Em 1930, já no contexto da Grande Depressão, os EUA aprovaram o Smoot-Hawley Tariff Act, que aumentou as tarifas de importação de mais de 20 mil produtos, gerando uma espiral de retaliações e movimentos nacionalistas que desembocou na Segunda Guerra Mundial.
Na semana passada os EUA trilharam o mesmo caminho, ao impor tarifas sobre produtos que representam US$ 50 bilhões em importações vindas da China, alegando práticas desleais em tecnologia e inovação. Em contrapartida, a China anunciou que vai retaliar na mesma moeda, taxando 660 produtos americanos. No agronegócio, a decisão chinesa pode atingir soja, milho, etanol, carne de frango, carne suína e outros produtos dos EUA.
Esse movimento, que é ao mesmo tempo tático e midiático, mostra duas potências medindo forças pela hegemonia global, em áreas que vão muito além do comércio. Mas não creio que essa disputa insana desembocará em uma guerra comercial semelhante à dos anos 1930, pois o mundo se encontra hoje muito mais interdependente e globalizado, com produtos gerados em cadeias globais de valor que envolvem dezenas de países.
Três países controlam as exportações mundiais de soja –EUA, Brasil e Argentina–, mas eles não se substituem. São, na realidade, supridores altamente complementares, inclusive pelo fato de as safras dos hemisférios Norte (EUA) e Sul (Mercosul) ocorrerem em diferentes períodos do ano. A China importa pouquíssimo milho, basicamente da Ucrânia, e não dos EUA. Tarifas proibitivas de 30% impedem o etanol americano de entrar na China desde 2017. E o frango americano está banido do mercado chinês desde 2015, em razão de gripe aviária.
Portanto, no anuncio chinês há muito mais fumaça –no sentido “retaliar para negociar”– do que o fogo ardente de uma guerra comercial que terminaria só com perdedores.
Ao contrário, o perfil dos atuais líderes dos EUA e da China sugere que os países vão buscar um acordo bilateral do tipo “olho por olho, dente por dente” (ou tit-for-tat, em inglês).
Desde o início deste ano venho alertando para o risco de que concessões bilaterais da China para os EUA acabem prejudicando o acesso que temos hoje ao país asiático. Há duas semanas a China deu uma forte pancada no Brasil ao publicar decisão preliminar de investigação antidumping contra as exportações de frango, que impôs tarifas de 18% a 38% sobre o valor das importações. Essas tarifas podem inviabilizar por completo nossas exportações de frango para a China.
Tanto o governo como o setor privado brasileiro estão convencidos de que a imposição de direitos antidumping pela China não tem fundamento e sustentação. O processo foi marcado por graves falhas processuais e de conteúdo, incluindo a ausência dos requisitos mínimos exigidos pelo Acordo Antidumping da OMC.
O problema é que há um forte componente político na decisão, que está ligada à reabertura do mercado chinês de frango para os americanos no contexto de um acordo que venha a proteger os interesses chineses nos EUA.
Ocorre que, apesar de tudo o que foi construído no âmbito dos Brics e da Parceria Estratégica Global Brasil-China, nosso peso específico é muito pequeno se comparado aos interesses em jogo na relação EUA-China. Por isso, se não houver um envolvimento direto do presidente Temer e dos seus principais ministros nessa questão, em breve poderemos perder quase US$ 1 bilhão ao ano em exportações de carne de frango para a China.
A guerra comercial EUA-China não é assunto para ser comemorado no Brasil, mas sim para perder o sono, levantar e agir com determinação e estratégia.