma parceria mais efetiva com os americanos.
Mas isso não deveria ser feito em detrimento da relação com a China, que é o principal parceiro comercial desde 2009 e hoje o maior investidor no Brasil. Precisamos sim de visão estratégica e mão forte para negociar os chineses. Não tem cabimento que apenas soja, minério de ferro e petróleo respondam por 80% das exportações para aquele país. Restrições de toda ordem impedem ou dificultam as nossas vendas de óleos, farelo, milho, arroz, açúcar, etanol, carnes e frutas
Já vimos muita coisa ser anunciada com grande estardalhaço na área da política comercial e terminarmos de mãos abanando, isolados e queixosos.
O Brasil perdeu peso específico e confiança. Agora precisa dar passos firmes na direção de uma política comercial que amplie significativamente a nossa inserção no mundo.