Investidores e especialistas do agronegócio esperam que o Brasil combata o desmatamento ilegal na Amazônia e retorne às mesas internacionais de negociação sobre questões climáticas. Em debate no Agrovision, evento promovido pelo Itaú BBA, as lideranças avaliaram que a inação do governo para deter o desmatamento colaborou para que ontem a União Europeia aprovasse lei que barra a importação de commodities associadas à devastação ambiental.
“O Brasil tem sido vilanizado nessa área [ambiental], mas tem a ver com o descontrole da ilegalidade essencialmente. Isso pode ser reduzido, pode ser feito com esforço coordenado. Deve ser a principal marca do novo governo”, aposta Marcos Jank, professor de agronegócio do Insper.
Segundo o investidor Eduardo Mufarej, fundador da GK Ventures, “o que se escuta [fora do país] é que não se consegue resolver a questão climática sem o Brasil, mas o Brasil não está presente na discussão como lhe é de direito. Precisamos começar a ocupar o debate”.
A ausência do poder público no debate e em ações de combate ao desmatamento também vem aumentando a pressão da comunidade internacional sobre o setor privado, segundo Paulo Sousa, CEO da Cargill no Brasil. “Os acordos que estão sendo feitos para evitar o desmatamento é por vácuo ou ausência do poder público coibindo a ilegalidade. Isso faz com que os mercados se voltem para o setor privado para que façam o papel de governo. É ruim, mas é o que nos sobra”, criticou. Na COP 27, diversas gigantes do agronegócio assinaram um acordo com novos compromissos para acabar com o desmatamento.
O receio do CEO da Cargill é que a deterioração da devastação na Amazônia acabe levando a bloqueios não só aos produtos do bioma, mas também do Cerrado. “Se não resolvermos a questão da proteção na Amazônia, terá uma contaminação muito grande [do debate contra desmatamento] do Cerrado. E quem vê de longe acha que é tudo igual”, disse.
A lei europeia contra desmatamento nas cadeias agropecuárias não abrangeu, por enquanto, biomas de savana, como o Cerrado, mas ainda pode haver alterações no próximo ano. “Aí é um problema, principalmente porque é onde temos mais originação secundária”, disse Sousa. Para o executivo, será um “desafio gigante” rastrear os produtos originados através de intermediários, como cooperativas e cerealistas, prática que é muito comum por causa do menor custo de originação. “Apenas setorialmente vai ser possível atender esses requisitos”, avaliou.
Já uma redução do desmatamento pode fazer o Brasil diminuir suas emissões de gases-estufa facilmente e aproximar-se do patamar “carbono neutro”, aposta Mufarej. “Se a gente ainda ver melhoras na parte do solo, da agropecuária, principalmente alguns avanços marginais da pecuária, o Brasil vai ser o primeiro país carbono neutro do mundo”, defendeu o investidor.
Para Jank, assim que o Brasil voltar às discussões globais sobre clima, o país também poderá pautar as oportunidades para o agronegócio, como o potencial de biocombustíveis e de práticas de redução de emissões na agropecuária. Ele defendeu que os produtores tenham “incentivos reais que separem os [produtores] que fazem agricultura sustentável dos que não fazem”. Esse processo, afirma, pode levar a uma “descomoditização” dos produtos agropecuários. “Se isso acontecer, vejo muito mais oportunidades do que ameaças ao Brasil.”