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O futuro dos sistemas agroalimentares no Brasil - por Daniel Meyer

Com investimento em ciência e tecnologia o Brasil em pouco tempo virou um dos maiores produtores mundiais de alimento.

O aumento da população e do consumo global de alimentos estão colocando demandas sem precedentes sobre a agricultura e o planeta. As projeções da Organização das Nações Unidas (ONU) estimam a população mundial em quase 10 bilhões de pessoas no ano de 2050. Para atender às nossas necessidades e aos padrões de consumo, a produção de alimentos precisa crescer substancialmente, enquanto, ao mesmo tempo, precisamos encolher a nossa pegada ecológica, para agirmos com sustentabilidade.

Não resta dúvida de que, durante as últimas décadas a agropecuária brasileira arquitetou uma história de sucesso, sendo um dos principais responsáveis pelo desempenho econômico do País. Com investimento em ciência e tecnologia o Brasil em pouco tempo virou um dos maiores produtores mundiais de alimento. Embora o aumento da produtividade e a qualidade de vida no campo desempenharam um papel importante, os desafios daqui em frente serão outros, submersos num sistema alimentar global altamente competitivo e complexo. Não apenas o recente recuo e as incertezas vinda do mercado chinês, principal destino das exportações do agronegócio brasileiro, estão comprometendo o setor. Eventos inesperados, como secas e sucessivas tempestades, novas pragas e doenças, problemas de infraestrutura e logística, dificuldades na liberação de credito agrícola, crises políticas entre outros, estão transformando a agricultura brasileira num grande quebra-cabeça. No seu livro – A lógica do Cisne Negro – o matemático Nassim Nicholas argumenta que a nossa história está marcada por episódios imprevisíveis e impactantes, cuja natureza extraordinária brota cada vez mais ao redor do globo, e continuarão até provocarem uma mudança estrutural nas nossas formas de viver e pensar. Quem sabe não seja mera coincidência, mas o recente relatório sobre os futuros riscos agropecuários no Brasil, elaborado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento em parceria com Embrapa e o Banco Mundial, classifica eventos climáticos extremos, pragas e sanidade vegetal, gestão da produção e de recursos naturais, logística e infraestrutura como prioridades de gestão agrícola no Brasil para as próximas décadas.

A agricultura brasileira já demanda hoje transformações estratégicas, novos modelos de negócios sustentáveis, inovação nos sistemas de produção e aplicação de novas tecnologias, infraestrutura e logística. No outro elo da cadeia os consumidores estão cada vez mais conscientes e exigentes, usando blogs nas redes sociais para discutir novas formas de consumo. Em resposta a essa nova realidade, alguns produtores já começaram a mudar sua forma de atuar no campo, combinando alta produtividade com preservação ambiental, integrando lavoura com pecuária, experimentando com agricultura de precisão, controle biológico e reaproveitando os resíduos da produção. O agricultor 2.0 – empreendedor do campo – ganhará destaque nesse novo cenário. Resiliência será a palavra-chave, não eficiência. A nível governamental, a Embrapa tenta acompanhar as rápidas mudanças do setor. Recentemente lançou o Agropensa, com o objetivo de gerar informações qualificadas, a pesquisa e inovação para o avanço da agropecuária brasileira. Entretanto, vivemos um momento de desaceleração, mudanças e complexidades. Dessa vez a transformação será além do Estado e além do Mercado. Elinor Ostrom, da Universidade de Indiana, e a primeira mulher a ganhar o Prêmio Nobel de Economia, em 2009, demonstrou várias vezes em seus estudos que nem o Estado centralizado ou os atores do mercado, sozinhos, possuem os recursos necessários para afrontar as incertezas dos desafios socioambientais do século XXI. Seu trabalho sobre os bens comuns defende a sabedoria da diversidade institucional em cima da Panaceia. Ou seja, outros incentivos serão necessários para estimular o setor agrícola brasileiro a se reinventar em grande escala.

Durante a última década no Brasil, têm se proliferado iniciativas públicas-privadas, esquemas globais de certificação e intervenções da cadeia de suprimentos que buscam promover uma produção e comercialização sustentável. Tais iniciativas, como a Associação Internacional de Soja Responsável (RTRS), Forest Stewardship Council (FSC), Grupo de Trabalho da Pecuária Sustentável (GTPS), Bonsucro, Diálogos Florestais, a Moratória da Soja, a Moratória da Carne, Programa Municípios Verdes, entre outros, têm criado soluções viáveis, deliberativas e transparentes valorizando todo o sistema agroalimentar. Ainda meramente desconhecidas para o público, mas com credibilidade internacional, incorporam de forma flexível e igualitária os interesses de grupos sociais, ambientais e econômicos. Incentivam financeiramente os produtores e regiões que optam por seguir certos princípios e critérios de sustentabilidade. Com mais de uma década de implantação as iniciativas têm incluído centenas de empreendimentos certificados e cobrindo milhões de hectares pelo país, protegendo florestas e incentivando boas práticas agrícolas. Essa nova forma de governança agrícola será uma das peças chaves para enfrentar a diversidade e complexidade dos desafios da agricultura global, ajudando a realizar uma transição mais ampla para o desenvolvimento rural sustentável no Brasil.

Daniel Meyer é gerente da RTRS no Brasil