Por Jayme Buarque de Hollanda*
A madeira é uma importante fonte de energia no Brasil, origem de mais de 10% da energia primária utilizada pelo país. É, também, a forma de energia menos compreendida e que tem um potencial de grandes ganhos no futuro próximo. A maior parte dessa energia se destina a um uso industrial, nas fábricas de papel e celulose, cerâmica, gesso e ferro gusa.
Com a exceção da indústria de papel e celulose, a cadeia de transformações e usos energéticos da madeira no Brasil se caracteriza pela baixa eficiência. A maior parte dos combustíveis tem origem extrativa com o emprego de tecnologias primitivas, dificultando o aumento da produção em bases renováveis. As fábricas de gusa que produzem o carvão com madeira plantada raramente aproveitam os gases e voláteis coproduzidos no carvoejamento pela inexistência de um mercado organizado para esses biocombustíveis.
Os combustíveis da cadeia são as únicas formas de energia produzidas, transportadas e comercializadas no Brasil à margem de qualquer regulamentação energética. Uma organização mínima e a existência de uma política energética para a cadeia da madeira aumentariam a eficiência gerando mais receita para o mesmo insumo, reduzindo preços, melhorando a qualidade dos combustíveis e asfixiando economicamente a informalidade e o recurso ao desmatamento.
Em 2005 a Política Energética Nacional – PEN deu um passo importante nesse sentido quando ampliou o escopo da ANP para que a agência, criada originalmente para regulamentar o petróleo, regulasse também “a produção, importação, exportação, transferência, transporte, armazenagem, comercialização, distribuição, avaliação de conformidade e certificação de qualidade de biocombustíveis”.
O que parecia um avanço frustrou-se em setembro de 2011 quando o conceito de biocombustível, universalmente entendido como “combustível derivado de biomassa renovável” foi definido (XXIV, Art. 2 da PNE na versão atual) da seguinte forma: “(…)substância derivada de biomassa renovável, tal como biodiesel, etanol e outras substâncias estabelecidas em regulamento da ANP, que pode ser empregada diretamente ou mediante alterações em motores a combustão interna ou para outro tipo de geração de energia, podendo substituir parcial ou totalmente combustíveis de origem fóssil;”
O texto exclui, na prática, os combustíveis da cadeia da madeira. Isto reflete preconceito dos que associam o seu uso intensivo a subdesenvolvimento, pois sendo de fácil obtenção e uso com tecnologias simples, atendem as necessidades de populações pobres. Essa visão embute a perspectiva de economias avançadas das regiões temperadas onde a baixa produtividade florestal inviabiliza seu uso vis-à-vis os combustíveis fósseis e pouco se investiu para aperfeiçoar essa cadeia. Explica também porque os investimentos em pesquisa e desenvolvimento para essa fonte renovável são mínimos no Brasil quando se considera a sua importância na matriz energética e a produtividade das biomassas em geral.
O preconceito não tem mais razão de ser. Na Europa, a busca de alternativa aos combustíveis fósseis aumentou o uso de densificados, resíduos de madeira industrial e florestal comprimidos sob a forma de “pellets” (pequenos cilindros), com queima limpa, preço competitivo e grande vantagem ambiental sobre os combustíveis fósseis. Apesar de ter metade da densidade energética do óleo combustível, o densificado é usado para substituí-lo nos usos urbanos.
Mais recentemente ajuda a reduzir a emissão de CO2 em termelétricas onde substitui até 30% do carvão mineral (“co-firing”). O consumo de pellets na Europa pulou de meio para treze milhões de toneladas na primeira década, do século, um crescimento anual explosivo de 38% ! Mais de 20% dos pellets são importados dos EUA e do Canadá. Em 2010 foram estabelecidos normas e padrões internacionais para o biocombustível que vai se tornando uma importante “commodity energética” que movimenta em torno de dois bilhões de euros naquele continente. Com isso, é possível otimizar os processos de produção e dos bicombustíveis densificados.
Essa evolução desperta o interesse pelo “torrefado”, um derivado sólido obtido aquecendo os resíduos a 250oC na ausência de oxigênio. Com densidade energética superior à dos pellets de condensados e próxima à do carvão mineral, esse biocombustível pode ser estocado por longos períodos sendo mais apropriado ao transporte e à formação de estoques. Empresas elétricas norte-americanas estudam seu uso para substituir 100% do carvão mineral na geração elétrica.
Essas novidades me fazem crer que forças de mercado vão organizar no Brasil a cadeia da madeira energética. A demanda para exportação de densificados já mobiliza iniciativas no país e já levanta polêmicas sobre se valeria a pena a plantação densificada. A exportação é pequena e dificultada por fatores como a valorização do real, custo de transporte e pequena escala de produção.
O exemplo externo, a existência de normas que podem ser adaptadas às condições brasileiras, a possibilidade de reduzir custos de logística, no entanto, fazem prever uma expansão do uso no país. Cabe lembrar que as tecnologias de produção e uso desses biocombustíveis são compatíveis com a nossa capacidade industrial que terá acesso aos últimos avanços e desenvolvimentos europeus e norte-americanos. Apesar dos baixos investimentos em P&D para o uso energético da madeira e derivados, o Brasil tem um pequeno, porém competente grupo de especialistas. Se comprovadas as virtudes dos torrefados, ajudarão a mitigar as emissões das termelétricas para as quais a lei brasileira já impõe limites de emissão do CO2.
Esses avanços servirão de paradigma para alavancar a cadeia dos pirolizados em geral, notadamente o carvão vegetal. O Brasil é o único país do mundo a produzir gusa com carvão vegetal em larga escala (30% da demanda do país). Pela ausência de enxofre e contaminantes esse gusa tem elevada qualidade. A organização da cadeia para esse biocombustível e uso dos voláteis organizará o mercado com sinais econômicos adequados à criação e desenvolvimento de biorefinarias, com o aumento da receita dos produtores do carvão vegetal em bases modernas.
O Brasil terá a oportunidade, assim, de rapidamente liderar o desenvolvimento tecnológico e o domínio da produção e uso desses biocombustíveis, mais adaptados ao país e a todos países da faixa tropical, para competirem com os combustíveis fósseis.
* Jayme Buarque de Hollanda é diretor geral do Instituto Nacional de Energia Elétrica (INEE)