Para lidar com a disparada de preços de produtos agrícolas muito consumidos no mercado interno e exportados, como a soja e milho, o Brasil deveria zerar a tarifa de importação, defendeu o presidente da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), ressaltando que esse movimento é viável, mas a decisão cabe ao conselho interministerial da Camex.
Em entrevista à Reuters após a Camex zerar na véspera a Tarifa Externa Comum (TEC) para uma cota de 400 mil toneladas de arroz, Guilherme Bastos considerou que a compra sem taxa em outros países fora do Mercosul vai ser efetiva para a redução de preços do arroz, diferentemente do que acreditam produtores, e poderia ter efeitos semelhantes em outros mercados, caso medidas nesse sentido fossem tomadas.
Questionado se uma redução da tarifa de 8% será necessária para a soja e o milho, produtos que também estão com preços em níveis historicamente altos, aumentando os custos das indústrias brasileiras de proteínas animais, ele disse não ver nenhum problema neste movimento.
“A soja que poderia vir dos Estados Unidos, se a TEC cair, a soja pode vir com mais força, poderia ser o momento, eles (americanos) estão começando a colher, e vão colher uma boa safra. Por que não deixar neste momento este fluxo internacional trabalhar?”, afirmou Bastos, admitindo que o raciocínio também vale para o milho.
No caso da soja, os altos preços acima de 135 reais a saca de 60 kg também estão interferindo no mercado de combustíveis, com o governo reduzindo temporariamente a mistura de biodiesel no diesel 12% para 10%, para garantir oferta.
Importações de soja pelo Brasil– maior produtor e exportador global que enfrenta oferta restrita após embarques recordes, especialmente para a China– poderiam evitar, por exemplo reduções na mistura. “Se alguma esmagadora, se precisar e achar que a soja lá fora está mais barata, isso vai ser bom para dar uma segurada nos preços”, ressaltou Bastos.
Para o presidente da Conab, se a TEC da soja fosse retirada, “já traria uma boa competitividade da soja norte-americana aqui”. “Isso não vai dar problema no mercado, tem prêmios muito bons para o óleo, o biodiesel, e, se está fechando a conta, o cara vai trazer, se não estiver fechando, as plantas (de esmagamento) fecham e vamos passar para manutenção, antecipam a manutenção.”
O Brasil deve encerrar o mês de setembro com exportações de cerca de 80 milhões de toneladas de soja no acumulado do ano, um volume muito perto dos patamares históricos de cerca de 83 milhões vistos em 12 meses de 2018, após uma concentração mais forte de embarques no primeiro semestre.
No milho, também com uma safra recorde, o Brasil está agora na temporada de exportações, e os embarques deverão ser fortes após o câmbio atingir patamares históricos na primeira metade do ano, deixando o produto brasileiro mais barato para o importador, algo que também impulsionou exportações de outras mercadorias, como o arroz.
FRONTEIRAS ABERTAS
A redução da TEC para a soja e o milho chegou a ser discutida no mês passado pelo governo, como forma de controlar os preços, mas não há notícia de que a Camex tenha apreciado o tema na reunião que reduziu a tarifa para o arroz.
Contudo, de acordo com o presidente da Conab, a solução para lidar com essa situação, gerada por um choque de demanda, é deixar as “fronteiras abertas”, algo permitido em momentos como esse pelo acordo do Mercosul. Ao mesmo tempo, o presidente da Conab refutou ideias “ultrapassadas” de controle de preços e taxação de exportação que, segundo ele, surgem em conjunturas como essa.
Da mesma forma, ele acredita que o retorno à política de estoques reguladores do governo como forma de limitar altas de preços não seria efetivo e teria um alto custo para a sociedade –nos últimos anos, o governo reduziu fortemente seus estoques.
“Quanto a gente consome de grãos entre soja, milho, arroz e trigo… estamos falando no mínimo de 140 milhões de toneladas anualmente no mercado interno. E aí a gente pergunta: qual seria o nível de estoque necessário nas mãos do governo para regular preço e a que custo isso sairia para a sociedade?”
Segundo ele, vendo o tamanho da produção brasileira, de cerca de 250 milhões de toneladas, e o consumo de grãos, “a mensagem é clara”.
“O governo tem que estar fora de estoque regulador”, afirmou, acrescentando que a Conab tem atualmente uma dotação orçamentária para a política de garantia de preços mínimos, de cerca de 1,4 bilhão de reais, para ser utilizada para compras públicas e outras políticas quando os preços caem abaixo dos custos de produção agrícola.
Bastos comentou ainda que o brasileiro não tem o hábito de substituir produtos mais caros por outros mais baratos, e que a Conab está fazendo estudos sobre o assunto, o que poderia atenuar uma pressão de demanda para as cotações. “Tem que haver substituição para outros produtos alternativos, se o arroz tipo 1 está caríssimo, tem que ir para o tipo 2… tem que dar opções mais baratas, e se estiver caro, tem que ir para outro tipo de carboidrato, a batata, por exemplo”.
Da mesma forma, disse ele, também há substitutos para o milho. “Tem o sorgo e o DDG de milho (grão seco por destilação) entrando no mercado. O pessoal fica nessa afobação, mas qualquer entrada mais pesada do governo em termos de controle pode gerar efeitos deletérios muito piores no ano que vem.”