A União Europeia tem, atualmente, as regras mais rígidas sobre bem-estar animal do mundo. O tema é debatido desde a década de 1960 e a primeira legislação do bloco sobre direitos dos animais tratou de abatedouros e, adotada em 1974, completou 40 anos em 2014.
Desde então, outras normas sobre transporte, maus tratos e proteção de algumas espécies também foram estabelecidas para elevar o nível de bem-estar dos animais, sejam de produção, companhia ou para outras finalidades (testes farmacêuticos e cosméticos, por exemplo).
Na suinocultura, as baias coletivas para matrizes são obrigatórias em todos os 28 países membros desde 1º de janeiro de 2013. Ainda assim, apenas 17 países adotaram a legislação em sua totalidade, enquanto os demais 11 preveem a adequação completa nos próximos meses.
Segundo o chefe da Comissão Europeia para bem-estar animal, Andrea Gavinelli, o processo de adaptação é acompanhado e fiscalizada pelas autoridades veterinárias dos estados membros e também pelo órgão europeu.
“A exigência foi estabelecida em 2001 e houve um longo período de transição. A Comissão discutiu a questão em vários workshops durante estes 12 anos para assegurar o conhecimento de todos e ofereceu dezenas de programas de formação. O produtor também recebeu apoio financeiro de alguns estados, bem como co-financiamento da UE”, explica Gavinelli.
A opinião pública europeia, essencialmente urbana, foi determinante para tais legislações e, também, para o reconhecimento dos animais como seres “sencientes” (capazes de perceber sentimentos) em tratados como o de Amsterdã, de 1999, ou o de Lisboa, em 2009. Além das razões morais e éticas, outros fatores sociais e econômicos permitem este quadro.
A UE tem o maior PIB do mundo enquanto bloco (US$ 18,4 trilhões) e o maior poder de consumo, dada sua renda per capita (acima de US$ 36 mil) e número de habitantes (508 milhões). Além disso, é a segunda força global em produção (22,4 milhões de toneladas) e em exportação de carne suína (2,2 milhões de toneladas).
Com consumo per capita acima de 40 kg, o bloco tem um mercado interno de mais de 20 milhões de toneladas por ano apesar de, historicamente, apresentar custos de produção mais altos que outros países exportadores, como Brasil, EUA e Canadá. Deste modo, garantir o consumidor europeu, sensível ao tema do bem-estar, também era estratégico, seja por preferência ou por barreira técnica.
Apesar de algumas vozes contrárias, os próprios produtores e suas associações acataram, em sua maioria, as legislações de bem-estar animal sobre baias coletivas. “O sucesso do bem-estar animal da UE é relacionado com o forte empenho dos agricultores, veterinários, transportadores, agentes de execução públicos, comerciantes, pesquisadores, educadores e cidadãos, porque todos são responsáveis”, cita Gavinelli.
Ainda assim, às vésperas da implantação da exigência sobre baias coletivas, produtores expressavam suas preocupações sobre a viabilidade econômica da nova regra, resultados produtivos, perda de competitividade e o dilema entre “investimento” ou “custo”.
Ainda em 2012, a BPEX (Associação Britânica de Produtores de Suínos, adaptado do inglês) lançou um estudo em que estimava os impactos da nova norma na União Europeia. O documento previu queda de 5% na produção de suínos no bloco entre 2011 e 2013 mas, apesar de haver ocorrido queda, a variação negativa ficou apenas em 2,2%.
Assim, devido ao impacto negativo menor que o esperado, a adesão à regra ganhou força, apesar de países importantes como Áustria, Espanha, França e Holanda não atenderem totalmente às exigências, especialmente entre os pequenos produtores, com a lei já vigorando em 2013.
Com isso, o assunto teve ainda mais destaque e somou-se a outras questões. O presidente da Sociedade Agrícola Alemã (DLG, do alemão), Carl-Albrecht Bartmer, comenta que o bem-estar está ligado às inovações tecnológicas e à sustentabilidade. “As inovações tecnológicas permitirão não apenas melhor adequação a este tipo de exigência, mas também maior sustentabilidade da produção”, comenta.
Estudos realizados em universidade europeias revelaram que a adoção das baias coletivas, e outros padrões de bem-estar mais altos, trazem vantagens aos produtores e interferem pouco ou quase nada nos custos. Entre os benefícios, relata Gavinelli, foi notada uma remuneração de 1,06 centavo a mais por quilo de suíno e melhor desempenho produtivo com as novas baias, ainda que isto dependa das características do mercado e das próprias granjas.
“A Comissão Europeia adotou uma estratégia de Proteção e Bem-Estar dos Animais, que garante que eles sejam mantidos, transportados e abatidos em condições que não os submetam a maus-tratos, abuso, dor ou sofrimento. Quanto a impactos econômicos, o bem-estar animal deve ser avaliado em médio e longo prazo”, argumenta.
Com este princípio, a Comissão Europeia para bem-estar animal trabalha sobre duas novas exigências: a proibição do corte de cauda e a presença de materiais manipuláveis para os suínos (como palha ou serragem para os animais mexerem) nas granjas. A primeira visa evitar a dor e a segunda busca aproximar a vida nas granjas ao comportamento natural dos suínos.
As autoridades europeias, enfim, defendem que o bem-estar animal é uma exigência moral dos consumidores que, apesar de cada vez mais preocupados sobre como seus alimentos são produzidos, não estão dispostos a pagar por isso, mas continuam sendo a maioria dos eleitores em sociedades eminentemente urbanas.
Nesse sentido, os produtores devem investir em tecnologia para atender seus clientes em padrões melhores que no resto do mundo, o que pode ser uma reserva de mercado, um diferencial de qualidade ou mesmo revelar melhores resultados produtivos.
“Bem-estar animal é uma prioridade na UE e um grande progresso está sendo feito para melhorar as condições dos animais em fazendas. Conquistas importantes como o alojamento coletivo de matrizes estão avançando, mas novos desafios precisam ser enfrentados. A Comissão vai trabalhar em conjunto com os Estados-Membros e as partes interessadas para melhorar ainda mais as condições de bem-estar”, finaliza.