Em tempos de pré-sal e de um Brasil autossuficiente em relação à produção de petróleo, desde 2006, a discussão sobre a importância dos biocombustíveis tem andado em marcha relativamente lenta. No entanto, a preocupação ambiental e o fato de o combustível fóssil ser finito levanta a questão sobre a relevância de se investir em salto de qualidade tecnológica na área de energia sustentável. O Brasil, de 1975 a 1989, teve o Programa Nacional do Álcool (Proálcool ) para coordenar e estimular a produção e o uso do etanol carburante, e mostrou o poder e a expertise do país para gerar uma fonte de energia alternativa.
Com o know-how brasileiro foram construídas destilarias, as quais transformaram o excedente da produção de cana-de-açúcar em etanol, hidratado e anidro. O anidro é hoje usado como aditivo na gasolina, sem necessidade de qualquer modificação nos motores dos veículos. Na época, em meio à crise do petróleo, o Proálcool fez diminuir a dependência das importações, além de favorecer a indústria açucareira, pela alternativa da produção, depois da queda do preço do açúcar, em 1974.
“O problema é que, de 2000 até agora, o volume produzido de etanol evoluiu lentamente, sendo superado pelos Estados Unidos (veja gráfico), que, hoje, produz o dobro do Brasil”, destaca o professor José Domingos Fabris, vice-coordenador do programa de pós-graduação em biocombustível da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), em Minas Gerais.
Para suprir demandas nessa área, que exige conhecimento avançado e especialistas com know-how em pesquisa e desenvolvimento, a UFVJM, em Diamantina, e a Universidade Federal de Uberlândia (UFU) estão oferecendo o primeiro curso de doutorado em biocombustível do Brasil. O programa de pós-graduação também inclui o mestrado acadêmico, que é mais comum no país. A iniciativa é um sopro a mais na área científica, na medida em que vai formar talentos para desenvolver pesquisas necessárias para o avanço da tecnologia.
José Domingos e o coordenador do programa, Alexandre Soares dos Santos, exaltam a iniciativa das duas universidades (UFVJM e UFU), que surgiu de uma extensão dos trabalhos de pesquisa e cooperação entre elas. “O Brasil tem abundância de luz, calor, terra e água e pode produzir muito biocombustível líquido (biodiesel mais etanol)”, destaca José Domingos. O curso vem justamente para ajudar a preencher o vazio existente de desenvolvimento científico e tecnológico para a cadeia de produção de biocombustível.
Na avaliação de José Domingos, é urgente que o investimento em biotecnologia não fique vinculado à cana-de-açúcar e encontre alternativas no amido (mandioca, batata, beterraba, inhame etc.) e na celulose (o chamado etanol de segunda geração, produzido a partir de material celulósico, como madeira e restos culturais agrícolas, ou resíduo da linha industrial, como palha e bagaço de cana ou capim), além do desenvolvimento de processos tecnológicos industriais, fundamentais para baixar o custo da produção.
“O álcool de celulose é uma grande saída. O entrave é a falta de domínio suficiente de etapas críticas da tecnologia, na escala industrial. É importante investir e valorizar a pesquisa.” No entanto, José Domingos reconhece o impasse. “Não é fácil formar um acervo adequado de conhecimentos que levem rapidamente a tecnologias inovadoras para a indústria dos biocombustíveis. Qualquer avanço mais significativo requer investimento contínuo em pesquisas, científica e tecnológica, acompanhado por formação de especialistas para começar a trabalhar produtivamente. E isso leva tempo”, pontua. Segundo ele, antes da época do Proálcool, já existiam as usinas de açúcar, que foram aproveitadas para também produzir o etanol. “No caso da cana-de-açúcar, há um sistema agrícola funcionando. De qualquer modo, a matéria vegetal precursora dos biocombustíveis vem da agricultura empresarial ou familiar. É mais complexo do que a produção do petróleo, por ter mais variáveis em jogo”, acrescenta.
A principal questão é que “os biocombustíveis disputam os mesmos materiais precursores dos alimentos humanos. A máquina mecânica e biológica (humana) necessita de combustíveis, para realizar funções muito parecidas em seus efeitos, como movimentar-se ou tracionar objetos. E ambas dissipam calor”, lembra o vice-coordenador da pós-graduação. A época é relevante para a discussão da ampliação da produção de biocombustíveis. Ela vem atrelada a outra discussão internacional sobre a mudança do clima e a tentativas do aumento da produção de energias renováveis, com consequente diminuição de emissão e do acúmulo, na atmosfera, do dióxido de carbono liberado por combustíveis fósseis, como o petróleo ou o carvão. Como o Brasil apresenta condições naturais (luz, calor) favoráveis aos biocombustíveis, é preciso que tome a frente para se tornar, no futuro, líder seja do biodiesel ou do etanol no mercado internacional. “A competitividade é a garantia de futuro para o Brasil, nesse setor energético.”
Minas – Para abarcar todas essas questões nasceu o programa bi-institucional de pós-graduação, constituído por associação ampla entre a UFVJM e UFU, inicialmente recomendado com conceito 4 pelo Conselho Técnico-científico da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), em sua 134ª reunião, em março de 2012. O objetivo é formar recursos humanos qualificados para multiplicação e aplicação de conhecimento relacionado à área. Além de estimular o desenvolvimento de pesquisas e tecnologias para a produção de biocombustíveis, bioenergia e insumos químicos derivados de biomassa verde.
O programa, por sua aproximação com a pesquisa tecnológica, tem como principal repositório de desafios acadêmicos e tecnológicos as demandas em energia. Por razões de inserção geográfica e pelo destacado potencial na produção de biocombustíveis, no cenário nacional, Minas será importante foco de ações. O estado é hoje o segundo maior produtor de cana-de-açúcar do Brasil e tem recebido investimentos vultosos para a expansão da área canavieira. Desde 2008, Minas ultrapassou o Paraná em área de cana-de-açúcar colhida e se mantém em segundo lugar (São Paulo lidera), até os registros de 2011 (veja gráfico).
Nesse cenário, a UFVJM, com área de abrangência nos vales do Jequitinhonha e do Mucuri e no Norte do estado, e a UFU, com atuação no Triângulo Mineiro, dispõem de campo de trabalho abundante no contexto das biomassas energéticas. Sem falar do diversificado parque industrial mineiro, também rico em setores que demandam pesquisa e desenvolvimento na área de energia da biomassa. No Norte de Minas, em Montes Claros, a Usina de Biodiesel Darcy Ribeiro, a maior do estado, é foco de disseminação e promoção de atividades agroindustriais, voltadas para os biocombustíveis.
O Triângulo Mineiro concentra várias usinas sucroalcooleiras e outras tantas de biodiesel. Minas tem se preparado para receber indústrias de biorrefinaria e biotecnologia, e muitas empresas, de capital nacional ou estrangeiro, vislumbram o estado como local adequado para instalação de empresas de base tecnológica, principalmente relacionadas com os setores de alcoolquímica, sucroquímica, oleoquímica, e mesmo a implantação de tecnologias emergentes, como o etanol de segunda geração.