Redação SI 21/10/2003 – 10h00 – Segundo os cientistas alemães que os criaram, é um passo para que esses bichos passem de fato a beneficiar a saúde humana.
O truque que permitiu isso foi o uso de um vírus para transferir o gene estranho (no caso, o que dá aos bichos sua estranha fluorescência verde), ao invés de injetá-lo diretamente no embrião suíno.
“A eficiência na produção de embriões transgênicos aumentou 30 vezes, e o nascimento de animais com a característica desejada, seis vezes”, disse por telefone Pfeifer, 38, médico da Universidade Ludwig-Maximilian em Munique (sul da Alemanha).
Pfeifer diz que a técnica deve fazer com que o preço de criar grandes mamíferos transgênicos, como porcos e vacas, passe a ser um décimo do que é hoje, de acordo com cálculos preliminares feitos pela equipe de pesquisa.
A peso de ouro
“Isso é muito importante porque hoje, na Alemanha, você não consegue criar um porco transgênico por menos de US$ 50 mil ou US$ 30 mil, e uma vaca por dez vezes esse valor”, afirma o médico. “O principal fator que gera esse encarecimento é exatamente a ineficiência do processo, que nosso trabalho ajuda a contornar.”
Pfeifer explica que a técnica mais usada hoje para criar animais transgênicos, a da microinjeção, consegue produzir animais com o DNA estranho incorporado ao seu com uma eficiência muito baixa (entre 1% e 10% dos embriões injetados).
Até aí, aliás, não há nada de estranho: “No jeito clássico de fazer a coisa, o processo é mecânico. Você precisa enfiar um [tubo] capilar de vidro no núcleo do embrião e então injetar o DNA, atrapalhando todo o processo normal de desenvolvimento dele. É muito violento”, afirma o alemão.
Seria muito mais razoável utilizar um vírus, argumenta o pesquisador, que faz o mesmo trabalho (integrar o gene desejado ao núcleo do embrião) de forma bem mais eficaz. Com essa idéia na cabeça, a equipe usou um lentivírus como cavalo-de-tróia, infectando os embriões suínos logo depois da fecundação, quando eles ainda tinham uma só célula.
O gene estranho carregado pelo invasor viral continha as especificações para a produção da GFP (proteína fluorescente verde, na sigla em inglês), uma molécula retirada de alguns tipos de água-viva que causa o característico brilho no escuro. Uma batelada de animais transgênicos já foi feita antes usando esse gene, por motivos óbvios: é um jeito fácil de “marcar” os bichos, de forma que só os transgênicos sejam identificados pela cor fluorescente.
Suínos brilhantes
A técnica resultou no nascimento de 46 leitões, dos quais 32 carregavam o gene da GFP -70% de aproveitamento. A proteína estava ativa não apenas na pele dos bichos, mas em diversos órgãos internos. Pfeifer e seus colegas decidiram repetir o teste, acoplando então ao vírus um promotor (uma sequência de DNA que regula o funcionamento de outras) específico para células da pele.
Novamente, o experimento deu certo: os porquinhos exibiam o brilho verde na pele e no focinho, mas não no resto do organismo. A equipe repetiu o experimento em embriões bovinos, dos quais 45% incorporaram o gene da GFP ao seu DNA. Nesse caso, os embriões não chegaram a ser implantados numa mãe de aluguel.
O sucesso bem maior do que o obtido com outras técnicas deixa Pfeifer esperançoso quanto à possibilidade de aplicar a técnica à criação de animais cujos órgãos poderiam ser transplantados para seres humanos, ou mesmo com carne e leite mais nutritivos.
Outra aplicação importante do feito seria o desenvolvimento de bichos cujo organismo simulasse doenças humanas, numa escala física parecida com a de seres humanos, explica o pesquisador alemão. “Porcos diabéticos seriam muito mais relevantes que camundongos, por exemplo”, explica Pfeifer. “Uma das consequências mais sérias da diabetes é o aparecimento de cegueira em pessoas de meia-idade. Mas os camundongos diabéticos não têm nada nos olhos”, afirma.
Apesar dos potenciais problemas no uso de vírus para transferir genes (a inserção num local indesejável poderia causar câncer, por exemplo), Pfeifer diz que seus leitões não sofrem efeitos colaterais. “São saudáveis e comem um bocado, como os porcos costumam fazer”, brinca.
O trabalho dos alemães está na revista científica “Embo Reports” (www.nature.com/embor), da Organização Européia de Biologia Molecular.