O Brasil é um dos principais produtores de carne suína do mundo, ocupando a quarta posição no ranking mundial. Mato Grosso se mantém na quinta posição no ranking nacional, com cerca 141.400 matrizes suínas, o que representa 8,2% do total no Brasil (ABCS, 2016).
Mato Grosso assim como em vários estados do Brasil, a saúde deste rebanho pode estar em risco em decorrência do crescimento da população de suídeos asselvajados como o caso dos javalis (Sus scrofa) e javaporcos (cruzamento com suíno doméstico) que podem causar o recrudescimento de inúmeras doenças com impactos econômicos e zoonóticos.
Os cenários e consequências dessa interação entre populações de suínos de granjas comerciais, com suídeos asselvajados, podem engendrar um verdadeiro caos ao setor produtivo da carne, se por exemplo, considerarmos o contato de javalis e javaporcos com criações comerciais de suínos em regiões onde exista circulação do vírus da Peste Suína Clássica (PSC), ao se infectarem os javalis tornam-se reservatórios do vírus e uma ameaça constante à suinocultura industrial e dificultando significativamente o desafio do programa sanitário de controle e erradicação da doença do serviço veterinário oficial.
A ameaça sanitária pelo contato entre criações domésticas e comerciais com populações asselvajadas tem especial importância quando se trata de doenças transfronteiriças, de notificação oficial internacional o que fatalmente resultará em restrições ao comércio internacional, como Peste Suína Clássica PSC, Peste Suína Africana PSA, dentre outras.
Desde 2009, Mato Grosso não registra nenhum caso de PSC e no caso da PSA, o Brasil é livre da doença, mas sua ocorrência na Europa e Ásia é um alerta para que os países livres da pestilência invistam em vigilância e em biosseguridade das criações comerciais; bem como em controle populacional, monitoramento e vigilância de javalis e javaporcos de vida livre, para detecção e contenção de doenças.
Por outro lado, o atual momento do cenário epidemiológico no qual vivemos a abordagem dos suídeos asselvajados no contexto de One Health ou Saúde Única que trata assuntos referente a integração entre a saúde humana, a saúde animal, o ambiente e adoção de políticas públicas efetivas para prevenção e controle de enfermidades trabalhando nos níveis local, regional, nacional e global, mostra a importância do controle e monitoramento sanitário desses asselvajados, pois estes animais de vida livre podem carrear a introdução de novos patógenos, não usuais na pecuária e mesmo em saúde pública, haja visto que doenças frequentes em suídeos asselvajados são transmitidas para o homem por se tratarem de zoonoses e mencione-se salmonelose, colibacilose, campilobacteriose, triquinelose, toxoplasmose, hepatite, brucelose, leptospirose, dentre outras. Todas com quadro clínico muito variável, podendo ir desde uma condição assintomática, até uma doença fatal.
A presença de javalis e javaporcos – no cenário mato-grossense -, tem tomado grandes proporções e gerado receio na agropecuária. O javali, listado entre as 100 “piores” espécies exóticas invasoras do mundo pela União Internacional de Conservação da Natureza (GISD, 2010), foi introduzido no Brasil desde a década de 1960, principalmente para fins comerciais, e por escape e/ou soltura intencional, retornaram ao ambiente natural. Em vida livre, com a diversidade e abundância de recursos naturais associadas à reprodução descontrolada e à ausência de predadores naturais, essas populações facilmente se estabeleceram, se proliferam e se disseminam pelo território nacional.
A agricultura e a pecuária estão entre os segmentos mais afetados pela disseminação e crescimento populacional dos javalis. Na agricultura, o impacto deletério mais significativo é por predação de lavouras, resultando em prejuízos econômicos significativos, especialmente em lavouras de milho, cana, soja e muitas outras culturas.
Na pecuária, especialmente a suinocultura, os javalis representam uma ameaça sanitária, uma vez que a condição sanitária desses animais é desconhecida e por serem populações de vida livre compartilham habitat e estabelecem variadas formas de contato com diferentes espécies animais, ficando exposto à transmissão de patógenos. Como os javalis são os “ancestrais” do suíno doméstico, são da mesma espécie, o estímulo reprodutivo ocorre e aumenta a chance de contato entre as populações asselvajadas e suínos domésticos, o que possibilita a transmissão de patógenos/doenças entre essas populações.
Nesse sentido, com a finalidade de colaborar com informações técnicas quanto a investigação da condição sanitária dos suídeos asselvajados, tanto na questão ambiental, como também com foco na questão econômica da suinocultura, a Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA, Associação dos Criadores de Suínos de Mato Grosso – Acrismat, Instituto de Defesa Agropecuária de Mato Grosso – INDEA, Embrapa Suínos e Aves e Controladores de fauna cadastrados junto ao Ibama, concentram esforços nas ações conjuntas para manejo de javalis e javaporcos no estado de Mato Grosso, conforme prevê o Plano Nacional de Prevenção, Controle e Monitoramento do Javali (Sus scrofa) no Brasil (Plano Javali), publicado pela Portaria Interministerial MMA/Mapa nº 232, de 28 de junho de 2017.
A linha de pesquisa do projeto de mestrado em ciência animal pelo discente Marcos Antonio Patricio Zarzenon (INDEA), sob orientação do professor titular Dr. João Garcia Caramori Júnior (UFMT) contempla o manejo populacional, vigilância e monitoramento de javalis e javaporcos conforme Instrução Normativa do Ibama nº 3, 31/01/2013, alterada pela nº 12, de 25 de março de 2019, as quais dispõem sobre as condições para realização do abate para controle populacional da espécie pela sociedade civil, gerando conhecimento, informações e ativos de inovação de aplicação direta pelos órgãos oficiais, quais sejam MAPA e INDEA, além de segmentos sociais envolvidos e/ou atingidos pela bioinvasão dos javalis.
Por fim, os resultados da pesquisa vão beneficiar tanto as comunidades locais, que têm na criação de suínos uma alternativa de fonte alimentar e de renda, quanto a suinocultura industrial nacional, que mantém sua competitividade no mercado internacional diretamente relacionada à qualidade e à confiança conferidas pelos controles sanitários executados pelo serviço veterinário oficial.