O ano era 2014. William Barbassa decidiu usar a experiência em manutenção de turbinas a vapor, adquirida como funcionário de uma empresa do ramo, para montar o próprio negócio. Conhecedor do mercado de geração de energia elétrica a partir da biomassa da cana-de-açúcar – bagaço e palha – e tendo contato com várias usinas, apostou num mercado em expansão.
A empresa de Barbassa nasceu, justamente, para prestar serviços de manutenção em turbinas a vapor. Quatro anos depois da inauguração, já fabricando equipamentos, era capaz de entregar uma central termelétrica completa, para vários segmentos ligados à produção de energia. A partir deste ano, deve fortalecer, novamente, a participação no setor sucroenergético.
Nesses nove anos de existência, os serviços da empresa atenderam 40 usinas. Só em manutenção, foram mais de cinco mil equipamentos.
“A gente tem a estratégia de equilibrar a atuação entre energia a manutenção do setor de açúcar e álcool, um mercado que é extremamente potencial, por conta da facilidade que se tem de colocar energia elétrica no sistema e também porque ele casa com a sazonalidade da matriz energética brasileira. O período de escassez de chuvas é, justamente, o de pico de safra das usinas, em que se pode entregar mais energia elétrica”, afirma Barbassa.
Estratégias
O Gerente de Bioeletricidade da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica), Zilmar José de Souza, concorda que o potencial de geração de energia a partir da biomassa da cana é imenso. Ele fala com conhecimento de causa. Quando essa alternativa surgiu, com pioneirismo de usinas da região de Ribeirão Preto, ele trabalhava na Companhia Paulista de Força e Luz (CPFL), atendendo justamente o setor sucroenergético.
Ele explica, no entanto, que novos incrementos significativos dependem de uma conjuntura que os favoreça. O primeiro fator é que não adianta, segundo ele, olhar para a bioeletricidade sem uma política mais clara para a participação do etanol na matriz energética no país – já que um depende do outro. O RenovaBio, programa de valorização dos biocombustíveis, instituído em 2017 pelo Governo Federal, foi um primeiro passo, mas que exige continuidade de ações nesse sentido.
O segundo ponto citado por Souza está na expectativa para a reforma do setor elétrico, que vem sendo estudada pelo Governo. A esperança é que haja mais regularidade e robustez para o segmento – o último leilão de energia de biomassa, por exemplo, foi realizado há 15 anos.
“Temos centros de excelência e capacidade de expansão. O que precisamos é que se estabeleçam mecanismos de valorização dos atributos da bioeletricidade”, afirma Souza.
Incremento
A bioeletricidade nas usinas é produzida a partir de resíduos do processamento da cana. O bagaço e a palha são queimados e o vapor, em alta pressão, movimenta turbinas, que geram energia elétrica. Parte dessa energia é consumida nas próprias usinas e o excedente é vendido à rede, que distribui para residências, indústrias e estabelecimentos comerciais – um processo conhecido como cogeração.
De 2008 até o final de 2022, segundo a Unica, o Brasil gerou, dessa forma, 440,7 GWh, sendo que 49,9% foram comercializados na rede. No início dessa série histórica, o país gerava cerca de 12 mil GWh. Já no fim de 2022, estava em 32 mil GWh, quase o triplo.
Ao todo, 244 usinas no Brasil (68%) geram excedentes, sendo que 223 estão na região Centro-Sul. Outras 114 produzem energia elétrica apenas para consumo próprio. Souza explica que essas, por terem estruturas um pouco mais antigas, carecem de modernização. Em contrapartida, todas as plantas industriais de usinas em construção já incluem a cogeração de energia.
De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), de 2023 a 2026, as fontes de biomassa deverão acrescentar 1.692 MW na matriz elétrica brasileira, por meio de 31 projetos de outorga que têm viabilidade alta/média de entrada em operação comercial até 2026, significando um média anual de 423 MW no período.
No entanto, isso deve representar apenas 3,1% do acréscimo de energias renováveis no Brasil. A liderança deverá ficar com as fontes eólica e solar, que, juntas, serão responsáveis por 85,8% do incremento.
Souza explica que o investimento em biomassa, especialmente na da cana-de-açúcar, seria uma segurança para o país, já que a matéria-prima não é intermitente – ou seja, é contínua – enquanto as fontes eólica e solar são variáveis, ou seja, se manifestam com mais intensidade dependendo da época do ano e das condições climáticas.
Diante disso, o gerente aponta, como um dos caminhos, a necessidade de estabelecer, nos instrumentos de planejamento setorial, soluções estruturadas para conectar as usinas às redes elétricas, além de uma visão integrada da bioeletricidade com os demais produtos da cana-de-açúcar, como o etanol, o biogás, o biometano e o hidrogênio verde, outras fontes potenciais para o fornecimento de energia.