No Brasil, os aviários convencionais geralmente sofrem com as altas temperaturas e baixos índices de umidade do ar no interior de suas instalações, o que pode gerar estresse nas aves ou até levá-las à morte, acarretando quedas na produção. Diante da constante busca por produtos diferenciados e com mais qualidade, encontrar soluções que promovam o bem-estar dos animais de corte e otimizem a cadeia produtiva, reduzindo custos, torna-se cada vez mais essencial. Por isso, pesquisadores da USP em São Carlos e em Pirassununga desenvolveram um sistema inteligente de controle térmico capaz de monitorar em tempo real as condições climáticas de um aviário utilizando um conjunto de sensores sem fio, responsáveis por medir a temperatura e umidade do ar, além da incidência de radiação solar no ambiente.
Todos os dados são armazenados na internet e interpretados por um programa de computador que avalia a situação térmica do aviário. Com base nessa análise, o software define as ações que devem ser tomadas enviando comandos para dispositivos eletrônicos (módulos atuadores) conectados a objetos do local, os quais são controlados a distância. “O sistema consegue interagir com o aviário ligando e desligando ventiladores, fechando ou abrindo cortinas, tudo de forma remota, fazendo com que os índices de temperatura e umidade se aproximem ao máximo do ideal naquele instante, proporcionando maior conforto térmico aos frangos, de acordo com a idade das aves em produção”, explica Marcelo Eduardo de Oliveira, autor da pesquisa de doutorado realizada no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Engenharia Ambiental (PPG-SEA) da Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da USP.
Segundo o cientista, o processo automatizado é mais eficiente, econômico e preciso que o método manual, no qual os produtores precisam se deslocar várias vezes ao dia até o aviário e se baseiam apenas em termômetros para medir a temperatura e umidade, ferramentas bem menos precisas que os sensores. Além disso, como no modelo tradicional o monitoramento não é feito de forma constante, os índices podem se alterar rapidamente, gerando riscos para as aves.
“Nós programamos nosso sistema para fazer a coleta de dados a cada três minutos, podendo ligar ou desligar qualquer aparelho, caso seja necessário. É uma gestão mais eficiente do aviário e que gera economia, tanto que durante nossos experimentos foi registrada uma redução de quase 80% no consumo de energia elétrica”, revela Marcelo, que teve sua pesquisa financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
Para possibilitar que os próprios produtores também consigam controlar o aviário se desejarem realizar alguma ação específica, os pesquisadores configuraram um aplicativo que permite que o usuário visualize em tempo real se os aparelhos estão ligados e os índices de umidade e temperatura do ambiente, que são medidos tanto por sensores suspensos no ar como por dispositivos fixados nas paredes e no telhado do local. Baseados nos dados exibidos na tela do celular pelo sistema de controle climático, os operadores podem ligar ou desligar determinado equipamento, clicando nos botões que representam os ventiladores e climatizadores do aviário. Os resultados obtidos no trabalho geraram um artigo científico que foi publicado em uma revista da Romênia. Como desdobramento do estudo, os cientistas também escreveram o livro “Introdução à robótica educacional com Arduíno – hands on! Iniciante”.
Na prática
Para testar o sistema, os pesquisadores utilizaram a rede de sensores e dispositivos eletrônicos para controlar os aparelhos de um dos aviários da Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP, em Pirassununga, que foi dividido em oito zonas de monitoramento. Com cerca de 30 metros de comprimento e oito metros de largura, o aviário possui um sistema de climatização composto por quatro ventiladores trifásicos, quatro climatizadores bifásicos e janelas laterais com cortinas de lona retráteis, feitas para abertura manual por manivelas. Os resultados alcançados nos testes mostraram um ótimo desempenho do sistema automatizado no controle de temperatura e umidade, uma vez que ele foi capaz de manter a homogeneidade térmica do ambiente, diminuindo grandes variações nos oito pontos monitorados do aviário.
As condições ambientais, em especial a temperatura e umidade do ar, têm grande interferência no bem-estar, na mortalidade e no desempenho de frangos de corte, sendo que índices inadequados desses marcadores no interior das instalações podem limitar a produtividade das aves, afetando o desempenho final do lote e comprometendo os aspectos econômicos da atividade. A temperatura ideal no interior de aviários para aves adultas deve oscilar entre 15 e 28 ºC, com a umidade relativa do ar variando de 40 a 80%.
“Tanto temperaturas altas como baixas causam oscilações no comportamento das aves e, como consequência disso, é possível observar a diminuição no consumo de ração, aumento no peso corporal, queda na produção, menor taxa de crescimento, maior consumo de água, aceleração do ritmo cardíaco, queda na produção de ovos, entre outros problemas. Já com relação à umidade relativa do ar, ela também exerce grande influência no bem-estar e na produtividade do animal, principalmente se muito baixa, causando diversas doenças no aparelho respiratório”, explica o orientador do trabalho, Adriano Rogério Bruno Tech, professor da FZEA e pesquisador do PPG-SEA.
Quando a temperatura ambiente sobe acima da zona de conforto térmico, o animal começa a buscar alternativas para perder calor realizando alguns ajustes funcionais rápidos, como a vasodilatação e o aumento da frequência respiratória. No entanto, se a temperatura continuar aumentando, a ave reduz seu metabolismo, aumenta o consumo de água e tenta maximizar a perda de calor pelo suor. Se mesmo assim a temperatura não parar de subir, essas ações deixam de surtir efeito e, sem opções para aumentar a perda de calor, o animal pode morrer de hipertermia. Temperaturas abaixo do indicado também são perigosas. Num primeiro momento, em resposta ao frio, o animal busca o Sol, lugares secos, pouca ventilação, piso aquecido e reduz o consumo de água. Porém, se a temperatura ambiente seguir caindo, a ave aumenta o seu metabolismo realizando atividades de maior movimento e consumindo mais ração. Caso a temperatura siga despencando, o animal perde a capacidade de produzir calor e sua temperatura corporal começa a baixar rapidamente, podendo levá-lo à morte por hipotermia.
Cenário positivo
Segundo relatório de 2020 da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), o Brasil é o líder de exportação de carne de frango de corte do mundo, com mais de 4,2 milhões de toneladas enviadas ao exterior no ano passado. Também em 2019, o País produziu 13,2 milhões de toneladas da proteína, ocupando a terceira posição no ranking global, perdendo apenas para China e Estados Unidos. O consumo anual de frango no Brasil é de aproximadamente 42 kg por pessoa. De acordo com Marcelo, a atividade produtiva nacional poderia ser ainda maior se o País lidasse de forma mais eficiente com as questões relacionadas às influências do ambiente tropical sobre o desempenho dos animais. Por isso, esse tema tem sido cada vez mais difundido no sentido de melhorar as condições de conforto das aves.
O sistema desenvolvido pelos especialistas da USP apresenta diversas vantagens em comparação com os que já são comercializados. Além do baixo custo (cerca de R$ 3 mil), a simplicidade, facilidade de manuseio e a escalabilidade da tecnologia são outros diferenciais, bem como o fato do software construído ser de código aberto, ou seja, permite que qualquer pessoa faça adaptações de acordo com a sua necessidade. “Pela facilidade de implementação dessa tecnologia por qualquer pequeno produtor do Brasil, nossa expectativa é de que a produção de frangos aumente consideravelmente. É um sistema simples, efetivo e que ainda gera economia, por isso acredito que ele pode se tornar uma solução indispensável para o mercado”, finaliza Marcelo.