Após uma forte queda nos últimos anos, o chamado “produto potencial” ganha, na avaliação de especialistas, algum fôlego. Dentre as razões, destacam-se a expectativa de aumento dos investimentos em infraestrutura e um fenômeno populacional recente – um grupo de jovens que vem optando por estudar por mais tempo no lugar de trabalhar. Para alguns analistas, o retorno desses jovens ao mercado de trabalho com maior qualificação, ao lado de melhorias no setor logístico, podem significar maior produtividade, justamente o pilar mais controverso a compor a conta do produto potencial.
O PIB potencial é a tentativa de se estimar o ritmo de avanço do PIB que não acelera a inflação e nem provoca desequilíbrios externos. Em um cenário que combinava folga no mercado de trabalho, alta da produtividade e crescimento do investimento como participação do Produto Interno Bruto (PIB), as estimativas para o chamado produto potencial surpreendiam. Um ano após a deflagração da crise econômica mundial, em 2009, a maior parte de economistas e analistas de mercado previa que o produto potencial brasileiro passava de 4%. Desde 2011, contudo, as estimativas estão em queda e a projeção é que hoje o produto potencial não passe de 2,5%.
Por ser uma variável não mensurável, há muita incerteza ligada às estimativas do produto potencial. No cálculo, entram as expectativas para estoque de capital, o estoque de trabalhadores (oferta de mão de obra) e a produtividade – componente sobre o qual giram os maiores embates entre uma maioria que hoje acredita que o produto potencial brasileiro gira entre 2% e 2,5% e aqueles que avaliam que ele pode ser um pouco maior do que isso. Para estes últimos, o PIB potencial não estaria ao redor de seu pico de 4%, mas em algum lugar entre 3% e 3,5%.
“A grande divergência está no componente da produtividade, que fica entre a estagnação, que seria o cenário mais pessimista, e o crescimento próximo de 1% ao ano, que é o que está implícito na minha conta de PIB potencial”, afirma Bráulio Borges, economista da LCA Consultores. Para ele, o PIB potencial está mais próximo de 3% ou 3,5%. “Só por conta de crescimento de estoque de capital da economia e crescimento da oferta de mão de obra, ou seja, sem colocar a produtividade na conta, o Brasil já conseguiria crescer 2,5% ao ano nos próximos cinco ou dez anos”.
Segundo Borges, há muito analista no mercado extrapolando um comportamento recente da produtividade como se fosse a tendência de longo prazo. Em dez ou quinze anos, avalia o economista, o crescimento médio da produtividade está mais próximo de 1%, o que está longe de ser um número brilhante, afirma, mas não é a estagnação vista por alguns. E, neste cenário, a queda da participação dos jovens no mercado de trabalho – que acabou coincidindo com uma série de medidas de estímulo ao estudo – e o consequente retorno a este mercado com maior qualificação seria um trunfo importante.
“No curto prazo, isso [o aumento de jovens no grupo dos que só estudam] pode ter prejudicado um pouco a nossa economia, já que diminui a oferta de mão de obra, com queda do desemprego e inflação. Só que, olhando mais à frente, podemos ver parte dessas pessoas voltar ao mercado de trabalho com uma qualificação maior, mais produtivos”, afirma Borges. Esse componente, diz ele, assim como a imigração – que não foi incluída na conta do economista, mas também pode aumentar a produtividade da economia – são cruciais para pensar o Brasil no médio prazo, diz ele.
Ana Maria Bonomi Barufi, economista do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco, também estima que o aumento do grupo dos jovens que só estudam e que, portanto, devem acessar o mercado de trabalho com uma maior qualificação, deve impactar positivamente a atividade agregada, mas tem ressalvas com relação ao tamanho desse impacto. “Talvez não seja o mesmo ganho de produtividade de alguém que passou por uma instituição de alta qualidade, mas a contribuição vai ser maior do que se os jovens não tivessem estudado. E, nesse sentido, é positivo para o PIB potencial”.
Em trabalho divulgado no fim de outubro, o próprio Fundo Monetário Internacional (FMI) sublinha que a atividade econômica moderada e uma inflação elevada desde 2010 levaram a uma reavaliação do crescimento potencial brasileiro de longo prazo. Em seu cenário central, no entanto, o FMI avalia que o produto potencial se encontra hoje ao redor de 3,5%, ancorado especialmente nas expectativas sobre a produtividade.
Além do incremento educacional como fonte de expansão do PIB potencial, o relatório indica que investimentos em infraestrutura e algum tipo de reforma tributária a ser feita no médio prazo fazem com que a taxa de crescimento da produtividade embutida nas projeções do Fundo seja de 1% nos próximos anos, sustentando, assim, um PIB potencial ao redor de 3,5%. O FMI, porém, faz a ressalva que tanto a taxa de investimento – que deve se manter constante em 19% do PIB a despeito do programa federal de concessões – quanto o mercado de trabalho, com taxas de emprego próximas ao pico histórico, têm pouco a contribuir com esse incremento do PIB potencial brasileiro.
A tese mais otimista, no entanto, não é consensual. Para Alexandre de Ázara, economista-chefe do Banco Modal, o pico das expectativas acerca do PIB potencial – quando se pensava que ele estava mais próximo de 5% do que de 2% – é resultado de uma percepção muito otimista tanto do mercado de trabalho quanto da produtividade. “Existia desemprego alto e o estoque foi zerado. A produtividade atingiu o ápice entre 2006 e 2007 e, além disso, também estava crescendo o investimento como participação do PIB”, diz Ázara.
Segundo ele, são fatores que, há alguns anos, pareciam impulsionar o produto potencial, mas que mostraram ter efeitos de curto prazo e não devem se repetir. Após o pico, diz Ázara, a produtividade total dos fatores (PTF, que mede a eficiência com que os fatores capital e trabalho se transformam em produção) começou a cair ainda em 2007 e desde 2012 contribui negativamente para o PIB.
Além disso, o aumento de estoque de capital em tempos recentes se deve basicamente ao forte investimento em itens como caminhões e a taxa de desemprego natural [para a qual uma economia tende no longo prazo] está acima da taxa de desemprego efetiva. “Ou seja, o PIB potencial é algo entre 2,5% e 3% se o desemprego subir. Do contrário, é entre 2% e 2,5% mesmo”.
Também para Ana Maria, a questão demográfica é uma preocupação. “O crescimento da população em idade ativa [PIA] nas próximas décadas já foi definido por essas famílias que tiveram filhos há cinco ou dez anos. Ou seja, a produtividade pode ser beneficiada de um lado, enquanto o crescimento populacional e seu impacto na mão de obra podem pesar negativamente de outro”. Para Ana Maria, a perspectiva é fazer com que o incremento do capital físico – o investimento – consiga garantir condições para que a mão de obra se torne mais produtiva. Já para Ázara, as reformas estruturais, como a da Previdência, são cruciais para reduzir os gastos do governo como um todo, de forma a aumentar o produto potencial.
Na opinião de Borges, da LCA, há certo exagero em pensar que o PIB potencial caiu dois pontos percentuais em poucos anos. “O potencial de crescimento é uma variável que muda, não é algo dado por Deus. Só que o PIB potencial é um navio, as variáveis dentro dele não mudam com a mesma velocidade das variáveis dentro do PIB efetivo”, diz Borges. Para ele, é provável que as estimativas de potencial de muitos analistas estão sendo afetadas atualmente pelo PIB efetivo, o que não deveria ocorrer. “Houve exagero lá atrás e há exagero hoje. A verdade, provavelmente, está no meio do caminho”.