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Biorrefinarias

Petrobras se reposiciona em biocombustível

Estatal vai vender usinas, mas aposta em projetos de biorrefinarias para produzir diesel verde

Petrobras se reposiciona em biocombustível

De saída da produção de biodiesel, após prejuízos bilionários no setor, a Petrobras quer se reposicionar no mercado de biocombustíveis. Depois de se aventurar em projetos sem retorno financeiro, na agroindústria, a estatal aposta, agora, nasbiorrefinarias. A bola da vez é o diesel renovável (ou diesel verde), produzido a partir do coprocessamento de petróleo com óleos vegetais nas refinarias. A companhia já concluiu os testes e se diz pronta para investir na escala industrial do produto e, assim, entrar na competição com as tradicionais usinas de biodiesel.

Falta, contudo, fechar a equação econômica. Nesse sentido, a Petrobras mira com atenção a regulamentação do diesel verde, aberta pela Agência Nacional do Petróleo (ANP). A petroleira defende que o produto seja enquadrado como um biocombustível e, assim, possa gerar créditos de descarbonização — os Cbios, que as distribuidoras de combustíveis são obrigadas a comprar, dentro de metas assumidas no programa RenovaBio.

Além disso, a Petrobras quer que os percentuais de mistura obrigatória de biodiesel ao diesel (hoje de 12%, mas que será de 15% em 2023, chamado de B15) possam ser cumpridos também com o uso do novo produto. Assim, seria possível atender ao B15 usando parte o biodiesel convencional e parte o diesel verde. Sem uma regulamentação favorável, a estatal não vê como colocar o projeto de pé, já que a matéria-prima (óleo vegetal) é mais cara que o diesel.

“Produziremos em larga escala, assim que houver o reconhecimento [do diesel verde] no cumprimento do mandato de biodiesel… É importante que os créditos de Cbio sejam oferecidos também para o diesel verde, para que também eles possam se tornar competitivos. [A regulamentação] é, hoje, o ponto mais relevante para seguirmos”, disse a diretora de refino e gás da Petrobras, Anelise Lara, em evento on-line, em julho.

Ao abrir o debate, a ANP propôs que o diesel verde e biodiesel não poderão competir entre si. Ou seja, mesmo que o novo produto seja adicionado ao diesel, as companhias terão que continuar, obrigatoriamente, a colocar 12% de biodiesel na mistura final. A discussão, agora, será aberta ao mercado. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) já reconheceu, em nota técnica, que, dadas as características físicoquímicas semelhantes às do diesel de origem fóssil, o diesel verde pode ser usado tanto para deslocar o diesel mineral quanto o percentual dedicado ao biodiesel.

Usineiros contestam

Os produtores de biodiesel endossam a proposta da ANP e reforçam que o diesel verde e o biodiesel não devem competir entre si. “O diesel mineral responde, hoje, por 88% da mistura (diesel B). Não faz sentido haver competição entre produtos renováveis, enquanto o diesel gera emprego no exterior [já que o país é importado do derivado] e polui mais. O diesel renovável tem que ser objeto de um programa novo [de desenvolvimento]”, afirma o economista-chefe da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), Daniel Amaral.

A União Brasileira do Biodiesel e Bioquerosene (Ubrabio), por sua vez, defende que o marco regulatório do diesel verde deve ser vinculado ao do bioquerosene de aviação, já que ambos são produzidos dentro do mesmo processo. Como possui um mercado consumidor menor, o bioQAV teria mais facilidade de ser viabilizado em escala, se produzido junto com o diesel renovável. A Ubrabio também argumenta que o diesel verde deve substituir parte do percentual do diesel, e não do biodiesel, na mistura final. Segundo a associação, biodiesel e diesel verde são moléculas diferentes e envolvem custos e estruturas de produção com características próprias.

Os usineiros alegam também que a concorrência com o diesel verde muda a regra do jogo para empresas que assumiram investimentos na expansão da capacidade, dentro das regras vigentes. A Abiove reforça, ainda, que o programa nacional de biodiesel foi construído nas últimas décadas reconhecendo os benefícios sociais da cadeia produtiva.

“O biodiesel vem de uma cadeia produtiva longa que inclui a integração com a agricultura familiar. É um produto que tem um aspecto social diferente. São 62 mil famílias de pequenos agricultores envolvidas. Além disso, trata-se de uma estrutura do mercado de biodiesel que permite uma ampla concorrência”, comentou Amaral.

Qualidade

O presidente da Federação Nacional do Comércio de Combustíveis e de Lubrificantes (Fecombustíveis), Paulo Miranda, afirma que o reposicionamento da Petrobras é uma tentativa da estatal de evitar perder mercado para o biodiesel, no longo prazo, a medida em que os percentuais do biocombustível sobem ano a ano. Hoje, o B12 desloca, sobretudo, diesel importado.

A maior fornecedora de óleo diesel do país é a Petrobras. Com o aumento dos percentuais do biodiesel ao diesel, a Petrobras chegou à conclusão de que pode perder uma fatia do mercado e começou a acelerar o desenvolvimento do diesel verde, ao ver no mercado uma demanda por mais qualidade”, afirmou Miranda.

Revendedores, distribuidoras e fabricantes de caminhões têm manifestado preocupação com a qualidade do biodiesel. Segundo Miranda, transportadoras se queixam com frequência do entupimento de bicos injetores nos veículos. Já os postos relatam problemas nas bombas e mais trabalho com a limpeza de tanques, depois que o teor de biodiesel foi elevado.

O Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP) destacou que reconhece no diesel verde uma oportunidade de uso de combustíveis renováveis de qualidade superior e defende que a regulamentação do produto “deve endereçar corretamente sua elegibilidade ao programa Renovabio”.

Dentre as distribuidoras, o diretor de operações da Ipiranga, Francisco Ganzer, disse que é preciso simplificar as regras e estimular mecanismos de mercado, em detrimento de “artificialismos regulatórios”, para garantir a liderança do Brasil nos biocombustíveis. “É preciso proporcionar mais liberdade aos agentes de mercado, não apenas para regular oferta e demanda, mas também para que seja possível um ambiente com mais investimentos em inovação, melhoria de produtividade, qualidade e novas tecnologias”, disse.

A Abiove rebate, alegando que cada elevação da mistura de biodiesel no diesel foi antecedida de testes exaustivos e validados por toda a cadeia. O consultor técnico da entidade, Vicente Pimenta, afirma que o biodiesel é um “produto robusto” e que problemas no desempenho também passam, muitas vezes, pela falta de manutenção dos equipamentos pelos usuários.

Em meio às queixas, a Abiove lançou este ano um selo de qualidade para o biodiesel, o Bio+, para atestar produtores que estejam em conformidade com as especificações técnicas da ANP e das fases futuras do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve).

Produtos diferentes

A aposta no diesel verde se dá num momento em que a Petrobras se prepara para sacramentar sua saída do biodiesel, por meio da venda da Petrobras Biocombustíveis. Criada em 2008, a PBIO acumula prejuízos de R$ 2,4 bilhões(incluindo negócios de etanol). No embalo das  políticas de desenvolvimento regional do governo Lula para o Norte e Nordeste, a companhia chegou a se aventurar no cultivo de dendê e mamona. Dessa vez, ela aposta numa rota tecnológica mais familiar: o refino.

Diesel verde e biodiesel são produtos diferentes e que usam rotas tecnológicas diferentes. O biodiesel convencional é produzido pelo processo de transesterificação (reação de triglicerídeos presentes nos óleos vegetais ou gorduras animais com álcool, na presença de um catalisador). Depois de pronto, é misturado ao diesel.

Já o diesel verde da Petrobras prevê o uso do óleo vegetal dentro do próprio processo de refino. A companhia processará o óleo de soja junto com correntes de petróleo na unidade de hidrotratamento (utilizada para eliminação de impurezas dos combustíveis) para obtenção de diesel com teor renovável. A ANP vai regulamentar outras rotas de produção do diesel renovável, dentre as quais a fermentação do caldo de cana e o gás de síntese proveniente de biomassa.

No caso dos testes da Petrobras na refinaria Repar (PR), em julho, a empresa processou 2 milhões de litros de óleo de soja. A companhia conseguiu produzir 40 milhões de litros do diesel renovável, com 5% de teor renovável. Segundo a Petrobras, o diesel verde emite 70% menos gases de efeito estufa que o diesel mineral e 15% menos que o próprio biodiesel — que leva metanol no processo produtivo. Além disso, o hidrotratamento remove os contaminantes que causam os entupimentos de filtros, bombas e bicos.

A ideia da petroleira é produzir o diesel verde nas refinarias já existentes, por meio de pequenos ajustes, e, no futuro, construir unidades dedicadas ao bioquerosene  de aviação e diesel renovável. Segundo o especialista em desenvolvimento de novos produtos da Petrobras, Ricardo Rodrigues, produzir diesel verde nas refinarias atuais exigira pequenos ajustes, como a instalação de tanques de recebimento de óleo vegetal e bombas de transferência. “Não são investimentos grandes”, disse.

Novo momento

O projeto do diesel verde não é novo. Empresas como a Neste Oil e Honeywell, por exemplo, já produzem o combustível no exterior. No Brasil, o projeto da Petrobras está engavetado há anos. Ainda em 2006, o então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, já havia visitado os primeiros testes industriais e declarado, na ocasião, que a tecnologia era uma “revolução de grandeza incomensurável para o século XXI”. Passados quatorze anos desde então, a Petrobras está confiante de que o momento é propício para avançar com o projeto.

Rodrigues conta que os primeiros testes com as novas tecnologias de motores em veículos pesados mostram que o biodiesel tem sido pouco eficiente para fazer frente aos limites mais rígidos de emissões, o que demandará novos produtos. “O diesel verde é a única forma de o agronegócio aumentar sua participação no ciclo diesel, porque estamos chegando ao limite do que é possível fazer em termos de mistura do biodiesel com o diesel”, comentou.

Além disso, a petroleira está de olho na demanda por bioquerosene de aviação, diante dos programas de redução de emissões da Organização Internacional de Aviação Civil (OACI).