A crise hídrica esquentou o debate sobre a diversificação da matriz renovável. Por conta da mudança climática, a escassez de chuvas tende a se tornar um evento frequente em algumas regiões do país. Para garantir a segurança energética, será preciso reduzir da dependência das hidrelétricas. “Os recursos hídricos têm uso múltiplo e temos de discutir alternativas energéticas com a consciência de que podemos precisar de água para outros fins”, comenta Elbia Gannoum, presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (Abeeólica).
Para Gannoum, repensar o papel das usinas hidrelétricas não significa cortá-las da matriz. “Defendo a complementariedade, mas com maior equilíbrio. O Brasil sempre foi líder em energia renovável, mas de uma única fonte, a hidráulica.”
O avanço da geração eólica é uma prova de que é possível estruturar a oferta com agregação de energia limpa. De acordo com dados da Abeeólica, US$ 35,8 bilhões foram investidos em projetos eólicos no Brasil entre 2011 e 2020. Como resultado, o segmento alcançou capacidade instalada de 19,1 GW e já responde pela fatia de neste ano, estão em construção, segundo dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), 115 parques eólicos. “Há muito mais projetos na mesa”, lembra Elbia. Segundo ela, as projeções são de alcançar 30,2 GW de capacidade instalada até 2024.
O potencial dos recursos naturais para gerar energia renovável e limpa foi mapeado pelo Plano Nacional de Energia 2050, documento elaborado pelo Ministério das Minas e Energia (MME) e pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE). O estudo aponta que a expansão da oferta e de consumo no Brasil se fará de forma sustentável e com a manutenção dos indicadores de renováveis, que devem responder por um percentual entre 45% e 50% na matriz energética total, e entre 80% e 85% da geração de energia elétrica. “Cabe ao governo elaborar políticas públicas para ampliar a diversificação da matriz, criando os incentivos corretos”, diz Rodrigo Moita, professor de economia da Universidade de São Paulo e membro do Grupo de Pesquisa em Organização Industrial e Energia.
Os leilões de energia nova realizados pela Aneel e pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), no mês passado, confirmam a tendência de diversificação. Segundo a agência, os contratos futuros vão gerar investimentos de R$ 4 bilhões em usinas hidrelétricas, eólicas, solar e termelétrica com uso de biomassa. Charles Lenzi, presidente da Associação Brasileira de Geração de Energia Limpa (Abragel), destaca que há cerca de 600 projetos de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) previstos no país – 23 deles em construção neste ano. “Não podemos renunciar às hidrelétricas. Sem elas, vamos ter de ativar as térmicas”, diz. Entre os desafios, ele elenca as questões ambientais. “Está mais difícil licenciar os projetos.”
Moita ressalta que o estímulo às fontes renováveis é essencial para o país cumprir as metas ambientais assumidas no Acordo de Paris. “A nossa matriz energética é trunfo”, diz. Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), nos países-membros, o setor de energia (eletricidade e calor) respondem por 70% do total de emitido de gases do efeito estufa (GEE). No Brasil, esse índice está em 40%.
“Para atingir estes objetivos, é preciso investir também nos biocombustíveis, mitigando as emissões da área de transporte”, lembra Daniel Furlan Amaral, economista-chefe da Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove). Segundo ele, o uso de diesel fóssil é um dos grandes vilões das emissões brasileiras. “É preciso calcular o custo ambiental na hora de planejar a matriz energética”, defende.
Alexei Macorin Vivan, diretor presidente da Associação Brasileira de Companhias de Energia Elétrica (ABCE) e sócio do SVMFA Advogados, afirma que as grandes empresas de energia também estão aplicadas em ampliar a participação de energia solar e eólica em seus negócios. “O setor trabalha para vencer os desafios regulatórios e de segurança energética”. De acordo com Vivan, a intermitência de fontes como a solar, eólica e biomassa – que produzem de acordo com a disponibilidade de sol, vento e matéria-prima vegetal – ainda preocupa as empresas. “Entre as soluções está o armazenamento de energia em baterias. Para isso, é preciso tornar o custo destes equipamentos competitivo.”