Depois de investirem alguns bilhões de reais em cogeração de energia elétrica a partir do bagaço de cana na segunda metade da década passada, os grupos que atuam no segmento sucroalcooleiro do país reduziram as apostas nesta frente em 2011 e o corte promete ser mais profundo neste ano.
Responsável pela maior parte dos financiamentos para esse tipo de projeto, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) estima que a demanda nesta frente será da ordem de R$ 300 milhões em 2012, 65% menos que os R$ 860 milhões desembolsados no ano passado.
A tendência segue o recuo dos aportes industriais como um todo no segmento, que tem capacidade ociosa e tem procurado ampliar investimentos na área agrícola, para promover a renovação e a expansão de canaviais. Mas também é influenciada pelos preços mais baixos da energia, que em 2011 caíram 28% nos leilões do mercado regulado.
Anexas ao maquinário que produz açúcar e etanol, as usinas normalmente dispõem de caldeiras que queimam o bagaço da cana e geram eletricidade para o consumo da própria usina. O excedente é ‘exportado’ mediante contratos de venda que podem ser feitos no mercado livre ou no mercado regulado pelo governo. Neste último é negociada 75% da eletricidade consumida no País.
O último marco para os investimentos das usinas em cogeração foi em 2008, quando o governo fez leilões exclusivos para negociar energia de biomassa, que resultaram em preços remuneradores. “Daí em diante o segmento investiu pesado para atender à demanda sinalizada pelo governo”, diz Zilmar José de Souza, gerente de bioeletricidade da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).
Entre 2008 e 2011, o BNDES desembolsou R$ 5,7 bilhões para financiar projetos de cogeração de energia, mas no ano passado o recuo foi acentuado. Os R$ 860 milhões desembolsados, que diante da previsão para 2012 parecem muito, já representaram uma queda de 42% sobre 2010.
Além da crise de crédito de 2008, que teve impacto nos investimentos em geral – e que guarda relação com a escassez de etanol no mercado doméstico em alguns períodos do ano passado -, o mercado de energia também não ajudou, reforçam especialistas.
Segundo dados compilados pela consultoria FG Agro, o preço médio da energia vendida nos leilões realizados em 2008 foi de R$ 152,92 por megawatt (MW) médio. Mas depois recuou para R$ 142,99 em 2009, R$ 142,99 em 2010 e R$ 102,23 em 2011. Nesse contexto, no último ano o segmento vendeu apenas 4% do ofertado no mercado regulado, ante participação média de 16% nos leilões realizados entre 2008 e 2010.
“O custo da energia produzida por uma unidade de cogeração ‘retrofit’ [ampliada a partir de uma já existente] é de R$ 140 por MW médio. Por isso, em 2011 não realizamos venda em nenhum leilão”, diz João Alberto Abreu, diretor de cogeração da Raízen, maior grupo sucroalcooleiro do país.
O executivo ainda não considera a possibilidade de postergar o projeto da companhia de elevar sua capacidade de cogeração dos atuais 900 MW médios para 1.300 MW em cinco anos. “Nossa estratégia está baseada na venda de 70% da nossa energia no mercado regulado e 30% no mercado livre. Mas os investimentos novos vão depender da venda antecipada dessa energia a preços que tragam rentabilidade”, diz Abreu.
Os preços atrativos nos leilões exclusivos para biomassa de 2008 começaram a declinar principalmente porque o governo alterou as regras a partir de 2009 e passou a permitir a concorrência de outras fontes de energia, como a eólica, nessas disputas.
“Com o agravamento da crise na Europa, em 2011, as companhias eólicas do bloco vieram disputar o mercado brasileiro mais agressivamente e pressionaram os preços para baixo”, diz Luiz Cláudio Barreira, da FG Agro.
Apesar de ainda não haver estimativas oficiais, o mercado já se preocupa com o risco de haver, a partir de 2014, ociosidade no parque de cogeração em construção no país. As vendas nos leilões já vêm contemplando volumes de energia abaixo da capacidade das usinas.
Nos leilões do mercado regulado de 2011, foram vendidos, no total, 2,559 mil MW médios, dos quais as usinas, apesar de informarem terem disponíveis 269 MW médios, arremataram apenas 102 MW médios – ou seja, em tese metade da capacidade disponível naquele momento, segundo levantamento da FG Agro. “Esse buraco vai começar a aparecer a partir de 2014”, prevê Barreira.
Com a maior capacidade instalada de cogeração de energia a partir do bagaço de cana do país, a ETH Bioenergia vendeu até agora cerca de 70% da energia que vai produzir até 2014, quando atingirá sua capacidade total de 2,5 mil gigawatts/hora/ano.
Três das nove usinas do grupo comercializaram energia em leilões em 2010 e 2011, e o restante, em leilões de 2008. “Obviamente, não deixaremos os 30% restantes para vender em 2014. A condição do mercado tem que melhorar”, afirma o responsável pela área comercial, logística e de suprimentos da ETH, Marcelo Mancini.