A estrela mais brilhante do céu noturno, Sirius, foi o nome escolhido em um concurso interno do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) para batizar o maior e mais complexo projeto da ciência nacional que vai colocar o Brasil na liderança mundial de luz síncrotron de quarta geração. O Sirius foi projetado para ter o maior brilho dentre todos os equipamentos na sua classe de energia. O projeto abrirá novas perspectivas de pesquisa em áreas como nanotecnologia, biotecnologia, energias alternativas, agricultura, saúde, física e ciências ambientais.
“É um projeto competitivo para o futuro. É uma ferramenta fundamental para todas as áreas do conhecimento que demandam respostas ligadas à escala atômica e nanométrica”, explica o diretor do LNLS e coordenador do projeto, Antonio Roque. “Se tudo der certo, o Sirius será o segundo a operar no mundo, atrás apenas da Suécia. O Brasil pode, de fato, sair na liderança com características mais competitivas que o síncrotron sueco, porque a gente já fez melhorias em relação a eles”, acrescenta.
O Sirius está em construção numa área de 150 mil metros quadrados (m²) no Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), organização social do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), em Campinas (SP). No terreno, que foi cedido pelo governo de São Paulo, o projeto ocupará um edifício de 68 mil m², e o seu acelerador principal, com energia de 3 GeV (giga eletron-volts), terá 518,4 metros de circunferência, podendo comportar até 40 linhas de luz.
“É seis vezes maior que o [acelerador de partículas] atual de segunda geração que tem cerca de 90 m². A energia dos elétrons é mais que o dobro, e o brilho vai ser milhões de vezes maior do que temos hoje, abrindo oportunidades para mudar o patamar qualitativamente do que vai ser feito no Brasil”, afirma Antonio Roque.
A estrutura em construção no CNPEM inclui um conjunto de aceleradores de elétrons e estações experimentais, chamadas de linhas de luz. Com 19% das obras concluídas, a construção de toda a estrutura deve terminar em 2018.
Na última terça-feira (16/02), o ministro Celso Pansera visitou as obras do projeto Sirius. Na ocasião, Pansera sobrevoou a área para visualizar melhor a construção do complexo. Ele afirmou que o Sirius coloca o país na vanguarda da pesquisa científica. “O Sirius é um projeto extraordinário que contribuirá profundamente com o desenvolvimento nacional. Fiquei muito impressionado com o que vi nas obras e no CNPEM, em especial com a qualidade dos equipamentos e da equipe técnica”, disse o ministro.
Tijolos da matéria
O Sirius vai funcionar como um imenso raio X de percepção nanométrica. Dado que os materiais são compostos por átomos, é como se pudéssemos ter acesso aos “tijolos fundamentais” dos corpos, objetos, substâncias e materiais. “Para ter acesso a essa escala, precisamos de ferramentas especiais como o síncrotron. O Sirius é basicamente uma fonte de raio X brilhante que permite que se penetre a matéria e a investigue em escala atômica”, diz Roque.
De acordo com ele, a luz síncrotron é a ferramenta mais universal para dar acesso a essa escala. “Universal no sentido de que, uma vez construída, ela permite que se investigue células, tecidos, moléculas biológicas, sólidos, rochas, solo, fósseis, o que você imaginar. Além disso, ele permite que se interaja com os átomos de tal forma que se possa dizer quais são, como estão distribuídos no espaço e quais são suas ligações químicas, ou seja, possibilita explorar toda a intimidade da matéria.”
Dentro do acelerador de partículas de luz síncrotron do LNLS, a função será manter os elétrons numa ordem extremamente estável e desviar a trajetória dessas partículas, de tal maneira, que elas passem a emitir radiação.
Made in Brasil
Para estimular as empresas de base tecnológica do estado de São Paulo a buscarem soluções inovadoras para as demandas do Sirius, foi lançado no ano passado o segundo edital Fapesp/Finep dos 13 desafios para a construção do projeto. O resultado deverá ser divulgado em maio. “São desafios que tem que estar prontos mesmo depois que o Sirius estiver montado. O Sirius pode começar a funcionar sem o trem de monitoramento instalado, por exemplo. A natureza dos desafios é variada, têm projetos eletrônicos, mecânicos, vácuo, e movimenta as empresas de tecnologia que já existem no estado”, avalia Antonio Roque.
Ele ressalta que o projeto Sirius é 100% nacional com cerca de 70% dos equipamentos fabricados no país. “Dependemos apenas da importação de alguns componentes. Trata-se de um projeto extremamente desafiador. Ficando pronto em 2018, o Sirius, já na inauguração, terá o maior brilho do mundo, e isso permite que você atraia pesquisadores brasileiros e estrangeiros. É uma ferramenta ímpar que, de fato, põe a gente num patamar de competitividade nessas análises de materiais orgânicos e inorgânicos sem precedentes”, comenta.
Segurança e meio ambiente
Antonio Roque esclarece que o projeto não oferece quaisquer riscos ou danos ambientais e possui um nível altíssimo de exigência de segurança para que os profissionais possam trabalhar tranquilamente. “É emissão de raio X que desaparece quando você desliga a máquina. Não há nada permanente para o meio ambiente. E para as pessoas poderem trabalhar, os aceleradores ficam dentro de túneis de concreto com paredes de espessura entre 80 e 120 centímetros em alguns lugares. As linhas de luz de onde saem os feixes de raio X ficam dentro de uma blindagem que é uma parede de material metálico, em geral chumbo, que também garante a segurança das pessoas. Tem ainda um conjunto de sistemas de intertravamento que desligam o sistema automaticamente no caso de alguém fazer algo errado”, explica.
Desafios
O coordenador do projeto Sirius acredita que assim que o laboratório entrar em funcionamento irá trazer uma série de desafios para o país e também para o mundo. “A gente entende o Sirius como um projeto estruturante para o país, não somente por prover essa ferramenta singular, mas também com grande capacidade de alavancar outras áreas como, por exemplo, a área de inovação de empresas de tecnologia brasileiras. Sendo um dos primeiros do mundo, impõe desafios em caráter mundial de encontrar soluções tecnológicas. Em várias situações estamos criando as nossas soluções.”
O pesquisador vê o Sirius como uma ferramenta de fomento à criatividade dos setores acadêmico, industrial e tecnológico. “Um desafio que eu acredito que vai surgir cada vez mais é o desafio para a comunidade acadêmica, industrial e tecnológica de tirar o maior proveito possível do equipamento. Nós vamos ter na mão um equipamento que é pioneiro, é singular na fronteira do conhecimento. Então, ele abre uma janela de criatividade, de investigar coisas numa escala que não se podia antes.”
Além desses aspectos, Roque ressalta que o Sirius possui um grande impacto de internacionalização da ciência brasileira. “Como é uma máquina de tecnologia sofisticada, sendo uma das pioneiras, tem um potencial enorme de atratividade de pesquisadores de ponta de todo o mundo. Isso vai trazer para o Brasil possibilidades de cooperação que podem ser muito interessantes”, prevê.