Mesmo mais fraco, o La Niña continua a influenciar o clima. Esta é a terceira safra de verão no Brasil sob influência de um oceano Pacífico equatorial mais frio. Os problemas que o fenômeno pode carretar, entretanto, ainda gera muitas dúvidas. “O que se sabe é que, na maior parte das vezes, o La Niña reduz as chuvas no Sul e gera aumento no Norte. Mas já houve ano em que choveu acima da média no Sul, apesar do fenômeno”, diz Felipe Gustavo Pilau, professor da Escola Superior de Agricultura ‘Luiz de Queiroz’ (Esalq) e sócio da startup de meteorologia Weather Service. “Teremos que esperar chegar outubro para ter um panorama mais assertivo”, afirma.
É fato que a primavera começou mais favorável às culturas agrícolas do que foi nos últimos dois anos. “A região Sul está mais chuvosa que o normal. No Sudeste e na região central, que estavam com pouca chuva, a situação está se regularizando”, diz Pilau. A chegada das precipitações deve colaborar para o plantio de grãos dentro da janela ideal.
Para as lavouras mineiras e paulistas de café, que sofreram com períodos de estiagem severa por dois anos, a umidade também é um alívio. Apesar de a primavera ter começado gelada no Centro-Sul, o risco de geadas em áreas agrícolas é baixo. “Podemos ter esse fenômeno em regiões serranas, na Campanha gaúcha e em regiões de planalto do Paraná e Santa Catarina. E, é claro, teremos uma oscilação grande de temperatura, que é um dos efeitos do La Niña”, observa Nadiara Pereira, meteorologista da Climatempo. Ela alerta, contudo, que as chuvas no Centro-Sul devem se tornar mais espaçadas ao longo da primavera. Assim, é possível que o verão apresente condições clássicas de La Niña, com precipitações concentradas mais na metade norte do país. “Áreas ao sul do Brasil, além da Argentina e do Paraguai, devem sentir esses efeitos”, afirma a meteorologista.
Problemas à vista no Sul Segundo o sócio da WS, simulações do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos (CPTEC), ligado ao Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe), indicam boas chances de chuva abaixo da média histórica no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e boa parte de Mato Grosso do Sul e São Paulo. “Isso pode atrapalhar as culturas de verão, principalmente a soja, levando a uma nova quebra no Sul”, diz Pilau. O sócio-diretor da Rural Clima, Marco Antônio dos Santos, reforça a importância de se olhar para além do La Niña. “O Atlântico, por exemplo, está esquentando”, disse, em evento organizado pela Cooperativa dos Cafeicultores de Guaxupé (Cooxupé). Ele lembrou que esse aquecimento do Atlântico influencia significativamente o clima no Brasil.
Pilau concorda com o olhar mais amplo, até porque não existe uma relação direta entre a intensidade do La Niña e a quantidade de chuvas. “Se pegarmos séries históricas com vários anos e compararmos com a intensidade do La Niña, não existe uma correlação muito boa”, frisa. Cafeicultura A cafeicultura tem um cenário mais favorável, de acordo com a meteorologista da Climatempo, porque as principais áreas produtoras — norte de São Paulo e sul e Triângulo mineiro — ficam em uma faixa de transição. “Por isso o risco de invernadas [longos períodos de chuva com baixa radiação solar] é bem menor. E, apesar de as chuvas ficarem mais espaçadas, também não há risco de estiagem prolongada. Será um período nem muito seco, nem muito chuvoso”, acredita.
Santos também está otimista com o clima para o café. O modelo climatológico europeu ao qual a Rural Clima tem acesso indica um cenário mais úmido do que sinalizam as previsões da Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOAA) dos EUA. “Os europeus veem um La Niña mais fraco do que os americanos”.