As altas consistentes nos preços dos produtos agropecuários nos últimos anos ainda não são suficientes para caracterizar a formação de um novo superciclo das commodities, na opinião de economistas e analistas de mercado que debateram o tema em um seminário virtual da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) ontem.
Mas, segundo eles, como as projeções apontam para uma mudança de patamar nas cotações em relação ao período pré-pandemia, é preciso que o governo adote ações necessárias para transformar o “boom” de grãos e carnes em prosperidade econômica para o país.
O economista Otaviano Canuto, membro sênior do Policy Center for the New South e ex-vice-presidente do Banco Mundial, disse que o Brasil precisa “fazer o dever de casa” e aproveitar a alta de preços das commodities para alavancar o crescimento econômico em geral. “Se não fizermos nada para destravar o péssimo ambiente de negócios e a carência de investimentos em infraestrutura, esse boom de commodities não se traduzirá em prosperidade mais ampla no país”, afirmou. Segundo ele, é cedo para afirmar se o mundo vive ou não um novo superciclo das commodities.
Conforme Canuto, a alta das cotações agrícolas pode gerar desafios, como a imposição de barreiras comerciais, e cobranças na área ambiental podem surgir. “A imbricação da agenda comercial como resposta à evolução dos preços das commodities e dos países vai definitivamente trazer muita coisa para debaixo do cobertor. Temos que prestar atenção nisso. Temos que mostrar sinais claríssimos de contenção do desmatamento na Amazônia para que isso não acabe contaminando o resto da produção de commodities agrícolas brasileiras”, destacou. Canuto apontou, ainda, que também há risco de reação popular com o aumento do custo de vida e da cesta de consumo do brasileiro.
O economista-chefe da LCA Consultores, Bráulio Borges, concordou com a análise e disse que o país precisa avançar no arcabouço institucional para que esse ciclo de alta não gere apenas um “voo de galinha” em termos de crescimento econômico. Ele acredita na reversão parcial dos aumentos de preços das commodities agrícolas nos próximos anos, “para patamares bem diferentes do que vimos no superciclo de 1999 a 2011”, impulsionado pela ascensão da China.
Para o chefe do setor de grãos da Datagro, Flávio França Júnior, existe ao menos um “mini ciclo das commodities” de dois anos que poderá se estender em caso de frustrações de safra. Ele vê uma “mudança de degrau” das cotações – que “não vão ficar no nível atual para sempre”, mas dificilmente retornarão aos patamares de anos atrás no curto prazo.
“Se houver normalização da produção, não tem superciclo e [o cenário] se acalma (…) Para ter ciclo de alta, a oferta teria que ter novos problemas, uma sequência de perdas que não é possível prever agora”, opinou. O ambiente de rentabilidade dos grãos deve impulsionar a expansão de área e de produção, projetou França Júnior. “O aumento de custos para safra 2021/22 não impedirá o aumento da área plantada tanto de soja como das safras de verão e de inverno de milho. Teremos área maior, preços remuneradores e com margem positiva para 2022. Muito provavelmente a lucratividade será menor do que em 2021, mas mesmo assim positiva”, avaliou.
Na pecuária, a tendência é de “superciclo” puxado por fatores como o crescimento da China, o preço dos grãos e a redução no abate de bovinos no Brasil. Na opinião de Lygia Pimentel, fundadora e diretora-executiva da Agrifatto, existe a possibilidade de uma “segunda onda” de alta nos preços mundiais da carne suína, o que sustentará as cotações das proteínas animais por mais tempo.
“Existem duas teorias: uma é que o rebanho [suíno chinês] começou a se recompor, e a outra é que os produtores estão com tanto medo da peste suína africana que estão forçando suínos na linha de abate para receber menos, mas receber alguma coisa”, afirmou. “Possivelmente, está se formando uma segunda onda para a carne suína que vai levar todas as demais carnes consigo”, completou.
O crescimento econômico chinês também sustenta a alta das proteínas animais. “A China apenas começou a consumir carne bovina”, afirmou. A redução do abate e da disponibilidade de animais vão pressionar ainda mais o cenário altista para a pecuária bovina. “A China está demandando mais e a gente tem menos a oferecer, o que forma o superciclo, essa é a característica”.