Especialista em energias renováveis, o engenheiro elétrico professor da Universidade de Ciências Aplicadas de Colônia, na Alemanha, Ingo Stadler fez as contas. Tecnicamente, daqui a sete anos o mundo poderia viver sem queimar combustíveis fósseis. Porém, a equação também precisa levar em conta variáveis políticas e econômicas. Neste caso, admite, é difícil acreditar que investimentos feitos em exploração de petróleo, por exemplo, serão abandonados em tão pouco tempo, apesar das desvantagens ambientais, entre elas as Emissões de gases-estufa. Para incentivar as fontes renováveis de energia, Stadler defende a redução de taxas de importação para geradores eólicos e solares de energia, além da criação de linhas de financiamento voltadas para a aquisição destes equipamentos.
O especialista – que faz parte do Conselho da Conferência de Dubrovnik para o Desenvolvimento Sustentável de Sistemas Energéticos, Hídricos e Ambientais, e atua no Conselho Científico da Conferência Internacional de Armazenamento de Energias Renováveis – veio ao Rio de Janeiro há duas semanas. Ele fez uma palestra na concessionária de energia elétrica Ampla sobre os benefícios do uso dos painéis fotovoltaicos. A viagem foi organizada pela Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ), entidade alemã de cooperação internacional que atua no Programa Energia Brasil-Alemanha.
– Quais são os maiores desafios para aumentar a participação das energias renováveis no Brasil e na Alemanha?
Ingo Stadler – Acho que são realidades bem distintas. Para começar, vocês já têm mais de 80% de geração hidroelétrica. Na Alemanha, temos cerca de 25% de fontes renováveis. A segunda diferença é que as hidroelétricas brasileiras podem contar com seus grandes reservatórios de água. Isso é uma forma de estocar energia. Na Alemanha, dependemos mais das energias eólica e solar, que são mais difíceis de estocar. Por outro lado, consumimos muita energia na Alemanha, mas a nossa tendência é de queda de demanda. No Brasil, cuja economia está em desenvolvimento, este consumo deverá crescer muito. Por fim, vocês têm grande potencial tanto eólico quanto solar, que poderá ser usado para complementar as hidroelétricas, que poderiam economizar a água das suas barragens. Por isso, o Brasil está num ponto de partida melhor do que o da Alemanha, na minha opinião.
– Como investir em energias renováveis sem abrir mão da segurança energética?
Ingo Stadler – Não é um bom caminho abrir mão da produção de energia hidroelétrica, que, no Brasil, pode continuar sendo muito importante. Para ampliar a oferta de energia, é muito bom poder contar com novas fontes renováveis, como solar e eólica. Além disso, não concordo totalmente com os que consideram estas fontes como não seguras. Temos várias ferramentas para gerenciar a produção energética. Os sistemas de previsão meteorológica são capazes de informar com bastante precisão e alguns dias de antecedência qual será a incidência de ventos e de sol. Assim, na Alemanha, podemos ligar ou desligar as usinas a gás, dependendo da situação. No caso brasileiro, as hidroelétricas poderiam ser ligadas ou desligadas da mesma maneira, dependendo das condições climáticas que influenciam a produtividade das turbinas de vento e dos painéis solares.
– No mundo ideal, podemos definir a matriz energética perfeita?
Ingo Stadler – Posso falar da realidade alemã. Temos cerca 5% de energia hidroelétrica, menos sol e vento do que o Brasil, mas contamos com ambas as fontes. Nossas simulações apontam para uma matriz com 50% de eólica, 40% de solar e o resto de hidroelétrica e Biomassa.
– E as fontes não renováveis?
Ingo Stadler – Elas estão acabando. Teremos a energia nuclear até 2022. Também teremos alguma coisa de carvão, mas as discussões sobre o seu uso são grandes. A indústria ainda dependerá do carvão por algum tempo, mas a pressão sobre suas Emissões têm crescido.
– É possível produzir energia para um país abrindo mão dos combustíveis fósseis?
Ingo Stadler – Sim, é perfeitamente possível. Nossos estudos mostram que isso será viável. Claro, será preciso estocar energia. Para isso, podemos aproveitar melhor o hidrogênio, que pode ser armazenado. Além disso, será necessário eletrificar processos; a expansão dos carros elétricos é um exemplo disto. Este é o futuro que estamos vendo pela frente, baseado em fontes renováveis. Nossos cenários mostram que será tecnicamente possível viver sem combustíveis fósseis daqui a sete anos. Porém, não acredito a matriz energética mundial mude neste prazo. Outros problemas retardam esta mudança. Existem diferentes forças na sociedade. Ainda há grandes investidores colocando muito dinheiro em velhas formas de produzir energia.
– E qual seria a matriz de energia ideal para o Brasil?
Ingo Stadler – Não poderia dizer em percentuais exatos, mas é fato que nenhum outro país tem uma posição de partida melhor do que a do Brasil quando falamos numa matriz energética livre das fontes sujas. Além da grande produção hidrelétrica, há muito potencial solar e eólico. Isto sem falar na enorme fonte de Biomassa. Vocês já dirigem carros com biocombustíveis, como o etanol. Mesmo não sendo totalmente limpo, é um passo muito além, sobretudo quando comparado ao caso europeu, cujos motoristas são completamente dependentes do petróleo. Além disso, os biocombustíveis podem gerar eletricidade em situações em que não houver sol ou ventos.
– Como aumentar a participação da energia eólica e solar no Brasil?
Ingo Stadler – Para início de conversa, a energia eólica já consegue preços melhores do que a hidroelétrica. Portanto, nem precisamos discutir isso, que já não é mais uma questão. Se olharmos para a solar, temos que observar alguns aspectos técnicos e econômicos. O Brasil é um dos melhores países para investir em energia solar. Mesmo no Sul do país, há muito mais sol do que na Alemanha. A geração solar também pode ser barata, mas é preciso consolidar essa indústria. Quando se importa os componentes, há muitos impostos. Isso faz a geração solar mais cara no Brasil. Por outro lado, o sistema solar não tem custos operacionais: o sol é de graça. Então, com o uso, o sistema vai se tornando mais viável ao longo do tempo. Por isso, deveriam ser criadas linhas de financiamento para incentivar o uso das placas solares, que se pagam em longo prazo. Isso já é feito em países europeus. Em termos tecnológicos, o Brasil dispõe de uma situação ideal. Mas em termos econômicos, ainda não.
– Mais pessoas poderiam ter placas solares em casa se contassem com bons financiamentos e políticas de incentivo?
Ingo Stadler – Sim. Acredito que a redução das taxas de importação pode ter efeito imediato. Assim como o financiamento pode encorajar as pessoas a investirem em energia solar.
– Para aumentar sua produção de energia, o Brasil está investindo até mesmo em usinas de carvão. Como o senhor analisa esta opção por fontes poluidoras?
Ingo Stadler – A principal questão é definir a política energética que deve ser adotada. Além do preço de produção, ela precisa levar em consideração as consequências ambientais. Não é sustentável produzir energia a partir do carvão. E é possível aumentar a participação das fontes renováveis. O Brasil dispõe de muito sol e vento, que deveriam ser explorados antes de optar pelas fontes não renováveis.