O pesquisador Charles Darwin foi o primeiro a sugerir que as aves modernas de produção de carne e ovos descendem da ave selvagem vermelha (Gallus gallus). Essas aves antigas viviam nas selvas asiáticas por volta de 5.000 a 8.000 anos atrás. Sua alimentação consistia em sementes, frutas e insetos. E sua microbiota era formada naturalmente com base na alimentação e no ambiente em que estavam inseridas.
Com a domesticação das aves no ocidente entre os anos de 1900 e 1920, passamos a fornecer alimentos específicos para as aves, alterando, de alguma forma, a sua microbiota. Nas décadas seguintes, 1940, 1950 e 1960, as aves passarem a ser uma importante fonte de proteína para a população naqueles anos pós-guerra, sendo acessível e de baixo custo. No final deste período, os sistemas de integração se iniciaram e os rebanhos já se tornavam maiores e as aves adensadas, necessitando da introdução de medicamentos e vacinas para manter a saúde dos animais. Nos anos 1970 ocorreram avanços significativos nos campos de nutrição, da melhoria genética e mecanização do sistema produtivo.
Nos dias atuais trabalhamos com genética de ponta, controles sanitários muito rigorosos, desde as granjas de reprodutoras, passando pelos incubatórios e pelas granjas comerciais, com práticas de bem-estar animal, além de nutrição de precisão. O acesso a tecnologias está mais facilitado, nos ajudando a extrair todo o potencial produtivo dos animais. Mas, todo esse potencial só será atingido caso os parâmetros anteriores sejam atendidos de forma satisfatória e os animais tenham uma excelente saúde intestinal para digerir e absorver os nutrientes necessários para a produção.
O ambiente gastrointestinal é extremamente rico e seu microbioma pode conter até 10 vezes mais células e 75 vezes mais genes que o próprio hospedeiro. É um campo de estudos que receberá muita atenção nos próximos anos.
Quando as aves possuem um ecossistema entérico saudável, vemos a transição normal da ração para as fezes, como uma biomassa cecal com formação característica. Mas, quando a microbiota se apresenta doente por qualquer motivo, como uma má absorção no intestino delgado e muitos nutrientes fluindo para ao intestino grosso, este quadro leva a um crescimento excessivo de microrganismos oportunistas, provocando um caso de disbiose ou disbacteriose. Esse quadro é um desequilíbrio entre os diversos microrganismos que compõe a microbiota do hospedeiro. Esta situação é um sintoma de distúrbio entérico que levará os animais ao mau desempenho produtivo, ou mesmo à morte.
Existem diversos fatores que influenciam a saúde intestinal, como idade das aves, sexo, genética, contribuição materna, alimento, instalações, higiene e biosseguridade, uso de medicamentos e aditivos e temperatura, entre outros. Não temos gerência nenhuma sobre alguns deles e temos que saber contornar a situação da melhor forma possível. Mas, outros fatores, como alimentação, higiene ou mesmo o direcionamento para a formação de um microbioma saudável temos diversas ferramentas que podem nos ajudar.
Devido aos rigorosos padrões de higiene e biosseguridade que os reprodutores possuem para manter a qualidade das aves jovens entregues para a produção, esses animais chegam às granjas com um intestino pouco povoado, tanto em quantidade, quanto em diversidade. E, conforme essas aves vão crescendo, passam a desenvolver suas microbiotas de acordo, principalmente, com a microbiota já existente na granja, assim como o tipo de dieta que é fornecida e os aditivos contidos nela, sem mencionar as condições climáticas, que também vão interferir.
Um intestino saudável, segundo o pesquisador Celi e seus colaboradores (2017), “é um estado estável onde o microbioma e o trato intestinal existem em equilíbrio simbiótico e onde o bem-estar e o rendimento do animal não está limitado por disfunções intestinais”, ou seja, um equilíbrio da microbiota permite que os animais cheguem ao seu máximo desempenho genético.
Para alcançarmos esse microbioma ideal, devemos ajudar o hospedeiro a estabelecer um ecossistema simbiótico por meio da semeadura de microrganismos que permitam o crescimento de uma microbiota simbiótica e funcional. Devemos ainda colaborar com o fornecimento de nutrientes de forma equilibrada, por meio de dietas balanceadas e com a digestibilidade adequada a fase de produção do animal. E, por último, mas não menos importante, devemos ajudar na manutenção da homeostase deste sistema entérico, eliminando microrganismos competitivos e controlar a diversidade e a carga microbiana, principalmente com o uso de aditivos que podem ser conduzidos por monitorias específicas que identificam e quantificam a presença de patógenos específicos.
Dentre os diversos aditivos pró-nutricionais e que conseguem controlar a microbiota competitiva, a classe dos probióticos se destaca pela capacidade de algumas cepas de conseguir atuar em diversos campos ao mesmo tempo como a redução de patógenos, a promoção da saúde intestinal, a modulação da microbiota e a exclusão competitiva.
Os probióticos, segundo a FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, 2001), “são culturas mono ou mistas de microrganismos vivos que quando misturados em quantidades adequadas conferem um benefício para a saúde do hospedeiro”.
Como exemplos de probióticos podemos ter diferentes espécies de bactérias ou leveduras, como Bacillus, Enterococcus, Lactobacillus e Saccharomyces, entre outras, tendo cada uma das espécies características próprias. Dentro de uma mesma espécie de probiótico podemos encontrar cepas com ótimo controle de patógenos em avaliações laboratoriais, mas que não têm aptidão para crescer e germinar de forma adequada dentro do intestino das aves, ou seja, seu controle efetivo dentro do hospedeiro não é o mesmo demonstrado nos ensaios laboratoriais. Desta forma, podemos entender por que as diferentes cepas apresentam resultados distintos e porque cada fabricante possui uma determinada concentração do seu produto, que normalmente é expressa em UFC/g (unidade formadora de colônia por grama) de produto.
Um bom probiótico para uso deve ter alguns atributos e aqui citaremos os sete principais para a escolha de uma boa cepa probiótica:
1) Ter Bacillus sp. em sua composição. Os Bacillus são administrados em forma de esporos, que é o estágio dormente e resistente destas espécies de bactérias. Na forma de esporos geralmente são estáveis em diversas faixas de pH, frente a tripsina, termotolerantes e estáveis no armazenamento. Mas é importante ressaltar que nem todos os Bacillus são iguais, eles possuem diferentes graus de resistência ou de efetividade na promoção de uma boa microbiota.
2) Possuir ensaios in vitro e in vivo que comprovem sua efetividade. Um patógeno que é efetivo em um ensaio in vitro pode não ser in vivo, pois não possui a habilidade de crescer no ambiente intestinal.
3) Mecanismo de ação conhecido. Como os probióticos não são todos iguais, é fundamental entender o mecanismo de ação do probiótico escolhido de forma que atenda sua necessidade. Não podemos imputar um mecanismo de ação de um produto para outro de mesma cepa.
4) Segurança da cepa probiótica. Como estamos introduzindo bactérias em grandes quantidades dentro de nosso sistema produtivo, devemos ter certeza de sua segurança. Desta forma, é importante que essas cepas não possuam genes para enterotoxinas hemolíticas, hemolisina e para citotoxinas. Então, é importante a investigação de genes relacionados a resistência a antibióticos, assim as cepas probióticas não devem conter plasmídeos identificados, nenhum gene relevante para a resistência à antibióticos, em especial aos de classe terapêutica, e tudo isso deve ser validado por ensaios de concentração inibitória mínima (MIC).
5) Resistência da cepa ao processamento térmico, ácidos orgânicos e formaldeído. Esse tipo de resistência demonstra a resiliência de uma cepa aos aditivos mais comumente utilizados e à exposição ao calor, seja este no processamento da ração ou mesmo dentro dos silos das granjas.
6) Compatibilidade das cepas com antibióticos promotores de crescimento ou anticoccidianos. Essas moléculas e os probióticos não são antagonistas, em alguns sistemas produtivos de aves essas combinações se fazem necessárias e esse tipo de compatibilidade traz benefícios ao sistema produtivo.
7) Recuperação do probiótico e avaliação de sua viabilidade. Sempre que estiver utilizando um probiótico exija de seu fornecedor a recuperação e avaliação da viabilidade do produto em uso. Esse tipo de avaliação demostra se o investimento que está sendo realizado em um probiótico está sendo entregue de fato aos animais com cepas viáveis que irão germinar e produzir seus efeitos benéficos ao hospedeiro.
De uma forma geral, podemos compreender que na produção avícola há fatores nos quais podemos influenciar e outros que não. Então, devemos atuar de forma eficiente onde realmente podemos trazer benefícios para os nossos planteis. O bom desempenho produtivo das aves se inicia com uma boa saúde intestinal e nós, que estamos à frente da produção avícola, temos o dever de ajudar as aves a formar uma microbiota saudável. Dentre as diversas ferramentas de modulação da saúde intestinal, a classe dos probióticos é a mais versátil com diferentes possibilidades de mecanismos de ação.
A manutenção da saúde intestinal não será resolvida por uma única solução, mas sim por um conjunto de ações e pelo uso de estratégias que suportem os hospedeiros a manter boas condições de higiene e de biosseguridade e, assim, uma microbiota estável.