Os Brics, o grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, devem decidir, já na próxima reunião de cúpula, em março, na cidade sul-africana de Durban, sobre a criação de dois importantes instrumentos financeiros desse bloco heterogêneo: o banco dos Brics, para financiar projetos entre os cinco países e outras nações em desenvolvimento; e um fundo comum de reservas, que vem sendo chamado de Contingency Reserves Arrangement (CRA), para socorrer os governos em caso de ameaça às contas externas – atuando como uma espécie de Fundo Monetário Internacional (FMI) dos Brics, sem funcionários.
O formato do banco e do CRA foi discutido há alguns dias, na África do Sul, por altos funcionários dos países do Brics, que chegaram a um modelo básico, com algumas poucas indefinições. O modelo será analisado pelos ministros das Finanças, em fevereiro, quando será definida a proposta a ser apresentada para decisão, aos presidentes do grupo, na reunião de Durban, em março. O banco deve ter capital entre US$ 50 bilhões e US$ 70 bilhões e poderá receber outros países como sócios, embora esse seja um dos pontos ainda não definidos. Como comparação, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) tem capital de aproximadamente US$ 170 bilhões.
A ideia de criar o CRA, fundo de reservas com US$ 70 bilhões a US$ 120 bilhões, para funcionar como garantia contra ataques especulativos ou pressões sobre o balanço de pagamentos nos países dos Brics, foi levantada em junho do ano passado, durante encontro do grupo à margem da reunião do G-20 – o conjunto das economias mundiais mais influentes – em Los Cabos, no México. É um fundo virtual, em que cada país se comprometerá a destinar uma parte de suas reservas para as finalidades decididas pelos Brics, em operações conhecidas tecnicamente como “swap cambial” – um tipo de “swap” coletivo, que permite aos países multiplicar o poder de intervenção de suas reservas em moeda internacional.
Os pré-requisitos para recorrer ao CRA ainda são objeto de debate. Os técnicos também não preveem a criação de uma instituição específica para administrar o mecanismo, que, como o futuro banco dos Brics, será detalhado após negociações autorizadas pelos presidentes na reunião de Durban. A ideia partiu do Brasil, que sugeriu a criação de mecanismos de swap cambial entre os Brics. O modelo para o CRA é a chamada iniciativa Chiang Mai, criada em 2010 pelos países da Associação das nações do Sudeste Asiático (Asean), China, Japão e Coreia do Sul, como um fundo de reservas para socorro em caso de crise no balanço de pagamentos.
Possivelmente, Brasil e China assinarão, em Durban, acordo para um swap em moeda local, que permitirá aos dois países receber apoio mútuo dos respectivos BCs para cumprir obrigações em real ou yuan. Como principal exportador e importador de produtos brasileiros, a China tem interesse nesse mecanismo para dar segurança à corrente de comércio entre os dois países.
Já o banco dos Brics é defendido com entusiasmo pelas autoridades indianas e sul-africanas, as mais decididas a tirar a ideia do papel na reunião de Durban. O banco financiará projetos de infraestrutura e desenvolvimento sustentável, e poderá complementar outras instituições multilaterais, como o Banco Mundial, embora, diferentemente deste, não deva atuar na área de recomendações de políticas.
Estruturado como outras instituições financeiras do mundo emergente, como a Corporación Andina de Fomento, ou o BNDES, o banco dos Brics tem a intenção de receber classificação AAA das classificadoras de risco e captar dinheiro no mercado a custo menor que os países do grupo. Terá um corpo técnico reduzido e dará assistência para elaboração de projetos de investimento.
Ainda não há consenso sobre a divisão de cotas no fundo, que o Brasil defende ser igualitária. No caso de se decidir que o banco terá um capital de US$ 50 bilhões, por exemplo, cada país dos Brics depositaria US$ 2 bilhões para as atividades do banco e manteria, em garantia, outros US$ 8 bilhões de suas reservas internacionais à disposição da instituição.
A criação dos dois mecanismos, se decidida como se espera, dará aos Brics o primeiro desdobramento prático da formação do grupo, que é criticado nos meios financeiros internacionais por sua heterogeneidade e aparente disparidade de interesses.