O estado de Santa Catarina, maior produtor de carne suína do País, está em alerta para impedir a entrada do vírus da peste suína clássica (PSC). A doença é de notificação obrigatória no Brasil e acomete somente suínos, não é transmitida ao ser humano ou outras espécies. A PSC teve dois novos focos confirmados neste mês, agora em Alagoas, o que pode colocar em risco a agroindústria de Santa Catarina, responsável por 57,7% das exportações brasileiras de carne suína, segundo a Associação Catarinense de Criadores de Suínos (ACCS).
Especialistas da Embrapa Suínos e Aves (SC) recomendam não transportar produtos derivados de carne suína das regiões afetadas pela doença, lavar caminhões e roupas de transportadores que passaram por onde foi encontrado o vírus e efetuar controle rigoroso de acesso às granjas de suínos por meio de um programa de biosseguridade. A Embrapa uniu-se à ACCS e à Companhia Integrada de Desenvolvimento Agrícola de Santa Catarina (Cidasc) no esforço de impedir que o problema atinja o estado.
Os focos foram confirmados em duas propriedades no município alagoano de Traipu em criatórios de suínos sem vínculo com sistemas de produção tecnificados. A última ocorrência de PSC em Alagoas havia sido registrada em 1994. O estado nordestino não está localizado da zona livre da doença no Brasil reconhecida pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE). O alerta é porque Traipu fica na divisa com Sergipe, um dos estados brasileiros considerados livres de PSC.
Segundo o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), desde a confirmação, as propriedades foram interditadas e o serviço veterinário estadual realizou o sacrifício e destruição de todos os suínos da propriedade. Outras medidas tomadas foram investigações de propriedades situadas no raio de dez quilômetros em torno do foco e propriedades com algum vínculo epidemiológico, além do pronto atendimento a todas as notificações de suspeitas.
Em 12 meses, 68 focos foram confirmados
Os sinais clínicos observados foram transtornos circulatórios e lesões cutâneas erosivas nos suínos, acompanhadas de conjuntivite em animais adultos e distúrbios neurológicos em animais jovens. O diagnóstico foi confirmado pelo Laboratório Federal de Defesa Agropecuária no Recife (PE). Desde outubro de 2018, já foram confirmados 68 focos no país nos estados do Ceará, Piauí e Alagoas.
A veterinária Graziela da Rosa, da Cidasc, diz que está sendo reforçado o trabalho de fiscalização e vigilância em propriedades consideradas de risco (próximas a rodovias e que tenham alguma relação econômica com estados do Nordeste).
Transportadores de animais e de produtos que fazem rotas para o Nordeste também estão sendo orientados sobre as barreiras fiscalizatórias nas entradas de Santa Catarina, onde os veículos são obrigados a parar e passar por desinfecção. As cozinhas dos caminhões são igualmente inspecionadas em busca de algum produto à base de carne de suína que possa estar contaminada e propagar o vírus.
O pesquisador da Embrapa Suínos e Aves (SC) Nelson Mores reforça que a entrada de qualquer produto à base de suínos das regiões que não fazem parte da área livre de PSC pode trazer riscos sanitários. “O vírus sobrevive muito bem na carne e nos produtos cárneos. Em carne suína congelada a -70ºC, por exemplo, o vírus pode sobreviver durante anos, sobrevivendo também mais de 75 dias em salames e mais de 120 dias em lombos ou pernis ibéricos”, alerta. “Por outro lado, temperaturas elevadas em produtos cozidos prontamente inativam o vírus”, informa Mores.
Estados livres da doença concentram 95% da suinocultura nacional
Os estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul são zona livre de PSC com reconhecimento internacional da Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) desde 2015. Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás, Acre, Tocantins, Rondônia, Bahia e Sergipe, além do Distrito Federal, também são considerados livres da doença, mas desde 2016. Esta região concentra mais de 95% da indústria suinícola brasileira.
Várias formas de transmissão
A contaminação de um suíno pela PSC se dá por ingestão de alimento ou água contaminada, incluindo inalação de gotículas contaminadas de outros suínos próximos, e até mesmo por inseminação artificial. “A doença tem um período de incubação que varia de quatro a dez dias e tem sintomas semelhantes a outras enfermidades, como febre acima de 40,5ºC, tendência de os suínos ficarem amontoados, apatia, conjuntivite, falta de apetite, cianose nas extremidades e hemorragia na pele, por isso é fundamental chamar um médico veterinário para se fazer a confirmação do vírus em laboratório”, recomenda o pesquisador da Embrapa.
Embora Mores ressalte que os casos recentes de PSC no Nordeste foram em sistemas de produção de subsistência, ou seja, para consumo próprio, o pesquisador lembra que é necessária a participação de todos os envolvidos na cadeia produtiva para que a doença não chegue aos estados da Zona Livre. “Os motoristas precisam tomar banho, trocar as roupas e os calçados e desinfetar o caminhão muito bem antes de retornar para a Zona Livre e é imprescindível ter um programa de biosseguridade na granja que impeça a entrada de pessoas estranhas”, continua.
Vacinação em análise
Nelson Mores, da Embrapa, analisa que a vacinação contra a peste suína clássica poderia ser uma alternativa para combater o vírus em definitivo nos próximos anos. “A vacina é extremamente eficiente. A questão toda é que precisam ter equipes para fazer a vacinação oficial. Senão dificilmente vai acontecer, porque nessas áreas são pequenos produtores que em sua maioria não têm interesse em vacinar o plantel”, diz o pesquisador da Embrapa. Em 1998, a vacinação contra a PSC foi proibida em todo o Brasil, e a Portaria número 201/98 aprovou as “Normas para o Controle e Erradicação da Peste Suína Clássica no Território Nacional”. O Mapa criou recentemente um grupo de trabalho para lançar um programa de erradicação da peste suína clássica e poderá rever a proibição.