Por trás das aparências em público e declarações mútuas de boa vontade, o processo de negociação interna do Mercosul para um acordo comercial com a União Europeia tem sérias divergências nos bastidores dos quatro sócios, apurou o ‘Estado’.
A oferta da Argentina é principal ponto de discórdia. São várias as travas impostas ao acordo. O país vizinho insiste em 15 anos de prazo para redução total nas tarifas de importados da Europa. Brasil, Uruguai e Paraguai querem até 12 anos e a UE pede 10 anos. Os platinos exigem, ainda, “carência” de 7 anos para uma transição.
Os argentinos relutam em incluir no acordo tarifário uma ampla lista de “produtos sensíveis”, como autopeças, químicos, eletros e bens de capital – o que é considerado inaceitável pelos europeus. Isso limita o alcance da oferta no volume total de comércio. A meta é cobrir 90% das tarifas, mas os membros do Mercosul atingiram média inferior a esse índice.
Em rei ato 1 evado à Câmara de Comércio Exterior (Camex) sobre mais uma etapa realizada na semana passada, em Montevidéu, os negociadores foram duros: se não houver acordo até a Copa, em junho, tudo deve ficar para 2015. As negociações serão freadas pelas férias de verão na Europa em julho, a troca de comissários na UE, em setembro, e as eleições no Brasil, em outubro e novembro.
Ambição
A média da oferta do Mercosul,hoje, cai muito com o lado argentino. Quando se cruzam as listas dos parceiros do bloco, o valor final recua para algo mais próximo de 80% do comércio. Os vizinhos melhoraram sua oferta de 76% das tarifas, levada a Bruxelas em meados de março. A época, o Brasil chegava a 88%. Paraguai oferecia 95% e Uruguai, 93%. Sem os produtos “sensíveis” argentinos, a média recuava para menos de 85%. Em Montevidéu, a oferta preliminar melhorou. Ainda assim, está longe da meta de 90%. No governo, avalia-se que aparte do Brasil poderia melhorar com mais abertura no setor de medicamentos. Nova reunião do Mercosul ocorrerá em 29 de abril, na capital uruguaia.
A reunião de Bruxelas, em março, empacou as negociações. Argentina e Brasil discordaram da oferta. Em Montevidéu, o clima melhorou. Mas longe de ser entusiasmante. O governo de Cristina Kirchner passou a querer usar o acordo para “lustrar” sua abalada imagem externa, relata um negociador. Somado à retomada das conversas com o Fundo Monetário Internacional (FMI), isso ajudaria na estratégia do vizinho.
Por aqui, o pano de fundo ainda são as eleições. Após visita a Bruxelas, Dilma busca acelerar a oferta à UE para neutralizar o discurso de campanha da oposição sobre a inércia nos acordos comerciais do Brasil, hoje limitados a um tratado com Israel, desde 2010, e um acerto preferencial entre Mercosul e índia.
Emissários de Dilma pressionam os argentinos a melhorar oferta e aceitar logo um acordo com UE. O assessor internacional Marco Aurélio Garcia já levou vários recados e apelos por uma oferta única do bloco. Mas os argentinos relutam a melhorar perfil, colocando menos produtos industriais como “sensíveis” e reduzindo prazos para a desgravação tarifária.
Nos bastidores, Dilma está disposta a um ultimato. A data-limite para uma acerto interno com os vizinhos seria a metade de maio. Depois disso, será difícil levar o acordo a “bom termo”, avalia parte do governo.