Uma joint venture da estatal brasileira Petrobras com a portuguesa Galp, para produção de biocombustível a partir de óleo de palma, acumulou prejuízos de centenas de milhões de reais sem produção efetiva, segundo uma investigação jornalística.
A investigação faz parte do “Luanda Leaks”, um projeto do Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ), que tem no Brasil a revista Piauí, a Agência Pública e o ‘site Poder360‘ como parceiros, e que detalham esquemas financeiros de Isabel dos Santos e do marido, Sindika Dokolo, que envolvem centenas de empresas.
Entre as companhias que Isabel dos Santos detém ações está a Galp, adquiridas em 2005, através de uma ‘holding’ holandesa pertencente à empresária angolana e à estatal petrolífera de Angola, Sonangol.
A joint venture, denominada de Belém Bioenergia Brasil (BBB), ganharia forma dois anos depois, em 2007, com os Governos do Brasil e Portugal, à época liderados por Lula da Silva e José Sócrates, respetivamente, a assinarem um acordo de investimentos para produção conjunta de óleo vegetal no Brasil e biocombustível em Portugal, visando a Petrobras e a Galp.
Com sede no estado brasileiro do Pará, na Amazónia, a empresa projetava financiar a plantação de dendê [espécie de palmeira de origem africana] no município de Tailândia, com o intuito de produzir 300 mil toneladas por ano de óleo e, posteriormente, exportar o produto para Portugal, onde uma refinaria da Galp transformaria o óleo em biodiesel, que seria vendido na Europa, segundo a revista Piauí.
Contudo, segundo a revista Piauíos, os planos mostraram-se desfasados da realidade, com a assessoria da Petrobras a declarar prejuízos de 267 milhões de reais (58 milhões de euros) associados à BBB. Já a investigação dos media brasileiros revelou que, de 2011 a 2018, os balanços da empresa de biocombustível somaram prejuízos de 720 milhões de reais (156 milhões de euros).
Tanto as duas petrolíferas — que não tinham à época nenhum experiência agrícola –, assim como os agricultores a trabalhar no projeto, somaram perdas, com estes últimos a queixarem-se de os seus contratos não terem sido reajustados ao longo dos anos.
Segundo a Piauí, enquanto a Petrobras foi sócia, a BBB não produziu um único litro de biocombustível. “Não acho que a BBB tenha surgido porque a Petrobras achou que óleo de palma era um bom negócio. Acho que surgiu por imposição política, e não por uma ideia económica. […] Ou [a imposição] veio do Lula ou de Sergio Gabrielli [presidente da petrobras aquando da criação da BBB], que eram os dois que poderiam mandar nesse processo”, afirmou à Piauí Marcello Brito, ex-CEO da Agropalma, concorrente da BBB no setor.
Gabrielli é atualmente membro do Conselho de Administração e Comissão para a Estratégia Internacional da Galp Energia.
Foram vários os fatores que foram levando ao desaceleramento do projeto, refere a revista brasileira. O plantio das primeiras mudas do dendê começou em janeiro de 2011, com a perspetiva de colheita dos primeiros cachos a rondar 2014, visto que a planta começa a produzir após os primeiros três anos de vida.
Porém, antes da primeira colheita, a Galp desistiu de refinar o óleo de palma em Portugal, devido à baixa perspetiva de lucro, colocando assim um travão no projeto que dava os seus primeiros passos.
Outro mercado, contudo, mereceu a atenção da BBB por conseguir absorver toda a produção de óleo: a indústria de cosméticos e de alimentos.
De acordo com a Piauí, que cita a Associação Brasileira de Produtores de Óleo de Palma, o Brasil consome 506 mil toneladas do produto por ano, enquanto produz apenas 360 mil toneladas, sendo que a diferença é importada, principalmente, da Indonésia e da Malásia, maiores produtores mundiais.
Mais tarde, em 2014, o Fundo de Desenvolvimento da Amazónia destinou à BBB 89 milhões de reais (19 milhões de euros), de um total de 576 milhões de reais (125 milhões de euros) para a construção de duas unidades industriais, onde o dendê seria esmagado.
Mas, mais uma vez, o projeto recuou, com a Petrobras a desistir do investimento no ano seguinte, quando a petrolífera enfrentava denúncias de corrupção.
Numa nova reviravolta, a BBB passou a colher os cachos de dendê e revendê-los a empresas menores daquela região. “Os prejuízos anuais da BBB, que começaram com 8,3 milhões de reais (1,8 milhões de euros)em 2011, chegariam a 368,2 milhões de reais (80 milhões de euros) em 2016”, segundo a revista brasileira.
Também irregularidades laborais marcam o histórico da empresa, tendo sido autuada 16 vezes, entre 2017 e 2019, por falta de condições mínimas de segurança e higiene para os empregados, ou jornadas excessivas de trabalho, por exemplo.
Em 2016, face a problemas no processamento das toneladas de dendê colhidas, a Galp procurou parcerias para a construção de fábricas, chegando a acordo, em 2017, com a Ecotauá, uma joint venture entre a empresa Dentauá e o Opportunity Agro, um fundo de investimentos do Grupo Opportunity, do banqueiro brasileiro Daniel Dantas, suspeito de corrupção e branqueamento de capitais.
De acordo com a investigação do “Luanda Leaks”, em setembro de 2016, Nuno Frutuoso, um dos executivos do conglomerado de empresas de Isabel dos Santos, recebeu em Angola o “senhor Daniel Dantas”, segundo apurado em emails da empresária angolana, a que o ICIJ teve acesso. Contudo, o consórcio frisa que não fica claro se se trata do banqueiro brasileiro ou de algum homónimo.
O último capítulo da BBB foi no final de 2019, com a Petrobras Biocombustíveis a anunciar a conclusão da venda da sua participação de 50% da BBB para a portuguesa Galp, já detentora dos restantes 50%.
“Após o cumprimento de todas as condições precedentes, a operação foi concluída, cabendo à Petrobras Biocombustíveis S.A o direito de receber cerca de 24,7 milhões de reais (5,5 milhões de euros), os quais serão retidos pela Galp até dezembro de 2020 para compensação de potenciais pagamentos de indemnizações”, declarou a Petrobras num comunicado partilhado no seu ‘site’.
A estatal brasileira acrescentou ainda que a operação em causa “está alinhada à otimização do portfólio e à melhoria de alocação do capital da companhia”, visando a “geração de valor” para os seus acionistas.
O valor de 24,7 milhões de reais resultantes da venda à Galp equivale a apenas 11,1% do valor real a que teria direito a Petrobras, segundo a Piauí, considerando a participação da estatal brasileira no património líquido da BBB em 2018 (221,7 milhões de reais, cerca de 48 milhões de euros).
A venda das ações à companhia portuguesa ocorreu no momento em que a BBB prevê iniciar uma trajetória de lucro, com o final das obras nas fábricas onde o dendê será processado.
A Galp projeta um fluxo financeiro de 108,3 milhões de euros com a BBB no primeiro semestre de 2020, segundo a revista brasileira.