Redação (16/05/07) – A Embrapa vai dar mais um passo a frente nos estudos de biotecnologia para beneficiar a agropecuária nacional. E dessa vez a Empresa vai literalmente muito longe para buscar respostas a questões climáticas que incomodam os produtores brasileiros, como as geadas, por exemplo, que causam perdas na produção de várias espécies de importância alimentar e econômica, como: trigo, milho e café, entre muitos outros. O destino de três pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, uma das unidades da Embrapa, será a Antártica, o maior deserto gelado do Planeta, onde apenas espécies muito adaptadas como peixes, pingüins, baleias, focas, leões marinhos, crustáceos, insetos e musgos conseguem sobreviver.
O objetivo dessa viagem, marcada para janeiro de 2008 (quando é verão na Antártica) é estudar a capacidade desenvolvida por essas espécies, mais especificamente os peixes, para sobreviverem em um ambiente de condições climáticas extremas, onde além do frio intenso, enfrentam também alta incidência de raios ultravioleta e uma concentração muito elevada de oxigênio.
O projeto de pesquisa foi selecionado para financiamento pelo MCT/CNPq no âmbito do Programa Antártico Brasileiro (PROANTAR) e tem como objetivo coletar espécies de peixes denominados Nototenióides antárticos, que são endêmicos e abundantes na região. Esses peixes serão estudados do ponto-de-vista molecular, visando à busca de novas moléculas com características que podem beneficiar a agropecuária brasileira, especialmente daquelas com atividades anticongelantes, antimicrobianas, antioxidantes e com capacidade de absorção de radiação ultravioleta.
Os cientistas da Embrapa, em parceria com a Universidade de São Paulo – USP e a Universidade de Brasília – UnB, pretendem conhecer mais a fundo os mecanismos fisiológicos adaptados para suportar essas situações climáticas, com foco principalmente nas proteínas e peptídeos que possuem características anticongelantes.
Aplicações possíveis
O estudo e conhecimento dessas características podem contribuir para o desenvolvimento de plantas geneticamente modificadas com tolerância a estresses climáticos, como geadas, por exemplo. Mas essa é a penas uma das aplicações possíveis, como explica o pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia e coordenador do Projeto, Luciano Paulino da Silva. Segundo ele, o material biológico coletado durante a expedição à Antártica vai abrir uma enorme gama de possibilidades para a ciência no Brasil.
O conhecimento das propriedades anticongelantes e antimicrobianas das proteínas extraídas dos peixes pode ajudar muito também na manutenção da viabilidade dos sêmens e embriões congelados, que fazem parte do projeto da Embrapa para conservação de raças de animais domésticos ameaçadas de extinção, como: bovinos, caprinos, suínos, eqüinos e ovinos, entre outros. Muitas dessas raças se encontram no Brasil desde a época da colonização e, por isso, guardam características genéticas adquiridas ao longo dos séculos, como resistência a doenças, por exemplo, que podem ser muito importantes para programas de melhoramento genético animal.
Outra aplicação possível é ajudar na manutenção da qualidade dos alimentos congelados que, muitas vezes, perdem características importantes, como sabor e propriedades nutritivas.
Projeto vai envolver estudos na Antártica e no Brasil
O projeto de pesquisa será conduzido em duas etapas, como explica Luciano. A primeira, que engloba a expedição à Antártica, vai durar um mês e será voltada à coleta dos peixes (cerca de três espécimes de cada uma das aproximadamente 12 espécies que existem na Antártica). A variedade Nototenióide foi escolhida por ser totalmente exclusiva da região e nunca migrar, nem mesmo nos momentos de inverno mais rigoroso. Vários estudos já foram desenvolvidos com peixes Nototenióides (representam 90% dos peixes antárticos), mas não há registros de pesquisas voltadas inteiramente à prospecção de novas moléculas.
Essa etapa será conduzida na Estação Comandante Ferraz, Ilha do Rei Jorge, onde está situada a base do Programa PROANTAR, e conta também com o apoio da Secretaria da Comissão Interministerial dos Recursos do Mar (SeCIRM), da Força Aérea Brasileira (FAB) e da Marinha do Brasil.
A aventura científica à Antártica vai contar com mais dois pesquisadores além de Luciano: Beatriz Simas Magalhães e Guilherme Dotto Brand.
Depois de coletadas, as amostras biológicas serão trazidas para a Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, onde serão submetidas a: purificação e caracterização.
Essa etapa vai contar com a participação dos 12 cientistas que compõem o Projeto, envolvendo Embrapa, USP e UnB.
As pesquisas envolvendo a avaliação de propriedades anticongelantes das moléculas isoladas serão desenvolvidas em equipamentos denominados osmômetros, adquiridos com recursos do MCT/CNPq.
Preparação para o gelo
Antes de partirem para a Antártica, Luciano, Beatriz e Guilherme participarão de um treinamento pré-antártico, ministrado pela Marinha, durante uma semana, no Rio de Janeiro.
Mas nem mesmo as enormes geleiras da Antártica e a rigidez de suas condições climáticas, que fazem com que não tenha população permanente, parecem desanimar os cientistas, que estão muito empolgados com a aventura científica que estão prestes a vivenciar. “Essa expedição será de grande valor, não apenas para a ciência básica, como também para a biotecnologia, já que busca novas aplicações e processos em prol da agropecuária brasileira”, enfatiza Luciano.
Além disso, vai trazer benefícios também para a conservação da fauna local, que é a mais atingida pelo aquecimento polar. “Levando em consideração a crescente preocupação com as mudanças climáticas decorrentes do aquecimento global, o projeto vai investigar também as adaptações dos peixes antárticos relacionadas a: atividade antioxidante enzimática, composição de membranas e morfologia de células e tecidos”, finaliza o pesquisador.