Um dos fundamentos essenciais do pensamento lean é a contínua eliminação dos desperdícios, que são aquelas atividades que consomem tempo e recursos e não agregam valor sob a perspectiva do cliente.
Desperdícios existem em praticamente todos os tipos de processos e serviços, em todos os setores, e no agro não é diferente. A premissa básica é que se formos capazes de enxergar e eliminar o esforço desnecessário, mais tempo e recursos se tornarão disponíveis para executar o trabalho que realmente interessa aos clientes.
Podemos entender clientes como sendo “externos” ou“internos”. Clientes externos de uma granja, por exemplo, são a indústria alimentícia, o varejo e até mesmo o consumidor final. A própria granja, por sua vez, é cliente externa de fornecedores de rações, máquinas, medicamentos, equipamentos, infraestrutura, etc. Clientes internos são etapas dentro de uma mesma empresa ou propriedade. Por exemplo: durante o ciclo de vida dos animais, a etapa de acabamento ou engorda é cliente da recria, que por sua vez é cliente da cria, e assim por diante.
Sob esta perspectiva, a agregação de valor representa aquilo que os clientes (externos ou internos) esperam de nossos produtos, processos e serviços. Toda atividade que não interessar diretamente aos clientes pode ser considerada como desperdício. Alguns desses desperdícios são inerentes ao trabalho e, ainda que não possam ser completamente eliminados por serem necessários em alguma medida, podemos reduzi-los consistentemente.
No pensamento lean, os desperdícios são categorizados em 7 tipos clássicos – uma adaptação da ideia originalmente proposta por Taiichi Ohno, considerado um dos criadores do Sistema Toyota de Produção, fonte de inspiração para o lean.
Cabe ressaltar que esta classificação elenca os desperdícios“não óbvios. Aos desperdícios óbvios (desperdício de materiais e insumos, por exemplo), geralmente estamos sensibilizados e por isso não constam na lista que exemplificaremos a seguir.
Os 7 tipos básicos de desperdícios são: retrabalho (ou correções), esperas, movimentação, transporte, estoques, excesso de processamento e desconexão (ou superprodução). Atualmente, falamos de um oitavo desperdício que pode ocorrer: o desperdício do conhecimento, do intelecto e do talento humano.
Vejamos então breves definições de cada um desses desperdícios, exemplos de como eles podem se manifestar em atividades de uma granja e algumas dicas e conceitos lean para eliminá-los:
1) Retrabalho: necessidade de refazer ou desfazer algo em função de um erro ou defeito no processo. O retrabalho acontece em processos operacionais e também em áreas administrativas e de suporte. São frequentes informações incorretas ou incompletas de planejamento ou instrução aos colaboradores que tornam a execução do trabalho mais custosa, difícil e desgastante (reprogramações, ajustes, correções…). Se os animais ou colaboradores estão envolvidos como clientes da atividade, essa dimensão pode se estender à sua segurança e, infelizmente, nem sempre o retrabalho é possível.
Dica lean: Busque fazer a qualidade em todas as etapas do processo. A esse conceito chamamos de “correto e completo”. Fazer certo, de maneira completa, da primeira vez, sempre. Deixe claro o que precisa ser feito, quando tem que ser feito, como tem que ser feito. Todos precisam ter esta informação.
2) Esperas: basicamente, este desperdício trata de pessoas aguardando. Pessoas esperam informações sobre o que, quando e como fazer o serviço; esperam por equipamentos e ferramentas de trabalho, aguardam materiais e insumos para trabalhar; esperam veículos para o transporte e até mesmo outras pessoas (enquanto elas executam suas próprias atividades). Este é um tipo de desperdício que fica bastante evidente e frequentemente nos incomodamos com ele. Clientes externos e internos estão bastante sujeitos a esperas na maior parte dos processos e serviços com os quais interagem direta ou indiretamente.
Dica lean: Conecte as etapas em fluxo contínuo, sempre que possível. Elimine as interrupções e desalinhamentos entre clientes e fornecedores do fluxo de valor. Mantenha sempre disponível o que é necessário, quando necessário.
3) Movimentação: pessoas se movendo sem necessidade ou sem otimizar seus deslocamentos. Alguns exemplos: buscar material e ferramentas para executar o trabalho, excesso de movimentação para procurar itens e insumos (por falta de organização, eventualmente); se deslocando entre áreas administrativas e operacionais com frequência excessiva, dentro da própria área produtiva em atividades de manejo, entre outros. Em granjas, os espaços amplos “favorecem” movimentações desnecessárias.
Dica lean: Organize rotas ou sequências de trabalho que otimizem a movimentação. Disponha insumos, materiais e informações mais próximos ao ponto de uso antes do início da atividade. Para movimentar materiais e informações, procure ter alguém dedicado exclusivamente a esta tarefa. “Melhor ter alguém fazendo somente a movimentação do que ter muitas pessoas se movimentando o tempo todo.” Assim o desperdício fica mais evidente e mais fácil de ser reduzido. Aquilo que uso mais, fica mais perto; o que uso menos, pode ficar mais longe.
4 ) Estoques: materiais, insumos, ferramentas, medicamentos, informações que não fluem, ficando “parados” no meio do processo, sem necessidade. Estoques são necessários para manter o fluxo operando, mas custam dinheiro. O ideal, portanto, é ter o estoque do tamanho certo, das coisas certas. Evitar estoques demais é fundamental (pois exigem espaço físico para serem armazenados, podem perder prazo de validade ou sofrer avarias, por exemplo). Por outro lado, ter estoques “de menos” pode levar à falta de produtos e itens importantes e, consequentemente, interromper processos serviços.
Dica lean : utilize informações sobre demanda histórica, previsões futuras e a capacidade de reabastecimento para calcular os estoques ideias e os pontos de ressuprimento. O lean possui o conceito de “kanban”, onde a reposição ocorre à medida em que o consumo acontece, como vemos nos supermercados: quando um cliente compra um produto, o espaço vazio na prateleira torna-se um sinal para o repositor atuar. Com esta lógica, não sobram nem faltam produtos essenciais. Tenha mais o que “sai mais”, tenha menos (ou compre conforme a necessidade) os itens que saem menos. Utilize mecanismos visuais para facilitar o controle dos estoques – com pontos de máximo e mínimo – que precisam ser respeitados.
5) Transporte: movimentação desnecessária de materiais, máquinas e informações. Transportar é necessário, infelizmente, mas toda energia dispendida com transporte além do necessário precisa ser evitada, ou estaremos incorrendo em desperdício puro. Exemplos: levar e trazer medicamentos e ferramentas, fretes emergenciais de peças e equipamentos devido a falhas de planejamento, transportar pessoas, animais e produtos sem necessidade.
Dica lean: utilize o conceito do “milk run” sempre que possível. Neste conceito, planejamos rotas onde o deslocamento para“levar algo” aproveita para “trazer algo, coletar algo” no caminho de volta. Evite ter veículos, empilhadeiras, trans- paleteiras e carriolas se movimentando sem carga. Aproxime, o quanto for possível, os processos clientes e fornecedores.
6) Excesso de processamento: etapas que são redundantes ou simplesmente desnecessárias sob a ótica do cliente. Pessoas respondendo às mesmas perguntas duas ou três vezes, informações sendo copiadas à mão e duplicadas em dois ou três documentos diferentes, animais sendo submetidos a procedimentos sem necessidade, atividades de limpeza executadas frequentemente e por mais tempo que o necessário por não termos eliminado a fonte de sujeira.
Dica lean: padronize os processos para que “a melhor forma de fazer” seja compreendida e seguida por todos os colaboradores. Critique as etapas do trabalho para certificar-se de que elas são mesmo necessárias. Tenha claro quais são os tempos, sequências e recursos ideais para a realização das tarefas. Utilize dispositivos que auxiliem o trabalho: água pressurizada, ferramentas pneumáticas, engates rápidos e elementos de gestão visual que auxiliam a tomada de decisões.
7) Desconexão (ou superprodução): considerado um dos piores desperdícios, ela acontece devido à comunicação e alinhamento deficiente entre etapas, levando a interrupções indesejadas nos processos. Neste conceito, fazer “antes ou depois”, “mais rápido ou mais lento”, fazer “mais ou menos” que o processo cliente necessita é algo a ser evitado a todo custo. Alguns exemplos típicos: excesso/falta de matrizes, falta/sobra medicamentos ou alimento, tratamentos inadequados, baias lotadas (ou ociosas), atrasos e cancelamento de embarques ou recebimento, ociosidade convivendo com horas extras, etc. Etapas mal conectadas geralmente provocam impactos sistêmicos, com repercussão em áreas/equipes funcionais adjacentes.
Dica lean: existem mecanismos eficientes de conexão de processos que podemos utilizar. Para materiais, os “supermercados com kanban”e “FIFOS” (primeiro que entra, primeiro que sai) de produtos podem ser eficientes para conectar a demanda à capacidade produtiva. Para informações, acordos de níveis de serviços e regras de nivelamento podem ser úteis. Planejar de acordo com a capacidade real de produção é elemento essencial para evitar as desconexões.
8) Talento: significa desperdiçar potencial criativo humano e suas formas de manifestar os conhecimentos e habilidades adquiridos. Alguns exemplos de atitudes que alimentam o desperdício de talento: não ouvir as pessoas envolvidas com o trabalho sobre suas percepções, não envolvê-las na identificação e resolução dos problemas com os quais elas lidam diariamente, limitar acesso ao conhecimento de informações gerenciais, entre outros.
Dica lean: envolva as pessoas que executam o trabalho na análise sob a ótica de valor e desperdício. São elas, melhor que ninguém, para avaliar as oportunidades de melhorias. Estabeleça rotinas gerenciais de contato com as pessoas. Valorize o conhecimento e transforme o conhecimento tácito em conhecimento explicito (tire o conhecimento da cabeça e coloque no papel). Elimine a cultura do medo. Quando pessoas se sentem confortáveis em expor problemas, isso facilita a melhoria. Tenha as informações sobre metas e desempenho de performance visíveis para todos.
O primeiro passo para eliminar os desperdícios é enxerga-los. Devemos sempre considerar que os desperdícios são, essencialmente, os sintomas dos problemas e não a causa dos problemas, em si. Ao se deparar com um desperdício, procure identificar suas causas de maneira apropriada pois é através da eliminação das causas que o efeito (desperdício) cessará.
Os desperdícios podem ser pontuais ou sistêmicos. Podem afetar uma etapa do trabalho, um fluxo inteiro ou até mesmo uma cadeia produtiva inteira. Existem algumas ferramentas e técnicas lean que ajudam a identificar desperdícios. Falaremos mais sobre isso no próximo encontro.
E os seus desperdícios, onde estão?