Gases de efeito estufa, como dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4), sempre cumpriram funções importantes na atmosfera terrestre, retendo calor e evitando perda de radiação para o espaço, o que contribuiu para tornar a Terra habitável. Ao longo de milênios esses gases foram produzidos e decompostos em ritmo que mantinha o planeta moderadamente aquecido, equilíbrio que está sendo alterado pela ação humana, com graves consequências para o clima.
Até recentemente o grande vilão das mudanças climáticas era o CO2, pela quantidade emitida e longa persistência na atmosfera, de até 1000 anos. No entanto, o metano vem despontando como um agente igualmente perigoso de desestabilização do clima, devido à sua capacidade de aquecer a atmosfera cerca de 80 vezes mais rápido que o CO2. Apesar da sua permanência na atmosfera ser curta – se degradando em cerca de 10 anos, sua concentração alcançou o nível mais alto dos últimos 800.000 anos.
O metano tem múltiplas origens, desde as indústrias de gás natural, carvão e petróleo até os aterros sanitários, que concentram grande diversidade de materiais orgânicos em decomposição. Vegetação apodrecida em áreas pantanosas e cultivos como arroz inundado são também importantes fontes desse gás, assim como animais ruminantes – como bovinos, e insetos – como cupins, que ao digerirem material vegetal emitem metano.
Embora as crescentes emissões de metano representem grande risco para a humanidade, sua baixa persistência na atmosfera possibilita o combate dos seus efeitos em prazos curtos. Cortes significativos nas suas emissões poderão provocar redução do aquecimento em apenas uma década, a custos relativamente baixos. É por isso cerca de 100 países, incluindo o Brasil, anunciaram em novembro de 2021, durante a COP 26, em Glasgow, o “Compromisso Global de Metano” – uma meta coletiva de redução das emissões em 30%, a ser alcançada até 2030.
Tal acordo impõe reduções substanciais das emissões de fontes como aterros sanitários, sistemas de óleo e gás, mineração de carvão, processos industriais e agricultura, com destaque para a pecuária. Estima-se que cerca de um bilhão de bovinos são criados em todo o mundo para produção de carne e laticínios, que combinados a outras criações animais liberam cerca de 44% do metano originado de atividades antropogênicas (de causa humana) em todo o planeta. Números que destacam a pecuária no rol dos grandes emissores de gases de efeito estufa em todo o mundo.
A boa notícia é que o metano é um gás valioso, que pode ser captado e usado como combustível, reduzindo a nossa dependência de fontes fósseis. O gás natural, que consiste principalmente em metano, é um combustível fóssil considerado limpo. Quando o metano é produzido a partir dos aterros sanitários e dos abundantes resíduos animais e vegetais usualmente descartados na natureza, ele pode, como o gás natural, ser usado como fonte de energia para uso doméstico e transporte, ou como matéria-prima para múltiplos usos industriais.
Os humanos geram direta ou indiretamente mais de 105 bilhões de toneladas de resíduos orgânicos em todo o mundo a cada ano, grande parte acumulada em aterros sanitários. E tecnologias para captura de metano de aterros sanitários já são dominadas, podendo viabilizar parques eco industriais produtores de bens e serviços, créditos de carbono e boa imagem para governos e organizações envolvidos. Ou o metano produzido pode ser simplesmente processado e vendido, substituindo o gás natural fóssil, ou usado para movimentar caminhões de coleta e processos de segregação, tratamento e agregação de valor ao lixo que chega aos aterros sanitários.
A produção agrícola global quase triplicou nos últimos 50 anos e é provável que duplique na primeira metade do século 21, gerando imensos volumes de resíduos orgânicos de alta emissão de gases. Atualmente, quase todo o resíduo agrícola produzido no mundo é manejado de forma incorreta, permitindo que o metano e outros gases de efeito estufa sejam liberados na atmosfera. Se manejados em digestores anaeróbicos, as emissões seriam minimizadas, com produção de biogás e biometano para uso energético e industrial, além de fertilizantes orgânicos que permitiriam retornar ao solo nutrientes valiosos e finitos.
Estima-se que o cumprimento das metas de mudança climática do Acordo de Paris exigirá crescimento dos mercados voluntários de carbono em 15 vezes até 2030 – e 100 vezes até 2050 – a partir dos níveis de 2020. E como o mercado é um mecanismo eficaz, as emissões de metano e outros gases de efeito estufa tenderão a ser reduzidas onde for mais barato e mais fácil fazê-lo, especialmente quando tivermos padrões e regras claros e preços globais consolidados para o carbono. Oportunidade que não pode ser ignorada pela agricultura brasileira.
A Embrapa já conta com unidades e portfólios de pesquisa e inovação inteiramente dedicados ao desenvolvimento de tecnologias de biomassa que contribuam não só para a descarbonização da agricultura, mas também das indústrias química, de energia e materiais. A adoção de práticas conservacionistas como o plantio direto, a fixação biológica do nitrogênio, a integração de lavouras, pecuária e florestas, dentre outras, abrem possibilidades para que o Brasil, que já colhe duas ou mais safras ao ano, venha no futuro a colher também safras de carbono, com ganhos nas dimensões econômica, ambiental e de imagem perante consumidores ávidos por sustentabilidade.