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Hidrelétrica

Atraso pode gerar fatura cara para usina de Jirau

Cabe ao consórcio que assumiu o projeto entregar tal capacidade na data, sob sua conta e risco.

Atraso pode gerar fatura cara para usina de Jirau

Nem governo, nem empreendedores tinham ideia das consequências graves que as paralisações, incêndios e atos e vandalismo que tomaram conta dos canteiros da obra da hidrelétrica de Jirau teriam no cronograma de geração de energia previsto para a megausina erguida no rio Madeira, em Porto Velho, Estado de Rondônia. Essa fatura chegou.

O consórcio Energia Sustentável do Brasil (ESBR), responsável pela construção e operação da hidrelétrica, está pressionado a ter de pagar uma conta extra que pode superar R$ 400 milhões, pelo fato de descumprir a entrega do volume de energia que estava previsto para ser fornecido a partir deste mês. As regras dos contratos de geração são claras: quando é realizado o leilão de um empreendimento de geração, o governo estabelece uma data específica para iniciar a compra de certo volume de energia. Cabe ao consórcio que assumiu o projeto entregar tal capacidade na data, sob sua conta e risco.

Na semana passada, Jirau recebeu autorização da Aneel para ligar a sua primeira turbina de 75 megawatts (MW), de um total de 50 unidades geradoras que entrarão em operação, mas o consórcio não teve nenhuma razão para comemorar. Pelo contrato, a usina deveria acionar um total de 16 turbinas só neste mês. Em termos de geração, esse compromisso significa garantir a oferta de 730 megawatts (MW) médios de energia. Como o consórcio não tem condições de entregar a energia, sua única saída é comprar a diferença no chamado “mercado livre”, no qual geradores vendem grandes volumes de energia, a preços bem mais altos que os praticados pelo governo, no “mercado regulado”.

Para cobrir o rombo de setembro, o desembolso necessário hoje, levando-se em conta o preço médio do mercado livre, chega a cerca de R$ 130 milhões. Ocorre que esse problema se alastra para os meses seguintes, uma vez que o acionamento gradativo das turbinas de Jirau está, sempre, abaixo da quantidade estabelecida em contrato.

Pelo menos até o fim do ano, apurou o Valor, as turbinas de Jirau não terão capacidade de fornecer o volume total de energia que a hidrelétrica se comprometeu a entregar ao governo. Esse déficit de geração, se somados os meses de setembro a dezembro, chega a 2.774 megawatts, já descontada a geração total que será fornecida pelas dez turbinas que o consórcio ESBR promete acionar até o fim do ano – quando a quantidade de máquinas prometida era de 21 unidades. Se o consórcio tiver de adquirir toda essa energia no mercado livre, conforme determina o roteiro do setor elétrico, terá que desembolsar mais de R$ 400 milhões, isso se considerado um custo médio de R$ 200 por megawatt por hora (MWh). Hoje, o preço de liquidação das diferenças (PLD), que é utilizado para dar valor à energia comercializada no mercado de curto prazo, está na faixa de R$ 250 o megawatt/hora.

O Valor teve acesso exclusivo a um relatório que o consórcio ESBR tem apresentado a membros da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), do Ministério de Minas e Energia (MME) e da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), na tentativa de convencer o governo de que o déficit na geração não é de sua responsabilidade, mas reflexo de eventos que fugiram ao seu controle e comprometeram o cronograma da obra. No relatório, o ESBR, que é formado pela francesa GDF Suez (40%), Mitsui (20%) e pelas empresas da estatal Eletrobras – Eletrosul (20%) e Chesf (20%) – relatam detalhes das paralisações enfrentadas na construção da usina desde a assinatura de seu contrato, em agosto de 2008.

A expectativa é a Aneel perdoe o atraso por conta das paralisações e conceda uma prorrogação – o que é chamado de “excludente de responsabilidade” – de sete meses no cronograma da obra. Em maio, a agência já deu uma autorização nesse sentido, concedendo um “bônus” de 52 dias, por conta de atrasos causados na entrega de equipamentos importados, os quais ficaram retidos devido a greves da Receita Federal. O cenário atual de entrega, no entanto, já inclui essa prorrogação.

No balanço feito pelo consórcio, as paralisações decorrentes de greves e atos de vandalismo ocorridos em 2011 e 2012 resultaram em 25 meses de paralisação total ou parcial nas obras da margem direita do empreendimento; e mais 18 meses na margem esquerda da obra. O pedido do consórcio, que está em análise pela Aneel, concentra-se, basicamente, nas paralisações causadas no ano passado, e não naquelas ocorridas em 2011.

Em entrevista ao Valor, o presidente do consórcio ESBR, Victor Paranhos, confirmou as informações e disse que, se Jirau for realmente obrigada a comprar 730 megawatts de energia neste mês, sequer encontraria todo esse volume de energia disponível no mercado, em tão curto espaço de tempo. Trata-se do mesmo volume de energia previsto para ser gerado pela usina de São Manoel, hidrelétrica de R$ 2,2 bilhões que o governo pretende erguer no rio Teles Pires, no Mato Grosso. A geração de setembro teria de ser comprada até, no máximo, 7 de outubro.

“O paciente está na UTI. Se ninguém fizer nada, ele realmente corre o risco de morrer”, disse Paranhos. “Quando se leiloou essa usina, ninguém conseguia visualizar o tamanho de seu desafio. Na realidade, o desafio era muito maior do que aquilo que se achava que era”, comentou o presidente do consórcio ESBR.

Joga a favor de Jirau o fato de que o “Linhão do Madeira”, a rede de transmissão que vai ligar as usinas de Porto Velho até Araraquara (SP), ainda não está em operação efetiva, o que só deve acontecer entre o fim de outubro e início de novembro. “Isso atenua nossa situação. Nós nem teríamos como despachar toda essa energia, por isso acreditamos numa decisão favorável da Aneel”, disse Paranhos.

Uma vez que o linhão entre em operação, porém, o déficit das turbinas continuará, ou seja, o problema de Jirau permanece. Hoje a usina está com 93% de suas obras concluídas. Desde seu início efetivo, em junho de 2009, a usina sempre foi cercada de polêmicas envolvendo seus trabalhadores. Entre brigas de sindicatos trabalhistas, acusações de maus tratos a funcionários, tráfico de drogas em seus canteiros e contratação de bandidos, o empreendimento foi alvo de investigações da Polícia Federal e do Ministério Público.

“Contamos com o bom senso de todos. A avaliação de responsabilidades é realmente subjetiva, mas não pode ser imputada ao empreendedor uma penalidade que ele não causou”, disse o executivo. O Valor procurou a Aneel e o Ministério de Minas e Energia para tratar do assunto. Não houve retorno aos pedidos de entrevista.