A fome aumentou no Brasil, maior exportador líquido de alimentos do mundo, constata a FAO, agência da ONU para a agricultura e alimentação, que publica hoje um novo relatório sobre a resiliência dos sistemas agrícolas nacionais.
Segundo o economista-chefe da FAO, Maximo Torero, a maioria dos países tem diversidade suficiente em seus sistemas agrícolas para atravessar choques. Ou seja, alimentos existem, o problema é o acesso a eles, por falta de dinheiro.
É o que acontece no Brasil, por exemplo, segundo a avaliação da FAO. De acordo com dados de 2018 — mas que teriam sido confirmados em 2020 —, 14% da população brasileira, ou 29 milhões de pessoas, não tinham condições de acesso a uma dieta saudável. E, considerando a ocorrência de choques que resultam em perda de um terço da renda pessoal, mais 10% da população brasileira, ou 21 milhões de pessoas, entram nesse grupo dos que não tem condições de ter uma alimentação saudável.
“O Brasil tem uma boa política de expansão de safety nets (ajuda), o que foi capaz de reduzir a pobreza durante a covid-19. Mas a fome aumentou”, afirmou Torero. Para Andrea Cattaneo, outro economista da FAO, a questão, portanto não é falta de alimentos no país, mas como garantir comida na mesa dos brasileiros.
Concentração das exportações
No relatório sobre a resiliência dos sistemas agrícolas, a FAO aponta dois outros desafios para o Brasil: o primeiro é a concentração das exportações, já que 60% da receita dos embarques é obtida em negócios com a China.
“Esse é um desafio que o Brasil enfrenta, de exportar principalmente para um grande país — ou seja, uma grande concentração de sua exportação”, observou Torero. “Se algo acontece, como aconteceu com a indústria de carne nesse grande país importador [a China mantém o embargo à carne bovina brasileira], tem um efeito substancial”.
Outro desafio é a rede de transportes interno para carregar os produtos agrícolas. Globalmente, o estudo da FAO constata que em 90 países o fechamento de estradas centrais aumentaria o tempo das viagens das mercadorias em 20%.
Mas o tempo no transporte de alimentos aumenta 30% no Brasil em caso de problemas nas rodovias. O país tem nesse caso o mesmo nível de vulnerabilidade de Bangladesh, Haiti, Madagascar, Niger, Filipinas, Congo, Senegal e Sudão, segundo a FAO.
“O Brasil tem enfrentando problemas nas redes de transporte para carregar os alimentos para os portos”, notou Torero, em referência a greves e ameaças de paralisação de caminhoneiros. “O Brasil é um grande exportador agrícola, e quando qualquer coisa acontece em termos de disrupção no país, isso afetará o mercado de alimentos no mundo”.