“Gente, isso não dá. Eu tenho outras coisas [mais importantes] para decidir”. A resposta do então recém-empossado presidente da Siemens no Brasil ao pedido de autorização para a compra de um computador talvez tenha sido o primeiro “insight” de que algo precisava ser mudado. Passados seis meses, Paulo Ricardo Stark, o curitibano que assumiu em outubro o bastão de Adilson Primo, presidente por uma década da subsidiária brasileira demitido por supostas irregularidades, diz que para ser líder é preciso mais que inovar. É necessário descentralizar as decisões e reduzir o atual engessamento da estrutura de negócios.
Com estilo discreto mas direto, Stark enclausurou-se no dia a dia da múlti alemã nos primeiros meses de trabalho. A comunicação externa foi limitada, se não inexistente. A prioridade era medir a temperatura em campo para criar o seu próprio diagnóstico. Nesse período, o executivo visitou as 13 fábricas no país, seus seis centros de Pesquisa & Desenvolvimento (P&D) e conversou com quase 30 mil fornecedores e funcionários.
Dessa incursão, Stark notou que a centralização das decisões – capaz de colocar à sua mesa um simples pedido de compra de computador – poderia levar a empresa perder a agilidade essencial nos negócios em tempos de avanço agressivo da concorrência. “Nos últimos anos, o crescimento da Siemens no Brasil superou em quase quatro vezes o crescimento do PIB brasileiro. O problema é que toda expansão acelerada vem acompanhada de ineficiências”, diz Stark, em sua primeira entrevista à imprensa, durante a recepção de uma comitiva de empresários alemães ao complexo industrial da Siemens em Jundiaí. “Só que a gente não pode aceitá-las”.
Uma das mudanças que o novo presidente já colocou em prática foi voltar a dar autonomia aos interlocutores regionais, de forma a aproximá-los mais dos clientes. A demora nas negociações e a concentração nas tomadas de decisão podem estar relacionadas à percepção, por parte de analistas, da queda na participação de mercado da Siemens em alguns segmentos. A alemã e suas concorrentes não divulgam dados específicos sobre o Brasil para embasar a percepção.
Segundo o executivo, o controle rígido que engessa negócios pode ser atribuído, em parte, à lição que a Siemens aprendeu após os escândalos recentes de corrupção no exterior, que tornou a companhia alemã hoje em uma referência em fiscalização e controle (“compliance”, em inglês). O antecessor de Stark, Adilson Primo, foi afastado por força dessa política – o assunto não foi abordado como condição para a entrevista. Oficialmente, Primo teria cometido “contravenções das diretivas da empresa”.
A flexibilização na gestão, no entanto, não é ameaça às amplas ações nessa área, afirma Stark. “No final, as pessoas devem tomar atitudes pelas quais elas depois possam se responsabilizar”.
Achar o ponto ótimo entre eficiência e controle será essencial para que Stark atinja suas metas. Aos 42 anos, o mais novo presidente da multinacional alemã no país assumiu o posto em um contexto mundial que suscitou o que os seus rivais americanos chamam de “mixed feelings” – sentimentos contraditórios de preocupação com as economias europeia e americana, seus maiores mercados, e de grandes oportunidades de negócios em emergentes como o Brasil, onde quase tudo está por fazer.
Apesar de sua ampla experiência internacional, com três passagens pela matriz alemã e pelo México, Stark não fala sobre o cenário externo. Por uma questão protocolar, evita comentar o alerta recente do diretor financeiro Joe Kaesser sobre as metas “muito ambiciosas” de crescimento de 5% nas vendas globais da multinacional para o ano fiscal de 2012, dada a mudança de ventos no cenário econômico mundial. No seu terreno, diz o executivo, nada mudou. Ao contrário.
Nós não precisamos depender de mais investimentos em P&D porque já temos tecnologias viáveis hoje
“O ânimo para os investimentos [lá fora] mudou, mas o ambiente no Brasil continua promissor no médio prazo. As questões fundamentais do país estão aí: os investimentos necessários em logística, em saúde, a migração de 40 milhões de pessoas das classes D e C para a classe B”, afirma ele. “Investimos US$ 700 milhões no Brasil nos últimos dez anos e vamos investir outros US$ 600 milhões nos próximos cinco. Isso mostra o nosso comprometimento com o país”.
A meta de duplicar o faturamento anual de R$ 5,025 bilhões até 2016 está mantida. A Siemens deverá concluir até o fim do ano o seu sétimo novo centro de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), de US$ 50 milhões, voltado à área de óleo e gás na Ilha do Fundão, no Rio de Janeiro, mesmo local onde a americana GE investirá US$ 150 milhões em um centro similar que deverá ficar pronto em 2013.
Bisneto de alemães que só foi aprender o idioma quando entrou na companhia em 1988, Stark deve saber que o lema do presidente mundial Peter Löscher – “beeilen Sie sich”, ou apressem-se – nunca foi tão apropriado. Toda a concorrência cobiça os mesmos segmentos de negócio no Brasil. É preciso rapidez para manter a 5ª posição no ranking de faturamento da Siemens, status que a subsidiária brasileira alcançou em 2009 e é disputado com Reino Unido e Índia.
A estratégia de expansão do executivo inclui joint ventures e aquisições a serem anunciadas ainda este ano. Sem revelar detalhes, Stark diz que pretende entrar no segmento de biomassa e biocombustíveis através do fornecimento de equipamentos. Já a fábrica de aerogeradores no Nordeste, cuja construção vinha sendo estudada há algum tempo, não deverá sair do papel no curto prazo. “A capacidade produtiva em energia eólica é alta, e com o nível de preço atual o mercado não se sustenta”.
Acompanhando a estratégia global da companhia, a nova área de negócios chamada Cidades e Infraestrutura, criada em outubro, deverá também ganhar impulso com os investimentos previstos para o país. O novo setor de negócios voltado exclusivamente ao mercado “verde” nasceu com 80 mil dos cerca de 100 mil funcionários da multinacional alemã no mundo, uma carteira de dezenas de centenas de produtos e respondendo a 27,6% do faturamento total do grupo. No Brasil, abraçou 3 mil dos 10 mil funcionários.
Com a nova estrutura, quase 80% do portfólio relacionado a cidades – até então distribuído em Indústria, Energia e Saúde – foi levado para o quarto setor, desde soluções para transportes públicos até o “smart grid”, o sistema inteligente de distribuição de energia que moldará as cidades no futuro.
Sob o Cidades e Infraestrutura haverá “city account managers” específicos para o acompanhamento atento das necessidades de 60 cidades selecionadas pela Siemens. A ideia é que esses “gerentes de conta” estudem a fundo as deficiências urbanas e apresentem às autoridades municipais projetos de solução com a tecnologia Siemens, tal como faz com seus clientes empresariais. No Brasil, foram escolhidas São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. “Já fizemos diagnósticos. Temos planos concretos de desenvolvimento de negócios para essas localidades”, afirmou o executivo, sem dar mais detalhes.
O novo presidente da Siemens no Brasil afirma que irá mostrar ao mundo na Rio+20 – a conferência internacional que discutirá em junho os rumos do planeta – o que a companhia já produz de melhor para a solução dos problemas urbanos, que demandarão aportes milionários em investimento para o desenvolvimento de sistemas de energia, água e transportes nos próximos anos. “Nosso mote é: vamos fazer já e não protelar o que não precisa ser protelado. Não precisamos depender de mais investimentos em pesquisa porque já temos tecnologias viáveis hoje”.
Para ganhar da concorrência – atraída para inovar no Brasil -, ele terá que fazer jus ao seu nome. Stark, em alemão, é um forte.