Aos governos e empresas não faltam desafios hoje em dia quando se fala em sustentabilidade, eficiência, menos poluidores e metas inclusivas. Para o presidente-global da consultoria americana BCG (ex-Boston Consulting Group), Rich Lesser, porém, estamos menos avançados é no entender como colocar um preço no carbono, o que, segundo ele, será um elemento-chave para desacelerar emissões e minimizar o aquecimento global.
“Mesmo em países como a França, que está avançada na questão da precificação do carbono, há desafios políticos grandes. Independentemente da abordagem – sistemas de incentivos ou precificação e comércio de emissões – não há um sistema que vá funcionar para todos. Não acho que haja uma resposta única; mas vamos precisar de algo senão não iremos longe e rápido o suficiente”, comenta Lesser.
Entre os desafios políticos, ele destaca a politização e polarização em torno da agenda climática. Cita os Estados Unidos como exemplo para dizer que há dois grandes grupos de pessoas: de um lado, quem questiona se a mudança climática é importante, não a prioriza e não quer fazer concessões necessárias para apoiar investimentos; de outro, “pessoas profundamente comprometidas com a causa, mas que tendem a demonizar alguns como os principais causadores do problema e não usam maneiras colaborativas de encontrar soluções”.
Por precificação do carbono, o executivo se refere a mecanismos de geração de carbono e taxação por poluição além do estipulado por lei. No primeiro caso, empresas estão sujeitas a um limite máximo de emissões (cap) de gases de efeito estufa (GEE). O teto varia conforme o setor, a geografia e outros fatores. Quem ultrapassa o teto tem de buscar créditos de carbono no mercado para compensar. Esses créditos podem ser comprados de empresas que emitiram menos do que permitido ou de projetos que sequestram carbono, como os de preservação florestal e reflorestamento. O valor dos créditos varia conforme oferta e demanda. Este é o mecanismo chamado de cap&trade mechanism ou ETS.
Além disso, há um movimento de taxação direta de emissões poluentes – mecanismo chamado Carbon Tax. Neste caso, cabe aos governos fixar os critérios de cobrança de taxas ou impostos e o preço. Ambos tentam “precificar” o impacto de setores em termos de poluição. O objetivo final é desacelerar o aquecimento global em até 1,5º C, como determinado no Acordo de Paris.
A taxação é uma abordagem que a União Europeia quer seguir nos próximos anos. Em dezembro de 2022, o Parlamento Europeu aprovou uma nova legislação que determina a necessidade de um processo de investigação e análise para a entrada de produtos na União Europeia, que deve conter a origem dos produtos e o georreferenciamento das áreas plantadas – qualquer produto vindo de área de desmatamento não entrará. Outra abordagem que vem sendo levada em consideração para também combater as mudanças climáticas é o de dar subsídios e incentivos para as empresas mudarem suas operações para serem mais sustentáveis. Os Estados Unidos estão seguindo por esse caminho. Em meados de 2022, o congresso americano aprovou o Inflation Reduction Act, pacote regulatório que destina US$ 370 bilhões para combater as mudanças climáticas e a transição para uma economia de baixo carbono. Entre as ações estão, por exemplo, incentivos à produção e compra de carros elétricos.
Para Lesser, o que aconteceu nos EUA é exemplo de que é possível chegar a um meio-termo, pois a legislação foi desenhada sem colocar os negócios como inimigos. “O caminho é recheado de imperfeições na lei e críticas, mas, assim como os EUA, outros países podem passar de uma administração que não levava a questão [mudança climática] muito a sério para uma que agora leva. E, quando o fazem, conseguem encontrar uma forma de engajar a comunidade empresarial para que todos trabalhem juntos para encontrar soluções comuns”, comenta.
Ao ser perguntado se a credibilidade internacional do Brasil na agenda de sustentabilidade vai aumentar com o novo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Lesser diz que “a lacuna de credibilidade do último governo ficou enorme e, portanto, acho que esta é uma chance de restabelecer a confiança e a credibilidade e aproximar o Brasil muito mais da comunidade global que também vê a sustentabilidade como uma prioridade. Reitera, porém, que, assim como Joe Biden nos EUA, as pessoas precisam ver as decisões, ações e se o país vai trabalhar em conjunto com a comunidade global para, então, acreditar que as promessas serão cumpridas.
“O Brasil tem, obviamente, um enorme desafio florestal, mas também oportunidades de liderança global. É um dos maiores produtores agrícolas do mundo, mas tem uma enorme fonte de energia limpa, e é um grande país industrial. E deveria ser mais do que líder na agricultura. Existem tantas dimensões em que o Brasil poderia ser parte integrante de uma comunidade global. Acredito que há muitas pessoas que adorariam ajudar. Mas, provavelmente as pessoas estão moderadamente prestativas, esperando para ver”, diz.
Neste ponto, Arthur Ramos, diretor-executivo e sócio sênior e líder em questões ESG do BCG no Brasil, que também participou da conversa, comenta que há expectativa de mudança na agenda socioambiental com o novo governo. “O meio ambiente foi uma área que teve pouca prioridade no último governo por razões que eu desconheço. Sobre o presidente eleito, estava em sua campanha esse comprometimento com as questões ambientais. Sem querer ser ideológico, eu acredito que reduzir emissões e parar com o desmatamento é algo óbvio a ser feito. Investir em mais fiscalização e mais bombeiros tem um retorno enorme.
O novo governo quer parar com o desmatamento, então devemos sentir diferença sim”, afirma. Para ambos os executivos é crucial que haja cooperação entre setores público e privado para a agenda ESG avançar nos próximos anos. “O setor privado é que vai ditar o ritmo, mas o setor público pode ajudar a criar as regras e definir as políticas que permitirão que o setor privado seja eficaz”, diz Lesser, que é também consultor-chefe da Alliance of CEO Climate Leaders do Fórum Econômico Mundial (FEM) e já foi CEO global do BCG entre 2013-2021, além de ter atuado no conselho de administração da Business Roundtable e no International Business Council do FEM.
No Brasil, a discussão sobre taxas e impostos sobre setores mais poluentes, com definição de limites máximos de emissão, ainda está engatinhando. O que é esperado para avançar primeiro é o projeto de lei que regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE), que terá o objetivo de regular a compra e venda de créditos de carbono no país (PL 412/2022). O texto foi aprovado no Senado em novembro de 2022. A precificação do carbono é, para o executivo global da consultoria, a mais desafiadora das três frentes que ele aponta serem importantes para a transição para uma economia menos poluente. As outras duas são a alta transparência, que requer exigência na mensuração de práticas, e incentivar novas tecnologias, como, por exemplo, hidrogênio verde, energia nuclear e dessalinização de água.
No caso da transparência, cita o trabalho que está sendo feito pelo International Sustainability Standards Board, conselho formado pela Fundação IFRS e pelo Global Reporting Initiative (GRI) para definir padrões internacionais de divulgação de informações em sustentabilidade. “Espero que sejam definidas métricas comuns a todos, diferente de como é na contabilidade, em que países seguem regras diferentes”, afirma.
Para avançar na frente de tecnologia, é preciso oferecer incentivos massivos para acelerar o desenvolvimento de tecnologias e cita programas como o Breakthrough Energy, organização do Bill Gates, fundador da Microsoft, dedicada a evitar os desastres climáticos, e a First Movers Coalition, iniciativa liderada pelo político americano John Kerry com apoio do Fórum Econômico Mundial, que reúne setor público e privado em torno dessas questões.