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Calor muda tabuleiro do milho na América do Norte

Lavouras de milho sofrem com o déficit hídrico em Kansas, no coração do "Corn Belt" americano; no Canadá, cultivo avança.

Calor muda tabuleiro do milho na América do Norte

Joe Waldman está dizendo adeus ao milho, depois que mais um verão quente e seco convenceu este agricultor de Kansas, na região central dos Estados Unidos, de que as chuvas não chegarão a tempo. “Desisti”, diz Waldman, de 52 anos, enquanto inspeciona sua plantação atrofiada localizada a cerca de 160 quilômetros ao norte de Dodge City. Ele agora vai plantar mais sorgo, que exige menos chuva, deixará alguns campos em pousio e restringirá o milho a campos irrigados.

Em termos nacionais, os agricultores americanos nunca plantaram tanto milho desde 1937 quanto nesta safra (2012/13), mas em Kansas as terras semeadas foram as menores em três anos. No Estado, os produtores se voltaram para culturas que exigem menos água, como trigo, sorgo e até mesmo triticale, mistura de trigo e centeio popular na Polônia. Enquanto isso, a área plantada em Manitoba, Província do Canadá a 1,1 mil quilômetros de Kansas, quase dobrou na última década por causa das mudanças climáticas e dos preços mais altos.

Mudanças como essas refletem a visão dos produtores de que a seca deste verão americano não é um desastre aleatório. É um sinal de um futuro alterado pelas mudanças climáticas que afetarão a produção mundial. “Essas mudanças estão acontecendo em uma velocidade maior que a de adaptação das plantas, de modo que veremos impactos substanciais sobre os padrões de cultivo”, diz Axel Schmidt, ex-cientista-sênior do International Center for Tropical Agriculture, hoje na Catholic Relief Services, uma agência humanitária internacional. A discussão sobre como a atividade humana está alterando o clima continua, mas o setor agrícola já começa se adapta às mudanças climáticas.

A americana Cargill, maior empresa de agronegócios do mundo, está investindo em instalações no norte dos EUA, antecipando-se a um previsto aumento da produção de grãos nessa parte do país, diz Greg Page, principal executivo da companhia sediada em Minneapolis. “O número de vagões ferroviários, silos e a capacidade de carga” estão mudando, disse ele. “É possível ver o capital se dirigindo para regiões com capacidade de produzir mais toneladas por hectare”.

Nascido em Bottineau, pequena cidade de Dakota do Norte, na fronteira com o Canadá, Page diz que quando cursava o ensino médio, na década de 1960, “era possível cultivar trigo – ou trigo. E era isso”, afirma. “Hoje, você chega ao mesmo lugar e vê que eles cultivam soja, granola, milho e até mesmo ervilhas. Muito disso tem a ver com o fato de que hoje há seis ou oito dias mais sem nevascas”.

A seca deste ano nos EUA foi a pior desde 1954, segundo o Palmer Drought Index, que mede esses fenômenos climáticos desde 1895. O tempo quente e seco levou as estimativas para a safra americana de milho ao menor nível em seis anos e projeta um preço à vista médio que deverá ser um recorde histórico. Agosto foi o 330º mês seguido em que as temperaturas mundiais superaram a média do século XX, segundo o National Climatic Data Center.

Em janeiro, o Departamento da Agricultura dos EUA (USDA) atualizou seu mapa sobre a capacidade das plantas de sobreviverem a condições adversas pela primeira vez desde 1990, transferindo muitas regiões para zonas que estão 5º Fahrenheit mais quentes que no fim do século XX. Os dados mostram um clima em transição, com a agricultura precisando se adaptar, diz Wolfram Schlenker, economista ambiental da Universidade Columbia em Nova York. Até mesmo pequenas mudanças na temperatura média podem alterar os padrões climáticos, afetando as chuvas, as taxas de evaporação e a capacidade das plantas de florescer em certos ambientes, diz.

O oeste do Estado de Kansas passa pelo segundo ano de seca rigorosa; 2011 foi o terceiro mais seco em Dodge City desde que os registros começaram a ser feitos, em 1900. Este ano, as temperaturas na cidade ficaram acima da média em todos os meses até julho. O clima sempre foi cruel na região, que sofre constantemente com tempestades de poeira, exigindo dos agricultores o cultivo de culturas como o trigo, que requer menos água. A exploração do aquífero de Ogalalla, um enorme lago subterrâneo que vai de Dakota do Sul até o oeste do Texas e fornece 30% das águas para irrigação usadas nos EUA, vem permitindo o cultivo do milho em locais onde as chuvas são insuficientes. Novas variedades de plantas híbridas e sementes transgênicas também estão ajudando.

Essa expansão pode estar diminuindo com a seca e exaurindo o aquífero Ogalalla. Ty Rumford, que administra a High Choice Feeder ao sul de Scott City, em Kansas, está plantando menos milho e mais triticale para alimentar 37 mil animais nos dois confinamentos de sua empresa. Uma cultura mais resistente é necessária, já que a disponibilidade de água é cadente. “Quando os poços de água foram perfurados aqui, na década de 1940, eles tinham 9 metros de profundidade, em um lençol freático com uma profundidade de 55 metros”, conta Rumford. “Esses poços bombeavam de 5,7 mil a 7,6 mil litros por minuto na década de 50. Agora, eles estão a uma profundidade de 41 metros e bombeiam de 760 a 950 litros por minuto. Precisamos ter certeza de que teremos água para todos”, afirme ele.

O triticale funciona nos currais porque é usado como ração do gado, reduzindo custos, segundo Rumford. Mas sua atratividade é menor para os fazendeiros que produzem culturas para o mercado. “Estamos consumindo tudo o que produzimos, de modo que não é importante ter um mercado externo”. Enquanto isso, o milho está entranhado demais na vida dos americanos para perder sua posição de cultura mais valiosa do país, diz. O grão foi avaliado em US$ 76,5 bilhões no ano passado, mais que o dobro do valor da soja e cinco vezes o valor do trigo.

A maior parte do etanol produzido nos EUA vem do milho. O gado come milho. O xarope de milho com alto teor de frutose é um substituto comum do açúcar. Exportadoras como Cargill e a também americana ADM, sediada em Illinois, negociam e processam milho. Fazendeiros que fazem seguros contra perdas têm à disposição um grande número de dados sobre o grão. As políticas para triticale, canola ou feijão, por exemplo, são menos comuns em Kansas por causa da carência de estatísticas.

Em sua maior parte, a região central dos EUA, com sua infraestrutura, solo e clima favorável, continuará sendo o “Cinturão do Milho” do país, diz Jerry Rowe, administrador da Heritage Grain Cooperative de Dalton City, de Illinois, tradicionalmente o segundo Estado dos EUA que mais produz milho. “Não tenho um lugar para armazenar feijão rajado”, diz Rowe, que administra o silo de armazenagem de grãos de sua comunidade há 25 anos. “Aqui é área de milho e soja”.

Ainda assim, o tempo mais quente e seco poderá alterar a torração de lavouras mesmo no coração do “Corn Belt”. “O espaço para o cultivo de trigo estará em alta” em 2013, diz Tabitha Craig, que vende seguros de safras para a Young Enterprises, empresa de serviços agrícolas de New Hartford, Missouri.

As mudanças climáticas provavelmente empurrarão as regiões de cultivo de milho para o norte, tornando as alternativas ao grão mais importantes em outros lugares, diz John Soper, vice-presidente de pesquisa e desenvolvimento genético de culturas da Pionner, divisão de sementes da DuPont. Os pesquisadores da companhia antecipam que haverá mais milho em Saskatchewan e Manitoba, tradicionais áreas de cultivo de trigo no Canadá, enquanto sorgo e girassol poderão passar por uma retomada em Kansas, uma vez que está chovendo cada vez menos.

A Pioneer está desenvolvendo novas variedades de milho, tanto com sementes híbridas tradicionais quanto com sementes geneticamente modificadas, ao mesmo tempo em que reforça as pesquisas com sorgo e outras culturas que não precisam de irrigação. Mesmo assim, combater a seca com sementes melhores e novas fontes de comércio serve apenas para amenizar os efeitos das mudanças climáticas, afirma Roger Beachy, primeiro presidente do Instituto para Alimentos e Agricultura do USDA e hoje professor de biologia vegetal da Washington University. Novas culturas – e mercados para essas culturas – serão necessárias para facilitar a transição, que será violenta para alguns agricultores e consumidores, diz.

“Precisamos usar a biodiversidade e a diversificação de culturas a nosso favor”, diz Beachy, cujo trabalho na Monsanto nas décadas de 80 e 90 levou à primeira cultura transgênica. “Pode um agricultor ganhar tanto dinheiro cultivando grão-de-bico quanto ganhava com milho? É preciso criar valor ao agricultor”.