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Biocombustível

Biocombustível de 2ª geração está na rampa de decolagem

Trata-se do etanol lignocelulósico, mais facilmente entendido como etanol do bagaço da cana.

Biocombustível de 2ª geração está na rampa de decolagem

Na fronteira entre a ciência aplicada e a produção comercial efetiva, o Brasil tem poucos destaques. O etanol certamente é o mais conhecido internacionalmente. E o país tem tudo para se destacar também na segunda geração desse biocombustível renovável. Trata-se do etanol lignocelulósico, mais facilmente entendido como etanol do bagaço da cana.
Como na década de 1970, quando o álcool chegou às ruas no Brasil, nos últimos anos também vários centros de pesquisas com apoio financeiro privado – desta vez inclusive de players mundiais – estão desenvolvendo tecnologias de produção do carburante mais avançado.

No estágio atual, os trabalhos se concentram em tornar mais eficiente e barata a produção do etanol do bagaço. Mais produtivo que o outro ele é porque as fibras contêm maior teor de açúcares do que no xarope tradicional, segundo a unanimidade dos especialistas, porém sua produção ainda esbarra nas características da lignocelulose: composto químico muito “duro”, que precisa ser “quebrado” em escala industrial.

“O processamento industrial já é conhecido, mas agora precisamos aperfeiçoar a metodologia para torná-lo mais barato”, explica a pesquisadora Maria Aparecida Silva, da Faculdade de Engenharia Química da Unicamp. O que poderá dar as respostas econômicas em caso positivo das buscas científicas, o que já é vislumbrado a curto prazo por empresas e unidades de pesquisas como o Centro de Tecnologia Canavieira (CTC).

Mesmo com a euforia brasileira com o futuro do Pré-Sal, bem como novas descobertas pelo mundo, o petróleo continuará sendo caro e sempre sujeito a um choque de preços por conta das crises políticas internacionais.

O biocombustível de segunda geração chegará ao consumo partindo da mesma base produtiva da cana de açúcar, portando sem necessidade de aumento da área plantada, e ainda sem concorrer com o etanol convencional, que é extraído do xarope. Extraído do bagaço e até da palha, também não concorre com a produção de açúcar (também do xarope), produto que acaba priorizado pelas usinas quando a demanda internacional é alta e os preços internos do etanol estão baixos. No máximo a concorrência direta é com o uso da fibra para geração de energia elétrica.

E essa segunda matriz energética a partir da mesma biomassa, ajudaria a atenuar a queda da produção de combustível limpo quando da quebra de safras por motivos climáticos, como acontece em vários ciclos agrícolas.

Do ponto de vista ambiental, as respostas são mais óbvias: mais combustível limpo em oferta, barateando consequentemente os preços e, assim, menor consumo da poluente gasolina, além de não havendo necessidade de aumentar as plantações, menos terras serão incorporadas em áreas que ainda podem estar sujeitas a desmatamentos, por exemplo.

No Laboratório Nacional de Ciência e Tecnologia do Etanol (CTBE), em Campinas, há parâmetros que apontam para um incremento de até 40% na produção brasileira de álcool carburante se o etanol celulósico estivesse em operação. Lá está em operação uma usina demonstração, ao custo de R$ 69 milhões, com verba do Ministério da Ciência e Tecnologia, a qual o CTBE pertence, BNDES, Fapesp-Bioen e setor privado.

Há quase 150 quilômetros dali, em São Carlos, o físico da USP, Igor Polikarpov, cujo laboratório integra uma rede de 50 instituições européias, aponta ganhos na geração de etanol de segunda geração de mais de 50%.

A atenção internacional dada aos pesquisadores brasileiros há anos é acompanhada por grandes companhias. No caso do Departamento de Termofluidodinâmica, liderado pela professora Maria Aparecida Silva, da Engenharia Química Unicamp, a petrolífera Shell deposita recursos generosos nas pesquisas, com segredos guardados a seta chaves como manda esses acordos de cooperação universidades e iniciativa privada.

Na corrida para “quebrar” a lignocelulose da fibra cada unidade busca uma rota tecnológica. Das rotas tecnológicas mais estudadas, a mais eficaz, até agora, é a hidrólise enzimática, ou seja, fazer as enzimas processarem a matéria-prima final, ou seja, a lignocelulose.

Ocorre que as enzimas criadas pelas empresas de bioctecnologia – a dinamarquesa Novozymes é um delas – são caras e é preciso muitas para que haja maior produtividade.

“Cada pesquisa busca um caminho, uma solução, com base em conhecimentos consolidados ou novos”, exprime Cristiane Sanchez Farina, da Embrapa Instrumentação. A engenheira química, em conjunto com a Universidade de Cambridge, na Inglaterra, diz que “descobrimos” uma enzima considerada eficiente na degradação dos açúcares do bagaço de cana. Mas os trabalhos continuam. Também com recursos de uma petroleira internacional, cujo nome é mantido em sigilo.

A Dedini foi uma das pioneiras no setor privado. A tradicional fabricante piracicabana de equipamentos para processamento de cana evoluiu até a fase de uma usina em escala demonstrativa (5 mil litros), com apoio do CTC, num movimento típico de antecipação de demanda. O projeto travou porque a rota tecnológica por hidrólise ácida se mostrou de certa forma poluente (os rejeitos) e também pelo custo, bem acima dos R$ 0,90 pagos à epoca, em média, na porta da usina pelo etanol convencional.

O CTC, localizado em Piracicaba, e que pertence a um consórcio de várias usinas de cana e álcool, de uma planta piloto com capacidade para mil litros de etanol pela via enzimática anunciou recentemente a implantação de uma planta industrial, na cidade de São Manuel, também no interior de São Paulo, com capacidade para 3 milhões de litros anuais, cuja fase pré-comercial deve começar em 2014.

Outras iniciativas de âmbito comercial previstas apontam para a Odebrecht Agroindustrial, que junto com a dinamarquesa Inbicon, do grupo Dong Energy, se prepara também para a produção do biocombustível. A Raízen, uma sociedade entre a Cosan e a Shell, prevê para o final de 2014 a inauguração de sua primeira unidade industrial de etanol 2G no Brasil. A Petrobras optou pelo desenvolvimento de uma tecnologia própria e quer ter o etanol 2G nos seus postos de combustível em 2015. A petrolífera já utilizou o álcool celulósico para abastecer as minivans utilizadas para transporte na Rio+20.

Mas ainda em termos de parâmetros comerciais viáveis, o perfil dos projetos não atende satisfatoriamente. Atualmente, o mercado fala em um custo de R$ 1,10 por litro do etanol mais avançado, sendo que o ideal é de R$ 0,80, mais ou menos alinhado com o custo de geração do etanol de primeira geração. Além do custo do processamento, também incide investimentos para adaptações nas plantas industriais.

Em paralelo, outras biomassas vão sendo estudadas. Na Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz, da USP, em Piracicaba, o Departamento de Genética, comandado por Carlos Alberto Labate, extrai o etanol de segunda geração da biomassa do eucalipto.

As opções em aberto, diante da experiência acumulada, levam ainda ao biodiesel da cana, que a Algar Biotecnologia, empresa 100% nacional (Grupo Ecogeo), desenvolve em parceria com a Universidadena Federal de São Carlos (UFSCar), através da equipe do professor Reinaldo Gaspar Bastos. Custo do projeto: R$ 3,24 milhões injetados pelo BNDES e Finep, R$ 200 mil do CNPq e mais quase R$ 400 mil da própria Algar.

Em termos de diesel limpo, já está no mercado o Biofeno, produto da Amyris, a multinacional americana de biotecnologia, que escolheu Campinas como sede para pesquisa do produto desenvolvido nos Estados Unidos. Lá, foi com o milho, no Brasil com a cana. A BR Distribuidora, da Petrobras, é parceira no negócio, junto com a Cosan, e com recursos do BNDES já está pronta uma planta industrial em sociedade com a São Martinho, em Pradópolis (SP).

Nessa teia de pesquisadores acadêmicos e privados envolvidos diretamente na produção dos biocombustíveis do futuro, independente do estágio que cada pólo avança, há a sustentação de pesquisas interdisciplinares. No Laboratório de Genômica, do Instituto de Biologia da Unicamp, a genética molecular desenvolvida pelo professor Gonçalo Guimarães Pereira estuda as leveduras com maior capacidade de fermentação, que podem substituir as enzimas tradicionais. A ETH Bioenergia, do Grupo Odebrachet, está lá dentro com equipe própria estudando o tema com a equipe acadêmica.

Na Esalq, o principal centro de excelência agrária do País, também se estuda a chamada cana energia, isto é, uma cana com mais teor de açúcar, que se aplicada comercialmente poderá sustentar não apenas o etanol convencional como também o de celulose.

Embora nessa panorâmica os recursos globais destinados – de governos, instituições e empresas – são bem aquém das vultuosas somas empregadas nas pesquisas nos Estados Unidos, envolvendo o biocombustível de segunda geração de milho, é do Brasil que as respostas são esperadas.