Historicamente, apesar de diversas manifestações oficiais e do mercado quanto às vicissitudes do gás natural, encontramo-nos ainda engatinhando em relação ao potencial de sua utilização. Vivemos um monopólio, de fato, tanto em relação à sua produção quanto ao seu transporte até as distribuidoras regionais (em geral, uma em cada estado da Federação). Este ambiente torna o uso do gás natural propício apenas aos grandes utilizadores, com o uso mais marcante representado pela geração de energia elétrica em instalações de grande porte. Este cenário pode e deve ser alterado.
No momento em que o governo se prepara para lançar uma nova política para o gás natural, é necessário trazer para o debate alguns pontos pouco frequentes nas agendas públicas, que podem aprimorar o uso deste vetor energético e, verdadeiramente, criar um mercado para o mesmo.
O gás natural é conhecido como o “combustível da transição” por ser menos poluente que os demais combustíveis fósseis (petróleo e carvão), antecedendo a maior penetração de fontes renováveis na matriz de consumo de energia.
Diante do enorme crescimento da produção de gás natural nos Estados Unidos, graças ao gás de xisto (shale gas), observa-se ali uma dinâmica de substituição e eliminação de combustíveis fósseis líquidos e sólidos, combinando-se eficiência energética, ganhos ambientais e aperfeiçoamento de diversos processos produtivos, levando a melhores produtos. Por exemplo, na petroquímica moderna, onde o gás natural é um insumo fundamental, é notável o movimento de instalação de novas indústrias e o retorno ao país de outras, todos atraídos por energia abundante, de custo competitivo e menores impactos ambientais. O impacto desta conjuntura sobre a paisagem energética mundial é enorme
No Brasil, no entanto, a chamada Lei do Gás não foi capaz de criar um mercado dinâmico, onde agentes de diferentes interesses pudessem produzir, consumir, importar e dar uso eficiente e eficaz a este insumo, de maneira diversificada e capilar. O que se vê é um uso concentrado em geração termelétrica de grande porte, operando apenas em certo períodos do ano, levando, inclusive, a importações de gás natural liquefeito (GNL) a preços elevados. Em outros momentos, há sobra, que não pode ser usada, pois não há um mercado secundário ágil e capaz de absorver tal montante. Tampouco não possuímos rede de gasodutos para alcançar pontos de potencial consumo.
Melhor uso teria o gás natural caso, além da finalidade de geração de energia de grande porte, este fosse utilizado como elemento de interesse social, no seu sentido mais amplo.
Explicando melhor: seu uso intensivo nas grandes metrópoles, de forma descentralizada, contribuiria para reduzir a vulnerabilidade urbana dos sistemas elétricos e viários, e em suporte a estes.
A intensificação do transporte coletivo a gás natural, notadamente nos corredores de trânsito rápido, e a geração urbana de eletricidade a frio (cogeração, onde a eficiência é ao menos 30% maior do que a da geração em grandes termelétricas), podem representar melhoria ambiental significativa e maior segurança no suprimento, principalmente em regiões altamente adensadas. No Rio de Janeiro, por exemplo, estamos deixando passar a oportunidade de termos, no Porto Maravilha e nas instalações esportivas, plantas de cogeração a gás, dando suporte e complementando os sistemas elétricos existentes.
Numa nova política para o gás natural, o governo federal deve buscar reduzir a importância da grande geração termelétrica, menos eficiente e prejudicada por uma rede de gasodutos incipiente diante das necessidades do país. Em contrapartida, deve incentivar e privilegiar a geração descentralizada, em segmentos urbanos já possuidores de grandes redes de distribuição e com a necessária capilaridade de atendimento.
Isto seria possível com incentivos à utilização do gás nacional e a importação de GNL (nosso maiores centros de consumo estão localizados junto à costa), uma política de preços realista e adequações técnicas pontuais.
Caso isto aconteça, o gás natural estará em seu devido lugar.