Fonte CEPEA

Carregando cotações...

Ver cotações

Biocombustível

Etanol: a nova evaporação de um sonho

Crise no setor do etanol ameaça uma dos mais promissores projetos brasileiros. Incerteza de oferta e o aquecimento da demanda estremecem estrutura do grande plano.

A inédita elevação dos preços do etanol nas bombas dos postos brasileiros em plena colheita da safra da cana, que ocorre anualmente entre abril e novembro, causou surpresa e desconforto aos consumidores. Evaporou-se novamente o espaço do etanol nos tanques de combustível dos automóveis do país, a exemplo do que ocorreu no final dos anos 1980, com o fracasso do Proálcool, quando os preços do petróleo despencaram no mercado internacional e o governo simplesmente abandonou o programa e seus milhões de adeptos. Em 1984 os veículos movidos a álcool representavam 94,4 % do total de veículos em circulação pelo Brasil; em 1994, apenas 1 %.

O etanol é um produto de baixo carbono por captar dióxido de carbono da atmosfera, quando do processo de fotossíntese na formação dos canaviais. Em 2010 a Environmental Protection Agency – EPA, maior autoridade ambiental dos Estados Unidos, classificou o etanol de cana como um biocombustível avançado, com redução de emissões em relação à gasolina de 61% a 90% (para efeitos comparativos, a redução de emissões com o etanol do milho varia de 20% a 30%).

Por muito tempo o governo brasileiro propagou de forma ufanista os pontos positivos do etanol, como suas vantagens ambientais sem prejudicar a oferta de alimentos ou invadir florestas, além da possibilidade de atender boa parte da crescente demanda mundial. Mas o produto perde participação na matriz energética brasileira desde 2010. A sociedade civil organizada deve expelir toda a força de sua silenciosa energia para cobrar ações de breve restauração do fantástico programa brasileiro de biocombustíveis junto às autoridades e à cadeia produtiva da cana.

Em perspectiva de longo prazo, o desempenho da indústria sucroalcooleiro brasileira é deveras positivo. Em meados da década de 1990, com a liberação dos preços, a indústria livrou-se das históricas amarras intervencionistas governamentais, para desenvolver-se de forma mais harmoniosa. A produtividade de etanol por hectare de cana duplicou de 1970 para cá. Atualmente o preço real do etanol é cerca de 30% a 40% do daquela década. Grandes petroleiras como BP, Shell, Petrobras e Total investem forte no setor.

O automóvel é uma das grandes paixões do ser humano, proporciona senso de total liberdade, status e prazer. O mundo da energia tem olhos bem atentos para o etanol da cana brasileiro. Todavia todas as grandes montadoras mundiais de veículos desenvolvem projetos e linhas de montagem de carros elétricos e híbridos. O Brasil sequer tem políticas públicas para esse setor e recentemente retomou os estudos para a elaboração de um marco regulatório para desenvolver o incipiente mercado interno de carro elétrico. Em quatro anos apenas 71 carros elétricos e/ou híbridos foram licenciados no país.

Circulam pelo mundo cerca de 3 milhões de carros elétricos/híbridos, sendo 1milhão de carros novos só em 2010. O Japão já responde por 70 % das patentes na área e o governo brasileiro está paralisado, por conta de proteger seu mercado com o carro flex. A Petrobras parece não ser favorável a ter a concorrência de um sistema de transportes completamente diferente do atual modelo, baseado no motor a combustão, movido a gasolina, diesel ou etanol.

Thomaz Edison afirmou em 1907 que em poucos meses chegaria ao mercado veículos baratos, com custo de manutenção quase inexistentes e movidos a eletricidade, por meio de um bateria recarregável que ele aperfeiçoou. Um dos maiores desafios da humanidade é saber qual será o formato do carro do futuro e em quanto tempo o protótipo terá escala comercial, devido principalmente aos enormes interesses envolvidos. Já está em curso mundo afora uma verdadeira revolução nos propulsores de veículos. Criar a fonte de energia limpa, renovável, abundante e barata é o sonho de todo gênio que estuda e pensa o futuro da mobilidade humana.

O Brasil assiste de forma impassível a acirrada corrida tecnológica mundial em busca de um modelo competitivo que vai dominar o transporte individual do futuro próximo. Em 2011 o presidente dos EUA Barack Obama assinou um acordo com as maiores montadoras de veículos do mundo, onde estas se comprometeram a dobrar a eficiência de consumo de combustível de automóveis e pick-ups até 2025. Enquanto o orçamento norte-americano para Ciência e Tecnologia em 2011 é de R$ 136,1 bilhões, o brasileiro é de míseros R$ 7,3 bilhões – ou seja, o país pavimenta tímidas estradas políticas de mão única para comer poeira dos concorrentes já muito à frente.

Mas o que de fato está acontecendo no mercado brasileiro de etanol? No mês de julho de 2011 o consumo foi 33 % inferior ao consumo do mesmo mês em 2010. Já o consumo de gasolina cresceu 15 % no mesmo período comparativo. O país está abstêmico contra a sua vontade e o meio ambiente de ressaca, por tamanha queima da poluente gasolina. Os consumidores, ébrios de insatisfação, fazem entediantes contas para ver que produto colocar em seus autos.

A freada nos investimentos do setor sucroalcooleiro, após o revés sofrido com a crise mundial de 2008, interrompeu o sucesso do etanol brasileiro, uma experiência vista como modelo de sucesso no mundo inteiro. As previsões de produção para as próximas safras são pessimistas e pelo menos em um horizonte de três a cinco anos, a diferença de preços entre a gasolina e o etanol não estarão tão vantajosas em favor do derivado de cana, como ocorreu nos últimos cinco anos. A incerteza de oferta e o aquecimento da demanda estremeceram a estrutura de um grande plano.

O avanço da cana na matriz energética brasileira ocorreu em consonância com um otimismo generalizado no setor, que propiciou a construção de 112 usinas entre 2005 e 2010. Com 20 novas usinas inauguradas por ano a partir de 2005, aquele momento se caracterizou pela abundância de capital barato e novos entrantes com pouca experiência no setor . Em 2008/2009, auge dos investimentos, foram 30 novas usinas em operação. Na safra 2009/2010, porém, esse número já caiu para 19. Para a safra 2011/2012, são esperadas apenas cinco unidades – a fonte evaporou!

O problema é estrutural e tem origem em 2006, quando a expansão mal planejada provocou excesso de oferta, deprimiu os preços do açúcar e do etanol e fez com que as usinas começassem a ter dificuldades para saldar dívidas. Nesse ano houve um aumento muito grande do investimento no setor sucroalcooleiro. Empresas novas entraram no mercado, endividaram-se para implantar suas unidades e quando o dólar subiu e o crédito secou, ainda maturavam seus investimentos. Algumas quebraram, outras foram compradas. Grandes grupos entraram no setor comprando empresas em dificuldade e dessa forma o mercado foi-se consolidando.

A crise financeira mundial chegou em 2008 e atingiu principalmente as empresas que mais investiram. A falta de investimentos, os enormes encargos de dívidas contraídas e a forte queda na receita da indústria em 2008 e 2009 fizeram com que cerca de um terço do setor entrassem em dificuldades e passassem por forte reestruturação financeira e/ou societária. A falta de crédito fez as usinas escoarem grandes volumes de etanol a baixos preços para se capitalizarem. Distribuidoras e os postos repassaram a queda de preços e o consumo do etanol hidratado aumentou significativamente, mas com baixas remunerações para toda cadeia de comercialização.