Os biocombustíveis ainda representam uma oportunidade para o Brasil exercer sua capacidade de liderança global no setor de energia renovável. Mas o país precisa ter a África como parceira para promover o aumento da escala de produção e o comércio internacional de etanol da cana-de-açúcar. E, antes, é preciso superar obstáculos internos à implementação de uma política de energia limpa. As mudanças na política externa brasileira nos últimos anos – em que a África deixou de ser prioritária –, somadas às decisões sobre o controle de preços dos combustíveis no Brasil e à queda da cotação do petróleo, contudo, têm reduzido a capacidade de o país exercer essa liderança global e atingir os objetivos de sua “diplomacia do etanol” – como ficou conhecida a política lançada durante o primeiro governo Lula (2003-2006) e quase que abandonada a partir de 2009, depois da descoberta do pré-sal, voltada a promover a produção de biocombustíveis, especialmente o etanol, no mundo.
A avaliação foi feita por pesquisadores do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Etanol – um dos INCTs financiados pela FAPESP e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) – e do Centro de Processos Biológicos e Industriais para Biocombustíveis (CeProBIO), também apoiado pela FAPESP, em colaboração com colegas da University of Leeds e da University College London, da Inglaterra. O estudo foi publicado na revista Global Environmental Politics.
“Durante o final do segundo governo de Fernando Henrique Cardoso [1999-2002] e início do primeiro governo Lula houve uma intensificação das relações diplomáticas e econômicas entre o Brasil e os países do continente africano, mas que arrefeceram durante o primeiro governo Dilma [2011-2014]”, disse Marcos Buckeridge, coordenador do INCT do Bioetanol e um dos pesquisadores do CeProBIO, à Agência FAPESP.
“As mudanças de direção na política externa brasileira – em que as relações com a África praticamente foram abandonadas –, seguidas pela crise econômica e a decisão do país em apostar no petróleo com a descoberta do pré-sal, tornaram os objetivos da diplomacia do etanol mais distantes”, avaliou.
De acordo com os pesquisadores, o Brasil tem uma longa tradição na produção de biocombustíveis, com base na produção de etanol de primeira geração proveniente da cana-de-açúcar.
Consequentemente, o país tem desenvolvido conhecimento científico e tecnológico para o melhoramento de cana e produção de etanol.
Esse conhecimento poderia ser difundido para outros países por meio de transferência de tecnologia, intercâmbio de melhores práticas e investimentos no setor privado.
Dessa forma seria possível transformar o Brasil em um líder mundial em bioenergia e criar um mercado global de biocombustíveis – com diversos países não apenas consumindo, mas também produzindo combustíveis renováveis –, que representam os objetivos centrais da “diplomacia do etanol”.
“O continente africano é vital para que o Brasil consiga realizar essas ambições da ‘diplomacia do etanol’ porque possui condições climáticas e agrícolas favoráveis e disponibilidade de terra para o plantio de cana”, afirmou Buckeridge.
“A replicação do modelo de produção do etanol brasileiro em savanas africanas, por exemplo, representaria uma oportunidade de o Brasil demonstrar sua liderança e aumentar sua visibilidade, posicionando-se de forma estratégica em um mercado global emergente e criando oportunidades para expansão do setor de bioenergia”, avaliou o pesquisador.
Mudanças de planos
Em razão do papel crucial da África, o país procurou estabelecer uma série de parcerias bilaterais com nações africanas a partir dos anos 2000, assim como parcerias trilaterais, envolvendo a União Europeia e os Estados Unidos.
Durante o governo Lula, foram assinados acordos para produção de biocombustíveis com países africanos, como Egito, África do Sul, Libéria, Quênia, Zimbábue, Angola, Sudão e Malawii, onde a produção de biocombustíveis tem avançado mais.
No entanto, condições climáticas desfavoráveis, combinadas com a crise econômica global em 2008 e políticas adotadas pelo governo Dilma – que, para controlar a inflação, nivelou os preços da gasolina e do diesel e cortou impostos da gasolina, mas não do etanol –, fizeram com que o setor sucroenergético brasileiro mergulhasse em uma crise.
Consequentemente, houve uma diminuição no entusiasmo por biocombustíveis também na África nos últimos anos, apontaram os autores da pesquisa com base em uma série de entrevistas feitas com integrantes da cadeia de biocombustíveis no Brasil, África e União Europeia.
“Quando se começou a abandonar o etanol no Brasil e a privilegiar o petróleo, a partir da descoberta do pré-sal, diminuiu a confiança dos africanos que começaram a procurar novos parceiros, como a União Europeia”, disse Buckeridge.
Perspectivas
Algumas das principais conclusões dos pesquisadores são que o Brasil dispõe de recursos materiais e científicos para exercer uma liderança global na promoção de biocombustíveis.
A situação interna e as restrições orçamentárias do país, entretanto, têm limitado a capacidade dos atores dos setores público e privado de se envolver em ações relacionadas a biocombustíveis no exterior.
“O Brasil continua sendo líder em biocombustíveis e tem um potencial enorme de exercer uma liderança global nessa área. Mas essa liderança é ameaçada por questões domésticas”, avaliou Buckeridge.
A liderança brasileira em biocombustíveis nos últimos anos foi comprometida pela mudança significativa na percepção internacional dos combustíveis renováveis e pela dinâmica da política e da economia global, apontam os autores.
“Para o Brasil alcançar sua meta de liderança global na arena de biocombustíveis um primeiro passo vital será reconsolidar sua visão doméstica sobre esse tema. Isso permitiria ao país aproveitar as inovações tecnológicas em biocombustíveis avançados, que poderiam mudar a maré em relação aos combustíveis renováveis no cenário internacional”, estimam.