A alta dos preços dos alimentos atingiu em cheio um ingrediente importante da dieta alimentar da maioria da população: a proteína animal. Os preços de carnes, da bovina à suína e de frango, e até do ovo acumulam altas de dois dígitos, limitando e muito a capacidade de o brasileiro continuar com a carne no prato.
O aumento acumulado no preço de carnes, pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), chega a 69,9% entre janeiro de 2019 e agosto de 2021. É um crescimento que se reflete nos diferentes tipos de corte, do filé mignon ao acém, passando pelo músculo e pela alcatra e também pela carne suína, atingindo de forma generalizada todas as classes de renda, ainda que o impacto seja mais intenso nas famílias mais pobres.
Puxados em parte pelo efeito substituição e também pelo maior custo com ração animal – por causa da valorização de commodities agrícolas como milho e soja -, os preços de aves e ovos também crescem em ritmo maior que o da inflação, embora em intensidade menor que as carnes. O aumento foi de 14,5% em 2020 e deve ultrapassar os 20% em 2021, segundo projeções da XP Investimentos, da LCA Consultores e do Banco Alfa. E o cenário não deve melhorar muito a curto prazo. Estima-se desaceleração da alta, mas os preços ainda devem permanecer em patamar elevado, dizem economistas.
A projeção da LCA Consultores e da XP Investimentos é de leve recuo no preço das carnes em 2022 (1,56% e 1,33%, respectivamente), muito abaixo da valorização registrada até aqui. No caso de aves e ovos, a alta de preços permanece em 2022 na avaliação da XP (5,3%) ou o recuo é também pequeno (1,06% para a LCA).
No cenário da XP Investimentos, há expectativa de alguma normalização das condições climáticas a partir dos próximos meses, que possa melhorar a situação das pastagens. Além disso, se espera aumento da oferta de boi no segundo semestre de 2022 – a redução de animal para o abate foi uma das razões para a alta de preços.
“Esses dois fatores devem contribuir para alguma desaceleração de preços de carnes e, na média de 2022, vemos pequena queda, mas longe de reverter a alta desde 2019 e o patamar continuará elevado. O consumidor seguirá convivendo com preços altos”, explica a economista da XP Tatiana Nogueira.
No resultado acumulado em 12 meses até agosto, o item carnes subiu 30,77%, muito acima dos 13,94% do grupo de alimentos e bebidas e três vezes a taxa de 9,86% do IPCA geral, já muito elevada. Nesse grupo, há cortes nobres, como o filé mignon, com alta de 35,27%, e também carnes “de segunda”, como são conhecidas as partes menos nobres do boi – acém (32,55%), pá (35,86%) e músculo (38,89%), por exemplo. Nas prateleiras de supermercados, o quilo da pá bovina pode chegar a quase R$ 40, o que mostra o peso para o orçamento doméstico.
O movimento de alta de preço da carne bovina começou antes mesmo da pandemia, no fim de 2019, com a maior demanda da China após a peste suína africana, que obrigou a exterminação de grande parcela do rebanho suíno no país asiático. A valorização do dólar no ano passado reforçou esta tendência, já que a carne brasileira ficou mais competitiva no mercado externo e as exportações se tornaram mais atrativas para os produtores. Há também efeito da seca, que reduz os pastos e aumenta custo com ração. Além disso, com os preços elevados, há retenção do abate de vacas para ampliar a produção de bezerros, explica o coordenador do Centro de Inteligência da Carne Bovina (CiCarne), da Embrapa, Guilherme Cunha Malafaia.
“Foi uma série de pedrinhas ao mesmo tempo no tabuleiro pressionando para o aumento do preço da carne bovina. Para 2022, a oferta de animais para abate deve aumentar, o que ajuda a amortecer um pouco a alta de preços. Mas pelo menos até 2025 vemos uma demanda internacional forte para a carne bovina, até a recomposição do rebanho suíno da China, e isso tem impacto no preço”, afirma ele.
Na esteira da carne bovina, aumentou a demanda externa também por carne suína e de frango, que também sentem o processo de substituição do consumidor por opções mais baratas de proteína animal, incluindo o ovo, lembra o economista-chefe do Banco Alfa, Luis Otávio Leal. Só que desta vez isso houve também aumento do custo de produção por causa da alta de commodities agrícolas como soja e milho, usadas como ração.
“Já vimos em outras crises. O consumidor foi substituindo a qualidade da carne, transfere para o frango, para o ovo e para o pé de galinha. Ao mesmo tempo, com a alta das commodities agrícolas, fica muito maior o custo do produtor de rebanhos suínos e de frango. E isso é repassado”, diz Leal.
Coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC) do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), André Braz alerta para o impacto dos preços maiores não apenas para o consumidor final, mas também para setores como alimentação e alojamento.
“Para o consumidor, é um grande desafio. O preço das carnes afastou o item da dieta dos brasileiros. É um problema que atinge também diferentes setores, como restaurantes, hotéis, hospitais. Todos pagam mais pela proteína e é um problema que precisa ser enfrentado. O dono do restaurante ou repassa o custo, mas pode perder o cliente, ou reduz a proteína, por exemplo.”
Pelo Índice de Preços ao Produtor Amplo (IPA), a variação acumulada em 12 meses do preço da carne bovina está em dois dígitos há quase dois anos, desde outubro de 2019, sendo muitos meses nas faixas dos 30% e 40%. Em agosto de 2021, estava em 30,06%. No preço de aves, a trajetória de inflação em 12 meses em dois dígitos segue ininterrupta desde setembro de 2020 e chegou a 56,20% em agosto. Na carne suína, são 29 meses seguidos de taxas em dois dígitos, desde abril de 2019.