A escalada do dólar nos últimos 12 meses impõe ao brasileiro uma série de mudanças no perfil de consumo. A moeda norte-americana valorizou 71,87% no período, impondo fortes cortes na lista de compras em itens tradicionais. A conta mais cara vai da carne bovina ao pão francês, dos remédios aos alimentos importados, como vinho e chocolate. E, claro, as viagens para o exterior recheadas de compras também tornaram-se realidade mais distante. Sob outro olhar, a indústria nacional beneficia-se, tendo maior competitividade tanto no mercado interno quanto no exterior.
Até setembro do ano passado, US$ 1 era equivalente a R$ 2,24. No fechamento do último pregão, com a desvalorização do real, eram precisos R$ 3,85 para trocar pelo mesmo US$ 1. Com a mudança, a importação de produtos ficou mais salgada. Na casa especializada em vinhos AA Wine Experience, segundo exemplo citado pelo proprietário Luiz Eugênio, a garrafa do chileno Casa Rivas Cabernet 2013 custava R$ 60 até dezembro. Com a oscilação cambial, passou a ser vendida por R$ 80. “Os aumentos estão sendo constantes. Não existe mágica. As importadoras estão subindo o preço de 8% a 10% a cada dois meses”, afirma. Ele ressalta que o efeito imediato é o consumo de produtos mais baratos.
Por se tratar de um produto substituto, os vinhos nacionais também acompanham a alta de preços, em um ritmo mais lento que os estrangeiros, o que permite às empresas brasileiras aumentar a margem de lucro, segundo o coordenador do curso de administração do Ibmec, Eduardo Coutinho. A mesma lógica de preços é válida para outros itens importados.
No caso da produção de medicamentos e produtos agrícolas, ambos dependentes fortemente de insumos importados, a alta do dólar representa aumento do custo de produção. Com isso, a tendência é o produtor elevar os valores cobrados. Os remédios têm o preço administrado pelo poder público de acordo com uma planilha na qual a oscilação cambial não tem forte interferência, mas, segundo o presidente-executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos no Estado de São Paulo (Sindusfarma), Nelson Mussolini, na prática, os famosos descontos dados por fabricantes nas drogarias são cortados para cobrir a alta do custo de produção. Segundo ele, 90% da matéria-prima do setor é importada. “Os descontos vão desaparecer das farmácias”, afirma.
Situação semelhante é percebida na agroindústria: adubos e defensivos agrícolas representam até 50% do custo de produção. Mas, segundo o coordenador da Assessoria Técnica da Federação da Agricultura do Estado de Minas Gerais (Faemg), Pierre Vilela, devido à situação da economia nacional, a tendência é de os produtores absorverem o custo maior para não reduzir o consumo. “Não tem espaço para aumentos. A economia em baixa freia o ímpeto de alta”, afirma. Outro produto que inevitavelmente sofrerá ajustes é o pão. Segundo a indústria do setor, por enquanto, não houve elevação, mas a tendência é de as próximas remessas de farinha de trigo chegarem mais caras.
EXPORTAÇÃO
Outro efeito perceptível com o dólar mais alto, segundo a Faemg, é a possibilidade de aumento das exportações de café, milho, soja e carnes. Os produtos nacionais se tornam mais acessíveis ao mercado externo. Com o aumento do mercado consumidor de carnes, a oferta pode não ser suficiente para suprir imediatamente a demanda interna e externa. Vilela explica que, no caso da avicultura e da suinocultura, é possível reagir mais rapidamente para aumentar a produção. O mesmo não se dá com os bovinos, pois são necessários três, quatro anos até o abate do animal. “Não tem boi para suprir essa demanda”, afirma. Com isso, aumentaria a procura por outros tipos de carne, implicando, de novo, em alta de preços. Além disso, o aumento da exportação de milho, soja e outros produtos pode também elevar o preço da ração.
Outro considerável efeito da desvalorização do real é o aumento de custos para viagens internacionais. Nos últimos anos, brasileiros quebraram recordes mês a mês de gastos no exterior, mas a sequência foi interrompida com a escalada do dólar. Uma viagem para os Estados Unidos que custava R$ 7.840 (o equivalente a US$ 3,5 mil), hoje, sairia por R$ 13.125. Mas as agências de turismo, com a queda de 10% nas vendas do setor neste ano, têm feito promoções para aliviar o custo, com passagens aéreas bem mais baratas e outros itens. Mas, ainda assim, a alta de custo é considerável. Com isso, os turistas são obrigados a procurar destinos mais acessíveis, como os países sul-americanos. O último balanço do Banco Central sobre gastos de turistas brasileiros no exterior mostra queda de 30,5% nas despesas em julho em comparativo com igual período do ano passado. No acumulado do ano, a queda é de 21,8%.