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Dia do Agricultor

O novo produtor rural

<p>Em artigo escrito para lembrar o dia do agricultor, o presidente da Ocesp faz uma análise histórica da trajetória do homem no campo até os dias atuais.</p>

“O sertanejo é, antes de tudo, um forte”. A frase de Euclides da Cunha traduziu o sofrimento enfrentado pelos trabalhadores do campo na passagem do século 19 para o século 20. O tempo passou, mas as dificuldades persistem. O endividamento do campo se mistura às novas exigências de produção sustentável. Hoje, se ainda estivesse entre nós, Euclides talvez bradasse que os produtores brasileiros são, antes de tudo, heróis, personagens que durante décadas desbravaram o país, com muita obstinação, convencidos de que estavam dando a vida pelo desenvolvimento do Brasil.
 
Sustentabilidade e preservação ambiental são termos que o homem do campo praticamente ignorava até 30 anos atrás. A conscientização só ganhou força após a Eco 92, no Rio de Janeiro. Se houve devastação no interior do país, ela não foi tão nefasta quanto a derrubada da mata atlântica ao longo e ao largo de nosso litoral, onde se instalaram belas estâncias balneárias, as capitais dos estados. As vilas viraram megalópoles, com rios límpidos e navegáveis transformados em canais de esgoto a céu aberto. Nesse sentido, somos todos “culpados”. Não há beatos nesse passivo ambiental.
 
Que não se julguem os erros do passado com a conscientização do presente. Hoje, nas cidades ou no campo, impera a determinação de que é preciso parar com a delapidação dos recursos naturais. A ordem é preservar, replantar, reconstruir, tratar esgotos, evitar produtos poluentes e desperdício de água. A mesma preocupação com a sustentabilidade e com o meio ambiente que circula em ambientes acadêmicos e gabinetes acarpetados está presente nas mãos calejadas do homem do campo. Portanto, neste dia 28 de julho, Dia do Agricultor, a Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo (Ocesp), consciente da importância que pequenos e grandes produtores rurais representam para a economia do país, lança um apelo ao diálogo construtivo. Que as novas e bem-vindas leis ambientais, como o Código Florestal, sejam duras, mas realistas, isentas de paixões, respeitando as dificuldades de adaptação à nova e positiva política preservacionista.
 
Sob uma visão mais empírica do que científica, podemos afirmar que, entre outros, três movimentos foram marcantes no processo de extinção de nossas florestas no interior do país. Isso sem contar a atual polêmica que envolve o cerco à região amazônica. Especificamente sobre a Amazônia, não se pode ignorar que a ocupação foi estimulada pelos governos militares. Levas de migrantes nordestinos e colonizadores do sul foram convidados a povoar agrovilas às margens da rodovia Transamazônica.   
 

A primeira onda de ocupação do território brasileiro e, em consequência, de diminuição das florestas, envolveu o ciclo do açúcar, em especial no Nordeste, nos séculos XVI e XVII. A segunda marcou a transformação do estado de São Paulo, de parte de Minas Gerais, do Rio de Janeiro e do Paraná em grandes produdores de café. Em pouco mais de 50 anos, da queda do império ao início da década de 1950, quando a industrialização se acelerou, a grande aposta na força econômica do café engoliu as florestas. Sobre as conseqüências dessa aposta no “ouro verde” (referência à decadência do ciclo da mineração), há estudos preciosos de dois historiadores norte-americanos, os brasilianistas Stanley Stein e Warren Dean.
 
A terceira onda, que, lato sensu, perdura até hoje, envolveu a forte imigração do final do século 19 e início do século 20. Mão-de-obra italiana, alemã, polonesa e de tantas outras nacionalidades substituiu o trabalho escravo nas fazendas de café paulistas, cariocas e mineiras e iniciou a colonização do interior do Rio Grande do Sul. Em São Paulo, por exemplo, imigrantes que desembarcaram no porto de Santos e de trem seguiram para as fazendas no interior, fizeram depois o caminho inverso rumo à capital, onde contribuíram decisivamente para o processo de industrialização.
 
No Rio Grande do Sul, os italianos que desembarcaram pelo porto de Rio Grande ocuparam a serra, lá “descarregados” pelo governo. Os alemães se instalaram predominantemente nos vales. Derrubar árvores, plantar, colher e fazer riqueza faziam parte do sonho desses imigrantes. Frase extraída de uma carta do final do século 19, enviada por um imigrante a um bispo italiano, retratou à perfeição o sofrimento na mata: “Aqui vivemos e morremos como bichos”. Descendentes desses desbravadores foram, a partir de meados do século 20, responsáveis pela colonização do oeste catarinense, do oeste paranaense e, de lá, do Mato Grosso do Sul, do Mato Grosso, chegando ao Acre e às portas da Amazônia, sempre com a convicção de que era preciso ocupar espaços para gerar desenvolvimento.
 
Esses colonizadores, que fundaram empresas agrícolas e se fortaleceram em centenas de cooperativas espalhadas pelo país, são hoje responsáveis por cerca de 35% do PIB nacional. Souberam se modernizar e buscar as mais modernas técnicas e tecnologias de produção. Endemoninhar o produtor rural por passivos ambientais é ignorar esse passado e as dificuldades do presente, como o endividamento provocado por anos de clima desfavorável e quebras de safra. Além disso, falta um fundo de catástrofes. Falta aperfeiçoar o seguro, que cobre perdas, mas não garante renda. Faltam canais mais rápidos de acesso ao crédito também pelos endividados, que só produzindo poderão pagar o que devem.
 
Que se combatam os abusos, que se preservem os recursos naturais, mas que se negocie sem paixões com esse homem de boa vontade”. 
 
Edivaldo Del Grande é presidente da Organização das Cooperativas do Estado de São Paulo (Ocesp)