Um levantamento realizado pela primeira vez revela a adoção de mais de 11 mil unidades da fossa séptica biodigestora, tecnologia simples desenvolvida por pesquisadores da Embrapa e voltada ao saneamento básico rural. A fossa foi adotada em mais de 250 municípios brasileiros, nas cinco regiões do País, gerando benefícios para 57 mil pessoas. Realizado pela Embrapa Instrumentação (SP), o levantamento abrange as tecnologias instaladas pela rede de parceiros institucionais, como poder público, e organizações da iniciativa privada e do terceiro setor.
A fossa séptica biodigestora pode ser integrada a outras tecnologias de saneamento também de fácil instalação: o clorador Embrapa e o jardim filtrante [https://www.embrapa.br/web/portal/busca-de-noticias/-/noticia/2531358/esgoto-domestico-rural-se-transforma-em-adubo-organico], este destinado ao tratamento de águas de pias e ralos da casa e do efluente tratado pela própria fossa séptica. Ao substituir as fossas negras, essas tecnologias de saneamento protegem a saúde dos moradores do campo geralmente não atendidos por redes de esgoto. Do mesmo modo, elas promovem a proteção ambiental ao evitar que dejetos contaminem solo e corpos d’água.
Impactos sociais, econômicos e ambientais
De acordo com o coordenador do levantamento, o engenheiro civil da Embrapa Instrumentação Carlos Renato Marmo, as 11.502 Fossas Sépticas Biodigestoras instaladas beneficiaram uma população aproximada de 57.500 habitantes em todo o Brasil. Marmo, que possui mestrado em Saneamento, destaca que a população beneficiada é muito maior, pois o saneamento básico apresenta impactos não só no campo como também nas cidades, já que as fontes de água e os mananciais estão na zona rural.
A ausência de saneamento básico apresenta consequências na qualidade de vida, na saúde, na educação, no trabalho e no ambiente, conforme relata o estudo realizado pela pesquisadora da Embrapa Cinthia Cabral da Costa, e pelo professor da Universidade de São Paulo (USP) Joaquim José Martins Guilhoto. Eles demonstraram que a construção do sistema de saneamento básico proposto pela Embrapa poderia reduzir, anualmente, cerca de 250 mortes e 5,5 milhões de infecções causadas por doenças diarreicas. Comprovaram também que cada R$1,00 investido na adoção dessa tecnologia poderia retornar para a economia R$4,69.
Baseado em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2013, Marmo esclarece que na área rural do País vivem cerca de 30 milhões de habitantes, sendo que menos de 50% dessa população tem acesso a sistemas de coleta ou tratamento de esgoto adequados.
Para o presidente do Instituto Brasil, Édison Carlos, soluções para pequenas comunidades são sempre bem-vindas. “Esse trabalho realizado pela Embrapa é muito importante para amenizar a situação”, mas argumenta que ainda é pouco para a enorme necessidade do Brasil.
Embora criadas respeitando o conceito de sustentabilidade, baixo custo, fácil aplicação e replicabilidade, as tecnologias de saneamento ainda possuem um enorme potencial para adoção em todo o País. Dos 5.570 municípios do território nacional, 4,45% adotaram as tecnologias sociais. O levantamento sinaliza que o acesso aos serviços de saneamento básico na área rural ainda é um dos principais desafios para vencer a crise sanitária que afeta a qualidade de vida e a saúde de milhares de pessoas no campo.
O pesquisador da Embrapa Wilson Tadeu Lopes da Silva acredita que o modelo da Fossa Séptica Biodigestora é o ideal para substituir a tradicional fossa negra, muito comum na área rural e responsável pela contaminação das águas subterrâneas. “Esse sistema biológico necessita de poucos insumos externos para que se obtenham resultados adequados, é simples, de baixo custo e de eficiência comprovada na biodigestão dos excrementos humanos, com eliminação dos agentes patogênicos”, afirma.
Destaque no Sudeste
O resultado do levantamento aponta que o percentual da população que mais se beneficiou com as tecnologias sociais está concentrado em estados da região Sudeste, onde o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é maior, como São Paulo com 0,783 e Rio de Janeiro com 0,761. A escala do índice vai de 0 (pior) a 1 (melhor) representando uma medida concebida pela Organização das Nações Unidas (ONU) para avaliar a qualidade de vida e o desenvolvimento econômico de uma população
O presidente acredita que falta foco no problema e mais atuação de todas as instâncias governamentais para universalização do saneamento básico, não só na área urbana, mas também na zona rural do País.
De acordo com o estudo, a região Sudeste concentra o maior número de tecnologias instaladas: 9.445 ou 88,1% do total. Só os estados do Rio de Janeiro e São Paulo instalaram juntos 7.847, ou seja, 68,3%. São Paulo, com uma população rural de quase 1,7 milhão de habitantes (IBGE 2010), é o estado com o maior número de municípios a adotar o sistema de saneamento básico rural. Dos 645 municípios, 63 instalaram 3.760 unidades da Fossa Séptica Biodigestora.
Mas é o Rio de Janeiro o estado que, proporcionalmente, mais adotou a Fossa Séptica Biodigestora. Em 37 municípios, o total instalado foi de 4.087, o que atende a um pouco mais de 3% dos quase 526.000 habitantes da área rural fluminense. No Município de Cambuci, 58% da população de 3.535 habitantes adotaram a tecnologia; é o que mais concentra unidades da Fossa Séptica Biodigestora: 409, seguido por São Francisco do Itabapoana com 309 fossas instaladas.
A força da parceria
A Constituição Federal determina que os municípios são os responsáveis pelas ações de saneamento básico. No entanto, ainda são poucas as ações públicas locais que atuam na incorporação das tecnologias, com políticas que visem à universalização do sistema de saneamento básico na área rural. Diante dessa situação, a Embrapa Instrumentação contou com o apoio de diversos parceiros para o financiamento e a execução de projetos de instalação das tecnologias de saneamento básico desenvolvidos pela Empresa.
Três instituições, a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral do Estado de São Paulo (Cati), a Fundação Banco do Brasil e o Programa Rio Rural (RJ), foram responsáveis por 92,5% do total de tecnologias instaladas no Brasil. Além dessas, outras 15 instituições parceiras espalhadas pelo Brasil atuaram em projetos para instalação majoritária da Fossa Séptica Biodigestora, do Clorador Embrapa e do Jardim Filtrante.
Metodologia
A coleta de dados, principalmente, em instituições parceiras foi realizada durante os três primeiros meses de 2016, e foi apoiada em pesquisas na rede mundial de computadores, censos populacionais do IBGE, contatos com associações de agricultores e outras fontes. O levantamento quantitativo, no entanto, não reflete o total de tecnologias instaladas, considerando o grau de dificuldade para identificar todos os usuários que adotaram o sistema.
As tecnologias são de cunho social e de domínio público. A Embrapa apenas orienta a instalação e disponibiliza informações para a montagem https://www.embrapa.br/busca-de-publicacoes/-/publicacao/908011/perguntas-e-respostas-fossa-septica-biodigestora, por meio de sua página na internet ou contatos via “Fale conosco” da Embrapa.
Irrigação de macadâmia
Destinada ao tratamento do esgoto doméstico, a primeira unidade foi instalada, em 2001, na Fazendinha Belo Horizonte, no Município de Jaboticabal (SP), onde o adubo orgânico gerado pela Fossa Séptica Biodigestora é utilizado para irrigar os 6.500 pés de noz macadâmia. O pomar produz anualmente cerca de 70 toneladas de macadâmia em casca, que são destinadas ao mercado brasileiro.
Paula Santana, proprietária da Fazendinha Belo Horizonte, diz que o principal benefício que a tecnologia trouxe para a propriedade, que instalou mais quatro unidades, uma em cada casa das cinco existentes na propriedade, foi a eliminação das chamadas fossas negras e, em segundo lugar, a geração de efluente tratado como um excelente adubo orgânico. “A fossa séptica é um excelente recurso para preservar o meio ambiente das propriedades rurais. Tem baixo custo de instalação, fácil manutenção e, de sobra, produz um ótimo adubo líquido”, afirma.
Fossa Biodigestora
A Fossa Séptica Biodigestora foi desenvolvida pelo médico-veterinário Antonio Pereira de Novaes, falecido em 2011, e segue os princípios dos biodigestores asiáticos e das câmaras de fermentação de ruminantes, como os bovinos. Assim como no estômago multicavitário do animal, a tecnologia também é composta de vários tanques de fermentação, onde o esgoto doméstico − fezes e urina − passa pelo tratamento anaeróbio, tornando-o apto para uso como fertilizante agrícola a ser aplicado no solo.
A montagem de um conjunto básico da tecnologia, projetado para uma residência com cinco moradores, é feita com três caixas d´água de 1.000 litros (fibrocimento, fibra de vidro, alvenaria, ou outro material que não deforme), tubos, conexões, válvulas e registros. A tubulação do vaso sanitário é desviada para a Fossa Séptica Biodigestora.
As caixas devem ficar semienterradas no solo para que o sistema tenha um isolamento térmico e, assim, não ocorram grandes variações de temperatura. A quantidade de caixas deve aumentar proporcionalmente ao número de pessoas na família. Assim, a ciência conseguiu recriar um ambiente simples, funcional, estético e sustentável, de custo relativamente acessível.
Desafios para a adoção
Apesar dos milhares de sistemas instalados, muito ainda deve ser feito para que se chegue à universalização do saneamento básico no Brasil. Está sendo discutido o “Programa Nacional de Saneamento Rural”, conduzido pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa) e pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de onde se espera seja estabelecida uma estratégia nacional de ações.
Esse trabalho é parte integrante do “Plano Nacional de Saneamento Básico” (Plansab), que visa a ações e políticas voltadas ao saneamento básico para até o ano de 2033. Representantes da Embrapa têm participado de diversos fóruns de discussão sobre o tema.
Atualmente a Embrapa está cooperando com ações envolvendo a instalação de fossas, em várias regiões do Brasil. O trabalho, além das instalações em si, visa a embasar e fortalecer políticas públicas que ajudem a universalizar o acesso aos serviços de saneamento básico.
“Enquanto isso, a implementação das soluções tecnológicas continuará dependendo de projetos localizados regionalmente, muito importantes, mas descolados de uma estratégia integrada no nível nacional”, comenta Wilson Silva da Embrapa.