Essencialmente familiar, toda a atividade agropecuária em Bento Rodrigues, no distrito de Mariana, Estado de Minas Gerais, “foi consumida, dizimada pela tragédia ambiental”, após o rompimento de duas barragens da mineradora Samarco, no último dia 5 de novembro. A afirmação é do engenheiro agrônomo Alexandre Sylvio Vieira da Costa, professor adjunto da Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (MG).
“Animais e cultivos inteiros foram eliminados pela lama de rejeitos da mineração. Toda aquela região foi totalmente soterrada, assim como seus vales e rios. Ela também se tornou um cemitério a céu aberto, por causa das pessoas desaparecidas que, certamente, estão soterradas, sem boas expectativas de que seus corpos sejam encontrados”, lamenta o professor.
Para ele, do ponto de vista ambiental, a única perspectiva para a região de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo (que também faz parte da área atingida pelo desastre) “é a recomposição paisagística com espécies nativas e a formação de um novo equilíbrio ambiental”.
O engenheiro agrônomo destaca que, nas localidades atingidas pelo acidente da Samarco, predominava a pecuária de leite e bovina, principalmente na calha do Rio Doce.
Crise Hidrica
Antes do episódio, “já estávamos passando por uma das piores secas da história recente da Bacia do Rio Doce”. “No passado, chegamos à vazão mínima histórica do rio, que foi de 170 metros cúbicos de água por segundo, na região de Governador Valadares. Neste ano, chegamos aos impressionantes 60 metros cúbicos de água por segundo.”
Segundo o professor, quando a crise hídrica começou, o Instituto de Gestão das Águas de Minas (Igam) e a Agência Nacional de Águas (ANA) reduziram a outorga dos produtores rurais, ou seja, aqueles que podiam usar dez litros de água por segundo, para a irrigação, sofreram redução pela metade, por causa da queda da vazão do Rio Doce.
“A situação, no entanto, ficou ainda mais crítica nesta bacia, a ponto de estas autorizações serem temporariamente suspensas, ou seja, os agricultores ficaram proibidos de irrigar, pois tiveram suas outorgas suspensas. Todos os rios da bacia tiveram redução histórica de suas vazões, a ponto de comprometer o Rio Doce em sua foz, no Estado de Espírito Santo.”
Conforme Costa, centenas de produtores rurais da região devastada, em Minas, utilizam a irrigação de pastagens, inclusive com uso do sistema de pivô central. “O acidente prejudicou e muito os planos dos agropecuaristas locais porque, com o início das chuvas e o aumento da vazão do Rio Doce, seria liberado novamente o uso da irrigação. Mas infelizmente isto, agora, não vai acontecer.”
Piracema
O desastre na região de Bento Rodrigues/Mariana ocorreu justamente na piracema, período em que os peixes sobem os rios para a desova e reprodução. Hoje estão, em sua maioria, mortos.
“É uma tragédia sem precedentes. Todos os peixes, que permaneceram na calha do Rio Doce, encontraram pela frente uma lama densa e contaminada, rica em arsênio, um elemento altamente tóxico. Ficaram sem oxigênio, com lama nas guelras. Consequência disto? Todos morreram. Os peixes que escaparam foram os que conseguiram fugir para os afluentes, que não foram contaminados”, relata o engenheiro agrônomo.
Ele informa que algumas espécies de peixes são endêmicas do Rio Doce, ou seja, só existem na região atingida pela lama tóxica. “Se não conseguiram escapar para os afluentes, com certeza, foram extintos. Os pescadores estão desesperados, deprimidos. Mesmo com o pagamento de um salário para cada pescador, prometido pela Samarco, eles estão tristes ao ver o rio sem vida.”
Culpados
Na hora de apontar culpados, Costa pondera até porque, em sua visão, é necessária a divulgação do que realmente provocou o rompimento das barragens da mineradora. “Existem diversas hipóteses que serão avaliadas pelos peritos, no entanto, as mais aceitáveis são as de prováveis erros na execução de elevação dos taludes de terra, em relação à sua compactação e resistência, além da deposição rápida de rejeitos e água nas barragens.”
Ele ainda supõe que “isto pode ter favorecido o deslocamento de água, não apenas pela infiltração na massa do solo do fundo da barragem, pela ação da gravidade, mas também lateralmente no talude, processo que pode ter enfraquecido sua estrutura, fazendo com que perdesse resistência”. “Então, ao que parece, não foi acidente, mas negligência na operação” da empresa Samarco.
Chegada das chuvas
Nos últimos dias, tem chovido nas regiões mineiras atingidas pelo rompimento das barragens da mineradora. “As chuvas têm sido boas, com elevada intensidade e frequência, situação que tem melhorado a capacidade de armazenamento dos solos da localidade, reduzindo a dependência da irrigação e aliviando um pouco a vida dos produtores rurais.”
Mesmo assim, para Costa, o que mais impressiona é a realidade dos pescadores. “Foram encontrados peixes cheios de ovas, de tamanho que não imaginávamos existir no rio. Peixes de mais de 25 quilos morreram. Foi uma cena impressionante.”
Aos produtores rurais que dependiam do Rio Doce para irrigação, o engenheiro agrônomo dá um conselho: perfurar poços tubulares e artesianos. Outra sugestão é a abertura de lagoas nas partes baixas para captação e armazenamento da água das chuvas.
“Verificamos que os lençóis freáticos estão próximos à superfície e abastecidos com a água do próprio rio. Esta água é boa para irrigação, porque o solo funciona como um filtro, purificando-a.”
Recuperação do Rio Doce
Sobre a recuperação do Rio Doce, os trabalhos só podem começar, conforme sua análise, após a contenção dos rejeitos de minérios na região de Bento Rodrigues/Mariana e depois que a pluma de lama desaparecer.
“Teremos de avaliar o que ficou depositado no leito do Rio Doce, suas características físicas e químicas; se contém metais e/ou outras substâncias tóxicas. Também será necessário estimular a criação de laboratórios de produção de alevinos, para o repovoamento dos peixes, e profissionalizar os pescadores com fazendas de aquicultura, utilizando tanques-redes.”
Sobrevivência do Rio Doce
Apesar do cenário trágico, o professor acredita que o Rio Doce sobreviverá. “O acidente atingiu a um, dentre centenas de afluentes contribuintes do Rio Doce. Mas resolvendo o imbróglio na região de Bento Rodrigues/Mariana, mais precisamente no Rio do Carmo, o principal problema do Rio Doce pode ser resolvido”, acredita.
Costa afirma que, para tanto, a mineradora Samarco deve continuar com os serviços de contenção da lama com resíduos tóxicos de minério, que continua descendo pelo Rio Doce, em Minas, e já chegou ao Estado de Espírito Santo.
“Após a contenção da lama tóxica, teremos condições de avaliar a extensão dos danos, principalmente pelo material que ficou depositado no fundo do rio. Vamos analisar de que forma continuará afetando o equilíbrio, dentro da calha do Rio Doce, assim como os danos causados às plantas, peixes, moluscos, etc. Mas infelizmente, não acreditamos que será possível o estabelecimento de um novo equilíbrio em menos de dez anos.”