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Biometano

Covid acelera transição verde na Scania

Montadora fecha venda do 50º caminhão a GNV ou biometano

Covid acelera transição verde na Scania

Enquanto na Europa são os governos que impõem a agenda de sustentabilidade no transporte, no Brasil essa transformação está nas mãos do setor privado. Matrizes de multinacionais da indústria e do varejo fazem pressão para que os produtos que fabricam e vendem no país sejam transportados em caminhões cada vez menos poluentes. Este ano a Scania começou a produzir veículos a gás que permitem o uso de biometano – feito a partir de resíduos de aterros sanitários ou de produtos agrícolas. E transportadoras que atendem empresas como L’Oréal, Nestlé, Unilever e Carrefour aumentaram os pedidos desse tipo de caminhão em plena pandemia.

A direção mundial da Scania tem notado que essa é uma tendência mundial e, segundo o vice-presidente global de operações comerciais da montadora, Mathias Carlbaum, a covid-19 acelerou o processo. “A pandemia mostrou um pouco a forma como estávamos tratando o mundo, chamou a atenção para as cidades sem trânsito e nos levou à conclusão de que esse é o mundo que queremos.”

Para Carlbaum, a consciência sobre “qual giro o mundo vai tomar” tem levado as empresas a “investir na transição verde” e a uma aproximação, na Europa, entre governos e setor privado para alcançar metas ambiciosas de redução de poluentes.

Ao mesmo tempo, o aumento das vendas de caminhões menos poluentes no Brasil mostra que “essa é a globalização de verdade”. “É papo furado dizer hoje que na O poder das multinacionais é determinante nesse processo. A RN Express, uma transportadora paulista, encomendou  primeiro modelo da nova linha de caminhões a gás da Scania na Fenatran, feira do setor realizada um ano atrás e, desde então, comprou mais seis. As sete carretas transportarão produtos da L’Oréal, Nestlé e da Nespresso.

Hoje, a Scania anunciará a venda do 50º caminhão da nova linha, que permite uso de GNV ou biometano, para frotas de empresas como a Pepsico – gigante do segmento de alimentos e bebidas, que ficou com a maior quantidade (18 unidades) – e a transportadoras que prestam serviço a companhias desse porte. A TransMaroni adquiriu onze unidades para atender clientes como Carrefour e JBS.

““A pressão certamente vem de fora [matrizes das companhias]”, afirma Rodrigo Navarro, proprietário da RN, empresa que fundou há 24 anos e que, agora, ele quer transformar numa transportadora especializada em atender clientes que não se importam em pagar mais por um transporte mais sustentável. O caminhão a gás custa 30% mais que um convencional a diesel. Em termos de poluentes, o GNV emite 15% menos dióxido de carbono enquanto que no biometano, a redução chega a 90%.

As empresas reconhecem que seu tamanho é fator de pressão. “Uma líder do segmento de beleza, com 1,5 bilhão de consumidores em 150 países tem elevado nível de responsabilidade nas mudanças clímáticas”, afirma a diretora de sustentabilidade da L’Oréal Brasil, Maya Colombani. Com passagens pela Europa, Índia e no Brasil há dez anos, a executiva francesa, que se diz apaixonada pela Amazônia, afirma que embora isso “não seja moleza, não”, o transporte no Brasil precisa ser transformado.

Segundo a executiva, a L’Oréal tem usado o biometano no transporte de seus produtos e já está em contato com os fornecedores para que eles sigam a mesmo caminho. A filial brasileira, diz, alcançou redução de 23% nas emissões de CO2 por produto em 2019, indo além da meta do grupo, de 20%. A empresa tem planos de atingir a nova meta de redução de 50% até 2030 por meio de parceria com fornecedores. Para ela, embora a visão e as metas sejam globais, as soluções são locais. Daí a escolha pelo gás. Para Carlbaum, enquanto na Europa, caminhões elétricos representam o único caminho para atender às normas de emissões, no Brasil o uso do biogás em veículos comerciais poderá ser a ponte até a chegada da eletrificação. “É uma grande oportunidade”, diz. A Scania prepara-se para começar a produzir na China, um dos países que mais estimulam o uso de veículos movidos a eletricidade.

A transição energética, diz Carlbaum, ganhou força com a recente declaração da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que defendeu a redução das emissões de gases do efeito estufa em 55% até 2030 em relação aos níveis de 1990. A meta atual é 40%.

Tempos atrás, diz o executivo, poderia surgir um lobby para evitar a mudança. Mas atitudes como essa são cada vez mais improváveis. Além disso, a busca por alternativas energéticas, destaca, transformaram-se em perspectivas de investimentos para recuperar a atividade na Europa, onde a infraestrutura clássica está consolidada.

Para Carlbaum, a agenda ambiental pode não ser um fator decisivo em eleições presidenciais em grandes potências, como os Estados Unidos neste ano. “Mas certamente será daqui a quatro”, afirma. Assim também como, destaca, o Brasil não poderá abandonar a liderança no desenvolvimento de biocombustíveis.

Há um ano, Carlbaum, esteve no Brasil e disse ao Valor que investidores tenderiam a afastar-se de empresas que não se importam com o meio ambiente e os jovens evitariam trabalhar nelas. Hoje ele tem a certeza disso. Inclusive, saiu de uma reunião com a direção mundial do grupo, nesta semana, como um dos líderes incumbidos de identificar quem são os dois ou três novatos na Scania que chegaram a manifestar não ter a certeza de estar no lugar certo.

“O presidente da companhia nos deu ordem de ter mais contato com essas gerações e identificar se não estamos fora de contexto”, diz.

om excelente fluência no português, idioma que aprendeu em diferentes épocas em que viveu no Brasil, quando jovem e, posteriormente, a trabalho, o executivo sueco não tem dificuldade sequer para encontrar na memória a palavra bagaço.

Aliás, ele conhece bem o vocábulo dos tempos em que diz ter “pisado na terra vermelha” de algumas regiões do Brasil e aprendido que aquele resíduo de plantação pode se transformar em fonte de energia.