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Avicultura Industrial Entrevista: "No mesmo patamar", pelo médico-veterinário Marcos Rostagno na edição n°1332

Avicultura Industrial Entrevista: "No mesmo patamar", pelo médico-veterinário Marcos Rostagno na edição n°1332

Por Camila Santos

A avicultura desponta como uma indústria dinâmica, impulsionada por uma demanda sólida e previsões promissoras para os próximos anos. A busca incessante por maior produtividade e eficiência tem estimulado a adoção de avanços tecnológicos, destacando-se a automação e a otimização da cadeia de suprimentos. Nos Estados Unidos, um dos líderes mundiais na produção em grande escala, questões como segurança alimentar, bem-estar animal e sustentabilidade têm ganhado crescente relevância, embora ainda não atinjam o mesmo nível de prioridade observado na União Europeia.

Nesse contexto, a indústria avícola americana tem enfrentado de forma proativa o desafio da redução do uso de antimicrobianos, progressivamente eliminando sua utilização como promotores de crescimento e adotando rótulos como “livre de antibióticos”. O uso cada vez mais frequente de tecnologias alternativas, como aditivos na ração, é evidente. Porém é fundamental que se adote um novo paradigma e modelo de produção para reduzir de maneira eficaz a dependência desses agentes antimicrobianos. Nesse contexto, o Brasil, embora não precise seguir estritamente o modelo norte-americano, pode se beneficiar ao aprimorar a coleta e disseminação de dados de forma mais sistemática e transparente, contribuindo assim para influenciar positivamente a indústria avícola como um todo.

Para falar sobre o mercado avícola estadunidense e fazer um paralelo do brasileiro, convidamos o médico-veterinário Marcos Rostagno, que reside e atua no território norte- americano e que salienta que o “Calcanhar de Aquiles” do setor nos Estados Unidos é a falta de mão-de-obra, que leva à necessidade de automação, mas que, por outro lado, cria oportunidades para profissionais de outros países, como brasileiros, encontrarem espaços no mercado americano. Confira.

Quais são as principais tendências e desafios atuais da avicultura na América do Norte?

Marcos Rostagno – A avicultura é, sem dúvida, uma indústria muito dinâmica, em que  sempre há algo acontecendo, e justamente por isso é fascinante fazer parte dela. A demanda por produtos avícolas é sólida, tem sido assim por muitos anos e as previsões indicam que assim continuará nos próximos anos. Isto faz com que haja uma pressão constante em busca por novas formas de aumentar a produtividade e eficiência. Neste sentido, a busca e adoção de avanços tecnológicos são uma constante, tais como automação e otimização de toda a cadeia de suprimentos e produção, bem como a busca crescente por novas ferramentas de captura e análise de dados. O mercado norte- americano é muito competitivo, e em função disso a produção em grande escala é fundamental, o que inevitavelmente leva a um processo de consolidação. Temos visto este processo em todo o mundo, mas nos Estados Unidos o mesmo tem ocorrido de forma acelerada. Hoje, apenas 5 companhias detêm a produção de mais de 60% e 10 companhias detêm mais de 80% de frangos do país, de um total de pouco mais de 9.3 bilhões de frangos por ano. Esta forte consolidação gera diversos desafios não só para produtores, mas também para toda a cadeia de suprimentos, além de claramente ter implicações na dinâmica de mercado e preços. 

Temas como segurança dos alimentos, utilização de antimicrobianos, bem-estar animal e sustentabilidade têm recebido atenção crescente por parte dos consumidores, o que inevitavelmente gera pressão sobre a indústria avícola. Claramente, ainda não estamos nem perto do foco que estes temas têm na União Europeia, mas é inevitável perceber que quando emergem por lá, em questão de alguns anos se alastram por todo o mundo. O desafio de tratar destes temas consiste no fato de estarem muito atrelados ou mesmo definidos por fatores emocionais, que consequentemente levam a uma visão ou foco distorcido da realidade e das implicações. O consumidor está muito afastado do campo, e consequentemente, da produção, e assim não tem uma percepção clara quanto à realidade dinâmica destes temas na produção animal. Ao mesmo tempo, e complicando a situação, vemos que há muito ruído na mídia, gerando percepções e entendimentos distorcidos da realidade. Este é um tema complexo que poderíamos discutir por um longo período de tempo. Por enquanto, deixo apenas uma visão geral, que espero seja provocativa e gere ponderações.

Um dos maiores e persistentes desafios não apenas para a avicultura, mas também para a produção de outras espécies animais aqui nos Estados Unidos consiste na falta de mão de obra. . Este desafio gera dificuldades na execução de práticas básicas do dia a dia  nas granjas e cria uma necessidade crescente de automatização. Obviamente, esta situação impacta todas as áreas da produção, causando uma atenção menor aos detalhes, principalmente no que diz respeito a práticas simples de manejo. Também tem sido interessante notar como esta situação tem oferecido uma grande oportunidade para que profissionais de outros países (principalmente latino americanos, e em especial, brasileiros) encontrem espaços a serem ocupados. Vejo isto se desenvolvendo rapidamente, e creio que esta tendência vai afetar positivamente a indústria avícola norte-americana, ao longo dos próximos anos.

Como a Influenza Aviária tem impactado a produção de aves na região e quais medidas têm sido adotadas para mitigar seus efeitos?

Marcos Rostagno – O impacto da influenza aviária tem sido significativo, inclusive afetando o preço do frango e principalmente de ovos no mercado. A eutanásia de plantéis infectados obviamente tem gerado impacto, mas existem mecanismos financeiros de suporte aos produtores a fim de evitar maiores consequências. Além disso, a necessidade de quarentena das instalações afetadas também gera impacto financeiro, pois representam investimentos de capital ocioso. Os efeitos negativos são sentidos principalmente na cadeia de oferta de produtos ao mercado, pois criam-se espaços vazios (ou gaps) no fluxo de produção e processamento. Estes impactos obviamente têm um efeito  significativo nos custos de produção, além dos custos adicionais previamente incorridos em função da adoção de medidas de biossegurança mais rigorosas. Tudo isto tem levado a um resultado  negativo nas margens de lucro. Felizmente, estes efeitos não têm sido drásticos, mas são perceptíveis.

Outro aspecto importante diz respeito à ocorrência persistente deste vírus que tem limitado bastante o acesso às granjas, em função das medidas de biossegurança adotadas, principalmente quanto à restrição de visitas. Prestadores de serviços e fornecedores têm encontrado uma barreira significativa para a execução de suas plataformas e trabalhos junto aos clientes.

Apesar de tudo o que tem sido feito, a influenza aviária continua como um desafio persistente para a indústria avícola norte-americana. Felizmente, o impacto da influenza aviária tem sido apenas moderado, pelo menos até o momento. Entretanto, a incerteza paira, principalmente em função da persistência da ocorrência de casos esporádicos em todo o país. Desde o início de 2022, praticamente todas as semanas há confirmação de algum plantel infectado, incluindo reprodutoras, frangos, poedeiras ou perus, mantendo a indústria em constante estado de alerta.

Quais são as principais diferenças entre as diretrizes do uso de antimicrobianos nos Estados Unidos em comparação com o Brasil?

Marcos Rostagno – A área regulatória referente ao tema do uso de antimicrobianos na produção animal é repleta de detalhes e complexidades, principalmente no que diz respeito à sua implementação. Isto gera muita confusão e dificuldade de entendimento. Assim, prefiro não entrar em uma comparação de detalhes minuciosos, o que creio não ser o objetivo aqui. Prefiro apontar algumas diferenças mais amplas e que geram mais impacto. Neste sentido, creio que a principal diferença que poderia apontar entre o processo de redução de antimicrobianos na produção avícola nos Estados Unidos e no Brasil consiste na interação mais próxima entre os órgãos oficiais e a indústria, além da disponibilidade e visibilidade de dados, o que permite avaliar como a indústria está progredindo. A minha opinião é de que estes pontos são críticos para o sucesso de qualquer processo ou programa na indústria de produção animal. Nos Estados Unidos, além de uma abordagem mais colaborativa com a indústria, as agências regulatórias (principalmente, o FDA e o USDA), bem como as associações da indústria e profissionais veterinários desenvolveram sistemas de monitoramento e publicação de relatórios sobre a venda e utilização de antimicrobianos na produção animal. Talvez, este seja o ponto de maior diferenciação em relação ao Brasil, pois há ampla divulgação e acesso aos dados, e consequente visibilidade para quem trabalha na indústria, e também para os consumidores. Estas informações são amplamente disponíveis e permitem acompanhar o progresso realizado ao longo dos últimos anos.

Outro ponto importante a ressaltar é a iniciativa por parte dos órgãos regulatórios norte-americanos, como o FDA, em elaborar e lançar diretrizes e guias para promover o uso prudente de antimicrobianos na produção animal, sem o intuito de simplesmente banir ou proibir, mas sim de uma forma colaborativa e dando um pouco de espaço para que a indústria se adapte gradativamente. Neste sentido, a indústria avícola tem respondido rapidamente, inicialmente eliminando os antimicrobianos como promotores de crescimento, e em seguida criando rótulos, tais como “livre de antibióticos”, “nenhum antibiótico utilizado”, etc. Em função de um cenário altamente competitivo do mercado, as grandes empresas produtoras moveram-se rapidamente no sentido de eliminar o uso de antimicrobianos, especialmente como promotores de crescimento e preventivos. Dados de levantamentos publicados mostram que aproximadamente 60% dos frangos produzidos nos Estados Unidos não tem sido exposto a nenhum antibiótico, e assim comercializados sob diferentes rótulos, conforme mencionado anteriormente. Para se ter uma ideia desta rápida adaptação da indústria, em 2014, apenas 3% dos frangos produzidos estavam nessa categoria. Isto serve para demonstrar claramente como a indústria avícola dos Estados Unidos move-se na direção da utilização de antimicrobianos de forma mais seletiva e estratégica, e atualmente favorece o uso via água de bebida para fins de tratamento e controle, enquanto minimiza ao máximo a administração de medicações via ração.

Como o setor avícola norte-americano tem lidado com a redução do uso de antimicrobianos na produção de aves?

Marcos Rostagno – De modo geral, a indústria avícola norte-americana tem se adaptado relativamente bem à redução do uso de antimicrobianos. Entretanto, é claro que ainda existem desafios, bem como oportunidades para melhorias e avanços. Assim como no Brasil e outros países com uma indústria avícola avançada e relevante, a disponibilidade e uso de outras tecnologias, particularmente aditivos utilizados via ração ganharam muito espaço nos últimos anos, apesar da persistência de um pouco de ceticismo. A adoção destes produtos tem sido gradativa, mas ao meu ver, de uma forma um pouco equivocada, pois tem sido baseada em uma mentalidade simplista, em busca de “soluções mágicas” ou substituição direta dos antimicrobianos, o que ao meu ver está equivocado. Em função desta mentalidade equivocada, o termo “alternativas aos antimicrobianos” tem sido amplamente utilizado. Venho pregando a necessidade desta mudança de mentalidade há muitos anos, infelizmente, sem sucesso. A indústria necessita entender que para realmente reduzir sua dependência dos antimicrobianos é necessário adotar um novo paradigma e aplicar um modelo de produção diferente. Em outras palavras, vejo uma indústria que quer continuar fazendo tudo da mesma forma que faz há muitos anos e simplesmente retirar uma tecnologia (antimicrobianos) e substituí-la por outra (por exemplo, probióticos, prebióticos, simbióticos, postbióticos, ácidos orgânicos, fitogênicos, etc.), sem se adaptar à nova realidade. A consequência é bastante óbvia,muitas falhas, alguns acertos (às vezes, apenas temporários), frustrações pela busca constante de uma nova solução, e ao longo do tempo, já não se sabe mais o que está realmente gerando resultado ou não no sistema de produção.

Sabe-se que antimicrobianos como promotores de crescimento já não geravam resultados positivos (ou efeitos significativos) em boas granjas há muito tempo. O efeito ou benefício principal desta forma de utilização dos antimicrobianos era principalmente devido à sua ação sobre a saúde intestinal. Consequentemente, ao se tentar solucionar este desafio, é fundamental entendê-lo bem, antes de aplicar qualquer intervenção. Mais ainda, é crucial entender o que está causando o desafio e remover o(s) fator(es) causais. Somente após este conhecimento será possível definir qual o modo de ação de uma tecnologia ou intervenção deverá ser aplicada, a fim de promover a eficiência produtiva dos animais. Atualmente temos uma grande diversidade de tecnologias ao nosso dispor (conforme exemplificado anteriormente), mas a maioria dos indivíduos insiste em utilizá-las essencialmente da mesma forma. Como costumo dizer: “produção animal com ou sem antimicrobianos não é melhor nem pior, apenas diferente!”

Conforme discutido anteriormente, a indústria avícola dos Estados Unidos tem sido muito proativa na redução do uso de antimicrobianos em várias frentes, e sem dúvida alguma, está bem adiante da indústria de produção de outras espécies animais, tais como suínos e ruminantes. Pelo contato um pouco mais limitado durante os últimos anos com a indústria avícola brasileira, percebo que o mesmo ocorre, com várias empresas produtoras em estágio bem adiantado no processo de redução de uso de antimicrobianos. Conheço muitos bons profissionais trabalhando neste tema no Brasil, e o progresso se reflete na competitividade da indústria a nível global.

Aproveito a oportunidade para levantar aqui um fato recente e importante que foi o anúncio da Tyson Foods sobre voltar a utilizar antimicrobianos em seu sistema de produção. Primeiro, vale ressaltar que o objetivo de retomar o uso de antimicrobianos inclui, no máximo 80% de sua produção, e não plenamente. Adicionalmente, vale salientar que não se trata de utilizar qualquer antimicrobiano, mas apenas uma categoria específica, denominada como antimicrobianos “não importantes para a medicina humana”, ou seja, essencialmente os ionóforos (monensina, salinomicina, narasina, lasalocid, maduramicina, semduramicina), e ocasionalmente avilamicina e bacitracina, em caso de necessidade por desafio infeccioso (o que sempre ocorreu, não só na Tyson, mas também nas demais empresas de produção avícola). A indústria avícola está acompanhando de perto esta mudança na maior empresa de produção de frangos dos Estados Unidos, esperando para ver se haverá alguma reação por parte dos consumidores, e se esta mudança será permanente ou temporária. É importante esclarecer que enquanto a União Europeia classificou os compostos ionóforos como antiprotozoários/antiparasitários, nos Estados Unidos, o FDA os classificou como antimicrobianos (o que realmente são). Em função desta diferença, estes compostos continuam sendo amplamente utilizados na União Europeia, enquanto nos Estados Unidos o seu uso foi marcantemente reduzido, pois não são permitidos quando o objetivo é a produção livre de antimicrobianos, aliás um rótulo que não existe na União Europeia. Esta diferença gera bastante confusão.

Qual seria a sua sugestão para que o Brasil possa se espelhar no modelo norte-americano em relação à avicultura, considerando a Influenza Aviária e o uso de antimicrobianos?

Marcos Rostagno – Vejo essa pergunta como um tema muito interessante e que me acompanha há muito tempo, desde que iniciei minha carreira profissional nos Estados Unidos. É realmente fascinante observar como os latino americanos têm um complexo de inferioridade, principalmente em relação aos Estados Unidos. Em algumas áreas, podemos sim aceitar que ainda estamos atrasados ou não ao nível que gostaríamos de estar. Entretanto, na área de agribusiness, principalmente na área de produção animal (e neste caso em discussão, de aves e ovos), o Brasil é tão bom quanto, ou mesmo superior em alguns aspectos. No tema da influenza aviária, basta observar como o Brasil é um dos poucos países líderes de produção de aves que ainda não teve um caso de granja comercial positiva até o momento, enquanto a indústria avícola dos Estados Unidos vem enfrentando este problema há anos. Os níveis de produtividade e eficiência da indústria avícola brasileira não deixam nada a desejar, e em muitos casos, é superior aos da maioria dos países produtores de aves, inclusive dos Estados Unidos. Apenas para citar dois exemplos diretamente relacionados aos temas em discussão aqui (mas sem poder expandir muito em detalhes). Sempre fico curioso (e até intrigado…) com a situação frequente com que me deparo, em que  os brasileiros me perguntam sobre a indústria avícola norte-americana, enquanto do outro lado, os norte-americanos frequentemente me perguntam sobre a indústria brasileira. Ou seja, da mesma forma que olhamos para eles, eles olham para nós! Algo que notei logo que iniciei a carreira aqui (ainda na área acadêmica), é a qualidade dos profissionais formados no Brasil (nutricionistas e veterinários), os quais são muito bons, e inclusive (como mencionei anteriormente) têm conseguido se posicionar com bastante sucesso no mercado norte-americano. Isso é prova da capacidade técnica dos profissionais brasileiros. Além disso, a competitividade da indústria avícola brasileira serve como prova disto. Por isso, creio que a indústria avícola brasileira não precisa se preocupar em espelhar ou copiar a indústria avícola norte-americana, mas sim refinar alguns detalhes. Um deles consiste na coleta e disseminação de dados de uma forma mais sistemática e transparente, conforme mencionado em diferentes áreas nesta discussão. Nesta área, os órgãos oficiais e grupos organizados ou associações (por exemplo, da indústria, de produtores, de profissionais, de fornecedores de insumos, tais como antimicrobianos, vacinas, etc.) têm um papel importante no que diz respeito à coleta, proteção e disseminação de dados e informações. Este tipo de abordagem tem um poder de influência muito grande e oferece oportunidades para a indústria. Vivemos na era dos dados e das informações gerados em grande velocidade e volumes, mas se não houver transparência e acesso, o seu impacto será sempre muito restrito a poucos, e a indústria como um todo perde muito se este for o caso. Deixo aqui uma citação interessante que vi recentemente: “A vantagem central dos dados é que dizem algo sobre o mundo que ainda não sabíamos” (Hilary Mason).