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Economia

Brasil é o problema do Brasil no Mercosul

As próprias mazelas brasileiras que mais atrasam o Brasil em seus possíveis esforços para acordos de livre comércio.

Brasil é o problema do Brasil no Mercosul

O papel da Argentina no mau desempenho das exportações brasileiras reflete a importância daquele mercado para a indústria daqui; e também desafia o pensamento convencional, segundo o qual é urgente livrar-se dos problemáticos sócios do Mercosul para fazer crescer o comércio exterior do Brasil. Se o país perdeu mercados e concentra vendas na Argentina foi porque, no vizinho, seus produtos de menor competitividade ganham alguma proteção contra a concorrência estrangeira devido à Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul, a barreira tarifária às mercadorias de fora do bloco sul-americano.

Em crise e carente de dólares, a economia argentina promete retomar seu ciclo de obstáculos às exportações, e o Brasil é um dos alvos preferenciais – especialmente se, ao contrário de concorrentes, como a China, não se dispuser a garantir algum tipo de auxílio para fechar as abaladas contas externas do país ao lado. Mas é injusto atribuir principalmente aos argentinos as dificuldades brasileiras para avançar novos acordos comerciais; e altamente duvidoso de que, como se tornou senso comum, o item número um das ambições negociadoras da indústria brasileira seja mesmo fim da união aduaneira do Mercosul, com a extinção da TEC.

A necessidade de rever a estrutura de tarifas de importação no Brasil é praticamente consenso entre os especialistas, mas não entre os empresários, claro, que se beneficiam de níveis diferentes de proteção contra a concorrência.

Buscar inserção em cadeias globais não é tarefa dos vizinhos

Como lembra o primeiro secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex), José Tavares de Araújo, a fixação das tarifas na lista da TEC, na década de 90, seguiu a diferenciação histórica brasileira, que sempre deu forte abrigo à indústria nacional de bens intermediários, como petroquímicos, siderurgia e celulose, setores nos quais a tarifa de importação oscila entre 16% e 20%, em geral. Essa proteção se reflete na TEC, em alguns casos, contra os interesses dos vizinhos.

A taxação de matérias-primas como essas é um custo adicional para a produção, e um dos fatores de perda de competitividade brasileira. A redução dessas tarifas, no entanto, encontra forte resistência no Brasil mesmo, como no caso da siderurgia, que tem argumentos fortes em sua defesa, ao alegar que o excesso de estoques mundiais de aço exige medidas defensivas para evitar o massacre da produção nacional pela concorrência estrangeira.

É pela soma das preferências do setor privado e do governo, e não por uma suposta decisão palaciana, que o Brasil está no último lugar, ou entre os últimos, em variadas avaliações sobre a abertura comercial dos países e sua articulação com as cadeias globais de produção. O economista Ricardo Markwald, da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex), chega a falar em “singularidade” brasileira: é pequeno o estímulo à abertura, mesmo entre as empresas, nesse país com grande mercado interno e produção de recursos naturais, indústria diversificada e um mercado historicamente mais fechado, em uma região menos integrada às grandes cadeias globais de produção de valor.

A tese de Markwald sobre a singularidade brasileira que, segundo o economista, exige um empenho ainda maior do governo para estimular a abertura e a competitividade do país, está descrita na edição da Revista Brasileira de Comércio Exterior (RBCE) da Funcex, que começa a circular nesta semana. Ela traz também um interessante artigo dos economistas argentinos Dante Sica, Maurício Claveri e Belén Lico sobre a (falta de) motivação argentina para um acordo de livre comércio com a União Europeia.

A Argentina está decidida a acompanhar o Brasil e outros sócios nas negociações com os europeus, mas cética em relação às vantagens que teria com o eventual acordo e em dúvida sobre as chances reais de algum resultado. De 26 setores industriais, só em cinco, de baixo valor agregado e sujeitos a barreiras não tarifárias, a Argentina aproveitaria suas vantagens competitivas. No restante, teria de negociar salvaguardas para evitar danos a indústrias altamente empregadoras de mão de obra.

Com suas medidas de controle de importações contestadas em um painel de arbitragem na Organização Mundial do Comércio (OMC), que será concluído em maio, os argentinos veem nas discussões com a Europa uma forma de reduzir os atritos com o Brasil e evitar que a Argentina apareça como culpada de um eventual fracasso nas negociações, avaliam Sica, Claveri e Lico.

Embora a análise dos especialistas mostre que a Argentina pode tornar-se um peso nas negociações, são as próprias mazelas brasileiras que mais atrasam o Brasil em seus possíveis esforços para acordos de livre comércio, mostram Markwald e Tavares. Ambos apontam tarefas inadiáveis para o Brasil, à margem dos acordos, no esforço de superar a falta de competitividade nacional. Uma delas é investir pesadamente na infraestrutura, especialmente a de transportes, fundamental para um país que necessita reduzir custos de sua produção e exportação e facilitar a entrada de sua indústria nas cadeias produtivas que modificaram o cenário do comércio exterior global.

Sergio Leo é jornalista e especialista em relações internacionais pela UnB. Escreve às segundas-feiras

E-mail: [email protected]