Safras recordes de grãos são para comemorar, mas para os produtores brasileiros a carência de locais para armazenagem vem transformando a abundância em pesadelo. Não há onde guardar tudo o que é colhido, e isso desde 2010. Na atual safra, espera-se um novo recorde de 185,7 milhões de toneladas de grãos, enquanto a capacidade de estocagem está em 158,6 milhões de toneladas nos 9.223 estabelecimentos em atividade no país, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O Mato Grosso ilustra bem esse cenário: maior produtor de milho e soja do país, com uma safra aproximada de 45 milhões de toneladas/ano, o Estado tem capacidade para armazenar pouco mais da metade do que colhe, ou seja, 29,5 milhões de toneladas.
“Por conta desse déficit de estocagem de 15 milhões, temos de recorrer a estratégias nada convencionais, como armazenagem a céu aberto e caminhões que funcionam como armazéns ambulantes. O resultado tem sido elevação dos preços dos fretes em até 30%, perda de parte da colheita e redução no preço das commodities”, afirma Seneri Paludo, diretor executivo da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso (Famato).
Estocar o produto quando o preço de venda não é favorável é uma medida desejada pelos produtores brasileiros de grãos. Estocagem suficiente, ressalta o diretor, “favoreceria os agricultores, à medida que os preços se tornariam mais atraentes, mesmo diante de safras recordes, reduzindo o custo dos fretes em boca de colheita”. De acordo com seus cálculos, o preço do frete no trajeto entre Sorriso (MT) e o Porto de Santos (SP) – cerca de 1.950 quilômetros – passou de uma média anual de R$ 240,00 para R$ 310,00 por tonelada, em fevereiro – aumento de 29,2%.
Para atender a essa antiga demanda do setor, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou, em julho, alteração no Programa de Incentivo à Armazenagem para Empresas Cerealistas Nacionais – BNDES Cerealistas. Ele passa a operar no âmbito do Programa BNDES de Sustentação do Investimento (BNDES PSI). O objetivo é financiar a construção e a ampliação de silos e armazéns, disponibilizando uma linha de R$ 1 bilhão a taxas de 3,5%, já embutida a intermediação financeira, contra as taxas variáveis que superavam os 5%. Os prazos foram ampliados de 144 meses para 180 meses.
“O prazo de pagamento de 180 meses – contra os 144 anteriores – inclui uma carência de até três anos, o que também representa uma melhora, e as novas condições passam a valer para operações contratadas até 31 de dezembro deste ano”, diz Juliana Santos da Cruz, chefe do departamento de relações com agentes financeiros do BNDES. “O valor por operação costuma ser de cerca de R$ 2 milhões. De 2008 até o final de abril deste ano, foram registradas 106 operações, para as quais o BNDES desembolsou R$ 221,8 milhões.”
Segundo o BNDES, devem ser beneficiadas empresas cerealistas com sede e administração no Brasil, que exerçam as atividades de secar, limpar, padronizar, armazenar e comercializar produtos in natura de origem vegetal. A alteração foi aprovada pelo Conselho Monetário Nacional, em sua reunião no fim de junho e referendada agora pela diretoria do BNDES.
Segundo Juliana, a armazenagem da crescente safra de grãos do Brasil representa um desafio, especialmente para o Centro-Oeste do país, grande produtor agrícola e distante dos portos exportadores. Ainda de acordo com a executiva, a escassez de armazéns atinge produtores de todos os portes, o que fará com que a demanda seja distribuída tanto entre pequenas e médias empresas – com faturamento anual de até R$ 90 milhões, na classificação do banco – como entre grandes empresas, com faturamento muito superior a esse valor.
” A capacidade de estocagem não tem acompanhado o mesmo ritmo que a atividade produtiva no campo”, afirma Alysson Paolinelli, presidente da Associação Brasileira de Milho (Abramilho) e ex-ministro da Agricultura. Paolinelli defende estruturas de estocagem no local da produção, além dos chamados “armazenamentos pulmões” – que se localizam nas cidades, nos entroncamentos rodoferroviários, nos portos e até aeroportos. “Esse tipo de armazenamento, próximo à plantação, é fundamental nas áreas pioneiras, como o Mato Grosso, principalmente nas regiões onde se colhe a safrinha.”
O cerealista Cláudio de Jesus, de Ijuí, no Rio Grande do Sul, já contratou uma consultoria para colocar no papel um projeto e ingressar com pedido de linha de financiamento junto ao BNDES. “Pretendo dobrar minha capacidade de armazenar grãos e entendo que, todo cerealista que tiver na expectativa de construir armazenagem, o momento para se fazer isso é agora”, afirma. Com capacidade para estocar 100 mil toneladas hoje, Jesus acredita que expandindo o armazém terá uma redução no custo de 8%. “Produzo milho, soja, trigo e aveia. Com estocagem próxima da propriedade de colheita, enxugo os custos, deixo de alugar espaços em outros armazéns e posso fazer uma expedição direta da propriedade para o lugar de consumo. Terei mais condições de enfrentar o mercado à medida que posso escalonar as vendas garantindo melhores preços”, diz.
Seneri Paludo, da Famato, ressalta que não basta a promessa de acesso à linha de crédito, mas é necessário “desburocratizar” o caminho para se chegar ao financiamento. “É preciso apresentar um projeto técnico financeiro e que ele seja avalizado pela instituição financeira, no caso, o Banco do Brasil. Isso tudo é demorado”, reclama. “Esse dinheiro que está entrando agora trará um retorno em 2016, quando, acredito, que teremos 100% de armazenagem”, diz.
“O fato é que o comprador, sabendo da dificuldade de armazenagem, joga o preço lá para baixo. Isso está acontecendo neste momento no mercado de milho. Não há capacidade de armazenagem, o produtor precisa escoar o produto porque não tem onde guardar”, exemplifica. De acordo com ele, a saca de milho no princípio do ano, em Sorriso, era negociada a R$ 18,50 e hoje está entre R$ 9,50 a R$ 10,00, por conta da boa safra e da falta de armazenagem. A Famato reúne 87 sindicatos rurais e 33 mil produtores filiados, sendo 7 mil produtores de milho e soja e o restante na área de pecuária de corte.
Marcelo Ivan Schwalbert, superintendente administrativo financeiro da Cooperativa Agropecuária e Industrial (Cotrijal), instalada na cidade de Não Me Toque, no Rio Grande do Sul, conta que o déficit de armazenagem na região também preocupa. “Estamos fazendo os estudos de viabilidade para uma linha de financiamento BNDES Cerealista. Temos déficit na área de armazenagem de soja, milho, trigo e cevada. Trata-se de uma linha bastante atrativa para o setor”, afirma.