A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) prevê que os sistemas de micro e minigeração de energia, principalmente de fonte solar fotovoltaica, instalados em tetos de residências e estabelecimentos comerciais e industriais, alcancem capacidade instalada de 11,9 gigawatts (GW), em 2027. O volume supera a capacidade da hidrelétrica de Belo Monte, a segunda maior do país, de 11,233 GW, em fase final de construção no rio Xingu (PA). Para isso, a estatal de estudos energéticos estima um total de investimentos de R$ 60 bilhões nos próximos dez anos.
De acordo com previsões da EPE, esses sistemas terão condições de fornecer 2,4 mil megawatts (MW) médios de energia, o suficiente para atender 2,4% da carga total do país em 2027. Ao todo, a empresa estima que 1,35 milhão de unidades consumidoras (incluindo pessoas físicas e jurídicas) estarão usufruindo comercialmente de sistemas de micro e minigeração de energia.
As projeções da EPE, contidas na versão preliminar do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2027, podem estar subestimadas. Isso porque as estimativas da EPE consideram o cenário de aplicação da tarifa binômia para novos micro e minigeradores a partir de 2020. A tarifa binômia inclui um pagamento pelo custo do serviço de distribuição de energia, que hoje não é cobrada em relação à energia produzida por esses sistemas e injetada nas redes das distribuidoras. Ela teria efeito inibidor na expansão desse segmento.
O prazo de 2020 estava previsto na primeira versão da proposta de reforma do setor elétrico, desenhada pelo Ministério de Minas e Energia, a partir da consulta pública 33, conhecida como “CP33”, em meados de 2017. O Projeto de Lei do Senado 232/2016, que trata da expansão do mercado livre de energia, prevê a aplicação da tarifa binômia apenas cinco anos após a aprovação da lei.
De acordo com as estimativas da EPE, em um cenário sem nenhuma cobrança do uso da rede de distribuição pelos sistemas de micro e minigeração, a capacidade instalada desses equipamentos no país em 2027 poderá ser de 21 GW, o equivalente a uma hidrelétrica Itaipu (14 GW) e meia ou quase uma usina de Três Gargantas, na China, a maior hidrelétrica do mundo, com 22,5 GW.
Para a Associação Brasileira dos Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee), porém, a discussão sobre a cobrança dos usuários de sistemas solares fotovoltaicos pelo uso da rede deve ser antecipada. A ideia é que o tema seja discutido na revisão da resolução 482/2012, que regulamenta a geração distribuída, que deve ser feita pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) em 2019.
Segundo a entidade, os custos da rede são arcados apenas pelos demais consumidores, que não possuem essas instalações. “Somos favoráveis às fontes renováveis, mas é importante resolver a questão do subsídio, porque quem paga não são aqueles que têm acesso ao benefício”, afirmou o presidente da Abradee, Nelson Leite. “Queremos que seja retirado o subsídio oculto ou que ele seja colocado de forma explícita. O modelo de negócios atual não é sustentável, porque onera o restante dos consumidores”, completou.
A Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) alega que a penetração dessa fonte no sistema elétrico é residual e os aspectos positivos, como benefícios sociais e ambientais e geração de emprego, são maiores que os negativos.
Segundo a entidade, enquanto o Brasil possui apenas 40 mil unidades consumidores com instalações de micro ou minigeração distribuída, países como Austrália, China, Índia e Estados Unidos possuem mais de 1 milhão cada um. “Esse segmento ainda representa uma fatia irrisória da matriz elétrica brasileira”, afirmou o presidente da Absolar, Rodrigo Sauaia. “O Brasil está super atrasado.”
O diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Eduardo Barata, concorda que o Brasil está alguns passos atrás. Para ele, a penetração da geração distribuída é “absolutamente inevitável”. “As distribuidoras também devem caminhar nesse processo, e não caminhar no sentido da resistência. Elas podem se preparar e fazer disso uma outra fonte de negócio”, disse ele, em evento na FGV, no Rio.
Na avaliação de Alexandra Januário, sócia da consultoria Allez Estratégia, o debate tem que ser feito com transparência e de forma ampla. Segundo ela, dois pontos importantes sobre o tema são assegurar a qualidade do serviço de energia a um preço viável para o consumidor e garantir o empoderamento do consumidor ao ter a opção de colocar um painel fotovoltaico em sua residência.
“Qualquer mudança [na regulamentação] sem termos os dados, os fatos e a transparência pode matar um mercado que está nascendo e não trazer nenhum benefício para o consumidor final”, explicou a especialista.
Em análise de impacto regulatório publicada na última semana, a área técnica da Aneel propôs a abertura de uma audiência pública em 2019, para que um novo regulamento entre em vigência em 2020. A ideia é que a mudança na compensação dos créditos oriundos da geração distribuída aconteça gradualmente, a fim de não prejudicar a atratividade dos investimentos no setor, mas também reduzindo o impacto financeiro para os demais consumidores.
De acordo com a análise, os custos imputados aos demais consumidores, no modelo proposto, passariam de R$ 68 bilhões para algo em torno de R$ 3 bilhões no período de 2020 a 2035.
Com relação às usinas de energia solar de grande porte, desenvolvidas por grandes geradoras, a Absolar solicitou em outubro à Aneel que seja feito um detalhamento por fonte dos dados relativos aos incentivos pagos pelos consumidores por meio da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), um dos maiores encargos tarifários do setor elétrico.
“Nossa preocupação é com a transparência e o debate técnico, que diferenciem de forma justa as fontes com base na quantidade e no volume de incentivos que elas receberam. Não está claro para o brasileiro que ele paga incentivos para carvão mineral e óleo diesel na Amazônia”, afirmou Sauaia.