O Brasil deflagrou ontem um processo de disputa contra a União Europeia (UE) na Organização Mundial do Comércio (OMC) por causa de barreiras à entrada de carnes brasileiras de aves nos 27 países do bloco comunitário.
O governo brasileiro há muito tempo fazia essa ameaça, mas só tomou a decisão agora, dias depois da viagem a Brasília do chefe da diplomacia europeia, Josep Borrell. A visita do diplomata ao país foi considerada justamente uma retomada das relações bilaterais em nível mais alto.
O Brasil acionou o mecanismo de solução de controvérsias da OMC com base no argumento de que a União Europeia impõe “controles sanitários discriminatórios para a detecção de salmonela em carne de frango salgada e de peru com pimenta”.
O Itamaraty alega que não há evidências técnicas ou científicas que justifiquem a aplicação, pela União Europeia, de critérios microbiológicos mais rigorosos para a detecção de salmonela em carne de frango salgada e de peru com pimenta na comparação com a carne fresca de aves.
Para o governo brasileiro, ao impor “esses critérios discriminatórios, a União Europeia age em desacordo com as regras do Acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da Organização Mundial do Comércio e cria barreiras injustificadas ao comércio internacional”.
Ainda assim, o Itamaraty afirmou, em nota, que acredita em uma “solução amigável para o imbróglio com os europeus. “O Brasil espera receber uma resposta da União Europeia ao presente pedido e chegar a um acordo sobre uma data mutuamente conveniente para consultas, com vistas a resolver essa controvérsia”, diz documento assinado pelo embaixador do Brasil na Organização Mundial do Comércio, Alexandre Parola.
Apoio do setor
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) apoiou a decisão do Itamaraty. “Sem bases técnico-científicas respaldadas pelas regras do Acordo de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da OMC, a União Europeia impõe ao Brasil critérios mais restritivos para a liberação dessas cargas”, reforçou a entidade, também em nota. A ABPA lembrou que os produtos têm preferência tarifária no âmbito do Acordo de Cotas entre Brasil e o bloco econômico europeu.
A ABPA – que representa, entre outras Aurora, BRF e Seara (JBS) – disse esperar que as consultas entre as partes “sejam exitosas para o correto entendimento sobre a questão, superando o impasse que tem prejudicado o acesso das carne de frango salgada e de peru com pimenta do Brasil a esse relevante mercado”.
As exportações brasileiras de carne de frango para a União Europeia somaram 143,5 mil toneladas no intervalo entre janeiro e setembro, e os cortes envolvidos na disputa representaram cerca de 60% do total, informa a entidade. O bloco é o sexto principal mercado para os produtos brasileiros do segmento.
O pedido de consultas é a primeira etapa formal de um contencioso na Organização Mundial do Comércio. Depois de 60 dias, se não houver um entendimento entre as partes, o Brasil poderá requisitar a instalação de um painel (comitê de investigação). Processos do gênero demoram anos até serem concluídos, sobretudo na situação atual em que o órgão de Apelação da OMC, espécie de “corte suprema” do comércio internacional, está praticamente desativado.
Em outra frente de disputa na organização, a vitória do Brasil contra a Índia no confronto relacionado a subsídios que os indianos concederam a seus produtores e exportadores de açúcar já teve seu anúncio oficial adiado duas vezes. A interpretação entre algumas fontes é que a Índia pode estar preparando o terreno para anunciar a amarga derrota a seu público interno.