O rascunho do projeto de lei pelo qual o governo pretende implementar a reforma do marco legal do setor de gás natural, o texto do substitutivo do PL 6.407, de 2013, de relatoria do deputado Marcus Vicente (PP-ES), gerou divergências entre os principais segmentos do mercado do energético no país.
O principal ponto de discordância do documento, apresentado esta semana a integrantes do Ministério de Minas e Energia (MME) e representantes de entidades do setor, prevê que a definição dos critérios de migração para o mercado livre de gás seja de âmbito federal, a cargo da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), retirando poder dos governos estaduais, donos de parte das distribuidoras de gás do país.
“A ANP deverá estabelecer o conteúdo mínimo dos contratos de comercialização, bem como a vedação a cláusulas que prejudiquem a concorrência”, diz o texto. A proposta, defendida pelo governo e pela indústria, é criticada pelas distribuidoras, que entendem que, pela Constituição, a regulação do mercado e, portanto, a definição dos critérios do ambiente livre são de alçada dos Estados.
“Ele [o projeto] estabelece que a ANP deverá definir os critérios para que um consumidor se torne livre, o que invade a competência estadual. Provavelmente isso seria considerado inconstitucional. A Constituição estabelece que a regulação do serviço de gás canalizado compete aos Estados”, diz o advogado Antonio Luis Ferreira, sócio do escritório Schmidt Valois, que representa a Associação Brasileira das Empresas Distribuidoras de Gás Canalizado (Abegás).
Segundo o superintendente da Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro (Abividro), Lucien Belmonte, porém, há convergência muito grande no setor no sentido de que o modelo de comercialização de gás no mercado livre seja de âmbito federal. Nessa linha, explicou que o entendimento é que a competência estadual é específica para comercialização de gás natural residencial.
Para Lívia Amorim, especialista em gás e energia do escritório Souto Correa Advogados, a liberalização do mercado de gás é fundamental para o sucesso da reforma do marco legal. “O sucesso do modelo de entrada e saída está relacionado, em grande medida, à existência de um número relevante de agentes trocando. Por isso, a liberalização do mercado se torna ainda mais importante”, afirmou.
Segundo o diretor da ANP José Cesário Cecchi, que tomou posse no cargo ontem, o projeto tem um potencial de judicialização “um pouco elevado”. Ele, porém, preferiu não entrar em detalhes sobre os pontos de maior controvérsia. “Não sabemos ainda o que vai ser encaminhado ao Congresso”, afirmou, após a cerimônia de posse.
Nessa linha, o presidente da Abegás, Augusto Salomon, acredita que o substitutivo vai gerar insegurança jurídica. “O mercado inteiro estava esperando um documento que ampliasse a oferta de gás, os investimentos da indústria e o aumento da capacidade de produção local. Mas foi apresentado um documento que vai gerar quebra de contratos, risco de investimentos e insegurança jurídica”.
Já o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), o economista Adriano Pires, disse que, com o projeto, o Brasil perde a terceira oportunidade de atrair investimentos e criar um mercado de gás robusto. “A primeira oportunidade perdida foi em 1997 com a Lei 9.478, a da abertura do mercado de petróleo, que tratou o gás como se fosse gasolina ou diesel e não como uma fonte primária de energia. A segunda foi em 2009, quando, no segundo governo Lula, se aprovou a Lei do Gás, que acabou por promover um maior intervencionismo e aumento do poder de monopólio da Petrobras, causando grande decepção no mercado”.
As partes envolvidas terão cerca de uma semana para tentar um acordo. Os agentes poderão enviar contribuições para o projeto até quarta-feira. A partir dessa data, serão analisadas as sugestões e a versão final do projeto será levada a votação na Comissão de Minas e Energia da Câmara de Deputados. Se passar na comissão, a medida será encaminhada ao plenário e, caso seja aprovada, ao Senado. Por fim, passará pela sanção presidencial. A meta do governo é ter o novo marco legal em vigor até o fim do primeiro semestre de 2018.
A perspectiva do secretário de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis do MME, Márcio Félix, era que cerca de 90% dos pontos convergentes que saíram do trabalho “Gás para Crescer” estariam presentes no texto substitutivo. Em ocasiões anteriores, o secretário explicou que o governo optou por implementar a reforma do setor dessa forma por já haver o substitutivo em elaboração na Câmara, sendo desnecessário começar um projeto da estaca zero.
Segundo uma fonte do mercado, contudo, com essa estratégia o governo também visa reduzir o desgaste político com descontentamentos ocasionados pela medida. “Como ainda há conflitos [com relação ao projeto], eles [governo] não quiseram colocar nas costas do governo o custo político”, disse.